POBREZA
− prestações sociais perdem eficácia
no combate à pobreza
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Em 2010, 1,8 milhões de portugueses – 18% do total – viviam com menos de 421 euros por mês.
E se não fossem as transferências sociais, esse número subia para 2,5 milhões. Porém, o contributo das prestações como o subsídio de desemprego, o abono de família ou o rendimento social de inserção para a redução do risco de pobreza está a cair.
De acordo com o inquérito ao Rendimento e Condições de Vida, ontem divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), as prestações sociais reduziram em 7,3 pontos percentuais a proporção da população em risco de pobreza em 2010, quando no ano anterior [2009] o contributo destas prestações foi de 8,5 pontos percentuais.
Para o economista Carlos Farinha Rodrigues este é um sinal de alerta que poderá vir a intensificar-se nos próximos anos. “Há aqui um sinal vermelho de que estamos, de alguma forma, a reduzir a eficácia equalizadora das transferências sociais na redução da pobreza e da desigualdade”, realça.
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(…) Farinha Rodrigues não tem dúvidas que se trata da redução “mais significativa” de 2000 para cá.(…)
“É o começo da manifestação dos efeitos da alteração da condição de recursos que, no fundo, iniciou um conjunto de políticas de redução das transferências sociais e que em 2011 se vai aprofundar”. Em causa está uma medida tomada em Agosto de 2010 pelo Governo socialista. Ao mesmo tempo que aumentou o leque de rendimentos considerados na avaliação dos recursos da família, mudou também as ponderações da capacitação rendimento, em linha com os critérios da OCDE, elevando de forma artificial os rendimentos dos agregados e levando à redução do número de beneficiários do abano do família ou do rendimento social de inserção, entre outras mudanças.(…)
A taxa de risco de pobreza das famílias com crianças dependentes aumentou para 20,1%, mais um ponto percentual face ao ano anterior, e os dados do INE deixam bem claro que as crianças que vivem em famílias monoparentais ou em agregados com mais de três menores continuam a ser as principais vítimas da pobreza, com as taxas de risco de pobreza a saltarem para 27,9% e 34,5%, respectivamente.
Para Dália Costa, que tem estudado o fenómeno da pobreza infantil, o inquérito do INE é o espelho do que não tem sido feito pelos sucessivos governos. “Não há um quadro autónomo de políticas públicas dirigidas para a infância e isso reflecte-se na dificuldade de abrandar o risco de pobreza infantil”, realça.
A professora universitária antecipa que o cenário “vai piorar”, tendo em conta a evolução da taxa de desemprego que no final deste ano deverá ultrapassar os 16% e a alteração da composição das famílias.
Carlos Farinha Rodrigues acrescenta que este tem sido o principal “calcanhar de Aquiles da nossa política social”. “A taxa de pobreza das crianças hoje é praticamente a mesma que era há 10 anos”, nota. (…)
Por detrás do indicador global, há ainda outros que geram alguma preocupação. Entre 2009 e 2010, a pobreza entre os trabalhadores [ou seja, a pobreza entre os que estão empregados] mostra sinais de estar a aumentar, interrompendo a redução ao longo dos últimos anos. Segundo o INE, 10,3% da população empregada vivia com menos de 421 euros, quando em 2009 a percentagem era de 9,7%.
Farinha Rodrigues diz que este dados podem “traduzir uma tendência”, mas ainda não permitem dizer que os trabalhadores pobres estão a aumentar.
Fosso acentua-se
Os indicadores de desigualdade também indiciam uma tendência de agravamento, evidenciando um ligeiro aumento no distanciamento entre os mais ricos e os mais pobres, com o índice de Gini a passar de 33,7% para 34,2%.
O resultado não surpreende o presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza. O padre Jardim Moreira entende que essa é uma das principais consequências das políticas de austeridade que vêm sendo seguidas e do aumento do desemprego e receia que venha a agravar-se perante a resposta do actual Governo à pobreza e às situações mais extremas.
“A resposta a estes problemas faz-se sobretudo pela via assistencialista, o que não resolve o problema, mas apenas o minimiza”, realça.
Raquel Martins
Jornal PÚBLICO, 14:VII:2012, p. 2