teologia para leigos

1 de julho de 2012

BENTO XVI - «O CAMINHO DA INVOLUÇÃO»

A caminho do Vaticano III?



Durante esta semana, em Santander, na UIMP (Universidade Internacional Menéndez Pelayo), realizou-se um Curso de Verão sobre os 50 anos do Concílio Vaticano II (1962-1965). A direcção pertenceu ao teólogo Juan José Tamayo.

O Concílio foi um enorme acontecimento. Sem ele, é inimaginável a situação da Igreja Católica e, consequentemente, dada a sua influência no mundo, também do próprio mundo. Como sublinhou Tamayo, operaram-se grandes transformações:

De uma Igreja que se considerava uma sociedade perfeita passou-se à Igreja como comunidade de crentes.
Do mundo como inimigo da alma ao mundo como lugar da vivência da fé.
Da condenação da modernidade e das religiões não cristãs ao diálogo multilateral.
Da condenação dos direitos humanos ao seu reconhecimento e proclamação.
Da condenação da secularização à sua defesa, no sentido do reconhecimento da autonomia das realidades temporais.
Da Igreja imutável e imóvel à Igreja que deve estar em constante reforma.
Do integrismo católico ao respeito pelas outras crenças.
Do autoritarismo centralizado em Roma à colegialidade episcopal.
Da Cristandade ao cristianismo.
Da pertença à Igreja como condição necessária para a salvação à liberdade religiosa como direito humano fundamental.
De uma Igreja europeia a uma Igreja verdadeiramente universal.

Houve limites?
Alguns, maiores:

Apesar de certa abertura ao mundo, o seu carácter eurocêntrico - o horizonte de compreensão foi a modernidade europeia e, nesse quadro, a problemática da crise de Deus no mundo ocidental e o fenómeno da descrença -,

e a não centralidade da opção pelos pobres, não se dando a devida atenção às maiorias populares do Terceiro Mundo.

O Ocidente acabou por ser o destinatário principal do Concílio. Depois, o antropocentrismo exacerbado fez com que a problemática da ecologia fosse ignorada.

Alguns temas foram silenciados.
O Papa Paulo VI impediu que o tema do celibato dos padres fosse debatido - mais tarde, num Sínodo Episcopal, submeteu-o a votação, mas a maioria dos bispos opôs-se. O lugar das mulheres na Igreja e, concretamente, a sua ordenação, bem como o controlo da natalidade, foram arredados do debate.

No dizer de Tamayo, "o Concílio foi uma curta Primavera a que se seguiu um longo Inverno, que dura há mais de 40 anos".

Perante os excessos de então, Paulo VI, que tinha convictamente levado a termo o Concílio, mas que era um intelectual hesitante, teve receio e começou a pôr algum travão, numa história de avanços e recuos.

Depois, já com João Paulo II, avançou a involução e pôs-se em marcha "um programa calculado de restauração". Acentuou-se o carácter hierárquico-papal da Igreja, limitou-se a liberdade de investigação teológica, muitos teólogos foram condenados, passou-se do pensamento crítico ao pensamento único e dogmático, a Cúria readquiriu poder, os bispos conciliares foram sendo substituídos por bispos fiéis ao neoconservadorismo e ao Vaticano.

Com Bento XVI, que constituiu uma surpresa pela sua humanidade, por medidas fortes contra o clero pedófilo, pela admiração por parte dos intelectuais, o caminho da involução continua: aí estão a restauração da Missa em latim, as negociações com os lefebvrianos, a condenação de teólogos, a centralização.

Perante a grave crise que atravessa hoje a Igreja, muitos reclamam um novo Concílio: um Vaticano III, convocado por um João XXIV. Mas há quem, para lá de outras objecções, lembre a questão financeira: um novo Concílio seria demasiado caro.

Pergunta-se, então, se não deveria dar-se, pelo menos, a convocação dos Presidentes de todas as Conferências Episcopais do mundo - há quem, com razão, questione a utilidade do cardinalato -, para resolver problemas urgentes:

1.   os escândalos no Vaticano,
2.   a questão do celibato,
3.   o lugar da mulher na Igreja,
4.   reformas das estruturas eclesiásticas,
5.   maior descentralização,
6.   uma linguagem nova para a expressão da fé,
7.   questões novas postas pela globalização e pelas novas tecnologias, tanto no domínio da comunicação como no da vida.


Anselmo Borges
‘Diário de Notícias’, 30:VI:2012