teologia para leigos

28 de fevereiro de 2011

ADIVINHAR O FUTURO POLÍTICO É FÁCIL - J. BATEIRA


 
 Tudo depende de nós

O Governo corre contra o tempo. Procura desesperadamente obter financiamento fora do “mercado”. Mas a autonomia financeira para alguns meses de pouco servirá. O BCE tem nas mãos o financiamento dos bancos portugueses e, por conseguinte, tem o poder de precipitar a qualquer momento o telefonema que o Primeiro-Ministro fará a pedir ajuda a Bruxelas.
Uma vez que
Angela Merkel não tem margem de manobra para aceitar um acordo sobre o Fundo de Estabilização que abra a porta à mutualização da dívida dos Estados-Membros, começa a ficar claro que não só vamos ter de aceitar um empréstimo em condições gravosas (taxa de juro incomportável, austeridade selvagem, degradação adicional do Estado social), como nem sequer serão tomadas decisões que acabem com a especulação contra o euro. Arrumado Portugal, segue-se a Espanha.

Tudo indica que a Eurozona está presa do discurso populista contra os “países despesistas” da periferia da União, um discurso com grande aceitação junto das classes populares dos países ricos do centro que há muito estão sujeitas à política de “moderação salarial”, com deslocalizações da indústria e cortes no Estado social, para responder à pressão competitiva da globalização sem freio. De pouco importa que o problema da dívida soberana seja sobretudo o resultado da especulação financeira desenfreada e dos inevitáveis desequilíbrios macroeconómicos entre países de muito desigual nível de desenvolvimento integrados numa zona monetária sem integração política. O que importa é que a narrativa neoliberal é hegemónica nos meios de comunicação social.
Muito provavelmente pela mão do PSD, os Portugueses terão de suportar uma deflação (austeridade selvagem no Estado, privatização de sectores do Estado social, redução dos salários também no sector privado) imposta por Bruxelas e mais que desejada pelos "falcões" do PSD. É uma fatalidade? Não, não é. Está nas mãos dos cidadãos portugueses dizer NÃO por (pelo menos) três grandes razões:
1) Com uma deflação não conseguiremos pagar as dívidas, como os exemplos da Grécia e Irlanda sugerem; 2) Os bancos alemães, franceses e outros tinham obrigação de avaliar melhor a sustentabilidade do crédito que concederam anos a fio, sabendo muito bem que o país não tinha capacidade competitiva para crescer e permanecer solvente; 3) Quem deve pagar a crise deve ser quem mais beneficiou das suas causas, as classes de mais elevados rendimentos e a finança.
E então?
Se nos mobilizarmos como os cidadãos do outro lado do Mediterrâneo, podemos eleger um governo que atenda a estas razões, um governo que reestruture a dívida pública e promova uma política de crescimento apoiada por uma fiscalidade corajosamente progressista. Ao fim de um ano teríamos um crescimento que nos daria força negocial para negociar a reestruturação da dívida para um montante e calendário suportáveis. E teríamos posto Bruxelas no seu lugar. Mais importante, teríamos evitado um desastre social e estaríamos em melhores condições para exigir algumas derrogações aos Tratados que possibilitem políticas de desenvolvimento industrial (política orçamental activa, política industrial, discriminação fiscal para a produção de bens transaccionáveis).
Tudo depende de nós.





Bruxelas em estado de choque

É preciso ler um jornal irlandês para ficarmos a saber como reagiu a liderança neoliberal europeia ao programa e à campanha eleitoral do principal partido da oposição na Irlanda, o Fine Gael. Se passar a chefiar o governo como indicam as sondagens, o Fine Gael (centro-direita) quer que Bruxelas reduza substancialmente a taxa de juro da "ajuda" que recebeu do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (em média 5,8%) e, se tal não for concedido a curto prazo, decidirá unilateralmente uma reestruturação da dívida de dois bancos que foram nacionalizados e afundaram as finanças públicas da Irlanda. Tal "corte" atingiria em cheio bancos ingleses e alemães. Chocante!

É uma forma de lidar com a austeridade selvagem imposta por Angela Merkel que devia fazer reflectir os restantes países da periferia da UE. Mas parece que por cá se prefere a diplomacia do "bom aluno" para ir à boleia do que se vier a decidir sobre o Fundo e as condições impostas à desesperada Irlanda. Em vez da acção concertada da periferia, temos o "cada um por si". O pior dos cenários.

[post by Jorge Bateira in  



26 de fevereiro de 2011

VINÍCIUS DE MORAES - PARA ISSO FOMOS FEITOS


para isso fomos feitos:
para lembrar e sermos lembrados
para chorar e fazer chorar
para enterrar os nossos mortos
por isso temos braços longos para os adeuses
mãos para colher o que foi dado
dedos para cavar a terra

assim será nossa vida:
uma tarde sempre a esquecer
uma estrela a se apagar na treva
um caminho entre dois túmulos
por isso precisamos velar
falar baixo, pisar leve,
ver a noite dormir em silêncio

não há muito o que dizer:
uma canção sobre um berço
um verso, talvez de amor
uma prece por quem se vai
mas que essa hora não esqueça
e por ela nossos corações se deixem
graves e simples

pois para isso fomos feitos:
para a esperança no milagre
para a participação da poesia
para ver a face da morte

de repente nunca mais esperaremos...

hoje a noite é jovem
da morte apenas nascemos
imensamente

[Vinícius de Moraes]

[post by jb]

ISLÃO - SEXO E DEMOCRACIA - 5 VÍDEOS

IRÃO
a Grande Pérsia hoje… COMO É?

 [AS MULHERES ENCABEÇAM A REVOLUÇÃO NO IRÃO]

[Iranianos em Bruxelas diante da sua Embaixada, 20 Junho 2009]

[Em Teerão, Manifestação Pacífica, 16 Junho 2009]

[Em Teerão, manifestação contra a farsa eleitoral, 13 Junho 2009]

[A maior festa gay antes de Ahmadinajed]

http://www.youtube.com/watch?v=LN9xscD5-wM&feature=related

[Festa hetero, hoje]

24 de fevereiro de 2011

A REVOLUÇÃO ÁRABE - 4 VÍDEOS


Movimento «20 de Fevereiro» – Marrocos

«éramos escravos e o Senhor tirou-nos do cativeiro com mão forte...» 
Deuteronómio 6:21

«um viático de ouro te daria, se pudesse...»
Al-Mu'tamid, poeta do Destino





Afinal, onde fica Marrocos?
No coração da Europa!!!
(e não o sabíamos…)

[em Bruxelas, em frente à Embaixada de Marrocos, as mais díspares tendências políticas em tensão… «Mas onde é que eu já vi isto?»]

[Tetuan, Marrocos, 20 Fevereiro]

[Rabat, depois do 20 de Fevereiro]



No Bahrain… VIOLENCE 'else where’
[Bahrain]


23 de fevereiro de 2011

A EUROPA E OS ÁRABES


A Europa ainda tem medo
da revolta árabe

Nos anos 90, a União Europeia conseguiu conceber uma política ambiciosa para a orla sul do Mediterrâneo na qual as reformas políticas tinham o seu lugar. (…) Os acordos de associação que começaram a ser negociados com Marrocos, a Tunísia ou a Argélia tinham esse objectivo estratégico e colocavam claramente a ideia da condicionalidade dos apoios económicos e sociais à progressiva abertura política dos respectivos regimes. Foi, aliás, em 1995 que a União lançou o agora quase moribundo Processo de Barcelona para criar na sua fronteira sul uma vasta região de paz e de desenvolvimento, que correspondia em absoluto ao seu interesse estratégico.

A fadiga do alargamento (concretizado em 2004), as ondas de choque do 11 de Setembro e o longo e desgastante processo de reforma interna a que a Europa se dedicou na década passada foram esvaziando de conteúdo e de sentido essa visão. As palavras-chave das políticas europeias para a região passaram a ser «terrorismo», «fundamentalismo islâmico» e «imigração ilegal», numa sucessão a todos os títulos duvidosa.

A cooperação com esses países passou a centrar-se na economia em troca da travagem da imigração ilegal e a condicionalidade política foi deixada para o puro domínio da retórica ou mesmo nem isso. Virada para dentro, entretida com as suas questões internas, sem qualquer capacidade de formular uma visão estratégica, rapidamente a Europa passou a olhar para os regimes autocráticos e anacrónicos da região como a única alternativa segura ao islamismo radical, esquecendo as suas teorias sobre a democratização e ignorando as forças da sociedade civil que não encaixavam nesta dicotomia. Entretanto, deixou cair a Turquia, que podia ser o exemplo bem sucedido da compatibilidade entre o Islão e a democracia. (…)
Nos últimos anos, se houve acordos finalizados com sucesso por Bruxelas, eles foram quase sempre todos respeitantes à imigração e à forma mais expedita de a controlar. Entre eles figuram o acordo firmado com a Líbia em Outubro do ano passado, no qual a Europa se compromete a oferecer 50 milhões de euros a Tripoli (Khadafi queria 5 mil milhões) para «ajudá-lo» a manter os imigrantes fora das costas europeias e fornecer apoio técnico para os campos onde alegadamente seria feita a triagem entre os que fugiam à perseguição política e os que fugiam à miséria económica. A União foi criticada por todas as organizações humanitárias e pelo Alto Comissariado para os Refugiados da ONU (cuja delegação foi, aliás, fechada). Ninguém se mostrou perturbado. Em Roma, ao lado de Berlusconi, Khadafi deu-se mesmo ao luxo de dizer que era pouco dinheiro para evitar «a ameaça de tornar a Europa negra».

O golpe de misericórdia na lógica que animou inicialmente o Processo de Barcelona acabou por ser dado quando o Presidente Sarkozy, com a sua habitual mania das grandezas, resolveu criar a União para o Mediterrâneo durante a presidência francesa da União, em 2008, organizando em Paris uma mega cimeira, com pouco conteúdo e imensa pompa, por onde desfilaram todos os ditadores que hoje ou já passaram à história ou estão prestes a fazê-lo. Hosni Mubarak foi eleito co-Presidente e nunca mais se falou disso.

Entretanto, a França, Portugal, a Itália, a Espanha ou o Reino Unido foram desenvolvendo as suas próprias políticas, ao abrigo da concha vazia da diplomacia da União Europeia. A França fez de Mubarak e Ben Ali os dois pilares da sua política para a região. Por isso, hoje, a imprensa francesa diz que ficou, pura e simplesmente, sem política. A Itália de Berlusconi tornou-se na grande amiga do coronel Khadafi, ao ponto de ter assinado com a Líbia em 2008 um acordo segundo o qual se comprometia a pagar-lhe 5 mil milhões de euros durante 25 anos a título de indemnizações pela colonização e a troco de contratos privilegiados para as suas empresas. Tony Blair tratou de branquear o regime a troco da promessa de abandono de quaisquer pretensões nucleares e de apoio ao terrorismo. (…)

A forma como alguns ministros (incluindo Luís Amado) exprimiram a sua preocupação sobre o que está a acontecer foi eloquente. Ouviu-se falar mais de estratégia para evitar que o islamismo radical tome conta da região do que de vontade de saudar e de apoiar esta genuína aspiração por maior liberdade que se manifesta por todo o lado. É isso que é novo e é isso que pode ser, também, uma extraordinária oportunidade para a Europa. Desde que deixe de ter medo da revolta árabe.

por Teresa de Sousa
‘Público’, 23:II:2011, p. 37

«É a economia, seu palerma...»

Em Nasr City (bairro da cidade do Cairo) vive a classe média. É aí que vivem duas irmãs, jovens médicas. Ganham 40 dólares por mês. O pai delas, médico também, teve que emigrar para sustentar a família.  Dizem que não vão parar de se manifestarem na Praça Taharir até que a democracia se instaure na sua terra. Foi aí que foi morto Khalid Said, 28 anos, prestes a tornar-se um ídolo da revolta.

Hoje, no mesmo canal português de televisão, ouço ainda a indignação de outra mulher egípcia, mussulmana - aparenta 40 anos. Diz: «O que sei é que tenho de lutar pelos meus direitos. O que vai acontecer, não sei. Só Alá sabe o que vai acontecer.»

Ao longo destes longos dias, não oiço nos telejornais nenhum argumento justificativo para a Revolução (egípcia ou vizinha desta) que assente em linguagem teológica ou simplesmente religiosa. Parece que a «questão religiosa», pelo menos por agora e aqui, não existe
Tal como no tempo de Jesus, é a economia, é a economia que oprime, sobretudo a economia política (a política nas suas duas vertentes: religiosa e civil).

Por isso Jesus se preocupou tanto com a falta de comida dos mais pobres que, como Ele, deambulavam de terra em terra. «O pão nosso de cada dia nos dai hoje...». Em primeiro lugar, Jesus preocupou-se com o mínimo de dignidade para se ser ser-humano e isso, para Ele, começava na praça pública (na "polis"), não no Templo: 'A minha casa não deverá ser casa de negócios, mas de oração'.

Fará algum sentido dizermos, com Eduardo Lourenço, «não tenhamos ilusões», que «o islão não se converterá nunca ao nosso modelo democrático»? Leio a crónica de Rui Tavares, hoje, no 'Público' ('A GRANDE JACA', acerca da Indonésia) e a revolta do diplomata indonésio diante desta triste mistura de conceitos: por exemplo, dizermos "na Indonésia vive-se um regime de islão democratizado"! O Ocidente é de facto ridículo diante da realidade oriental, asiática ou arábe. Ao fim de 5 séculos, permanece pequenino, ridículo.

Definitivamente, a questão não é a religião, não é Deus, nem que tipo de Deus. «É a economia, seu palerma». A Economia e a Política. Esta é a questão que, como cristãos, deveria estar, também, no centro das nossas preocupações. O capitalismo mais serôdio já o percebeu há tanto... E como ele o explora!


 pb\

DIEU N'AIME CEUX QUI NE DORME PAS - CHARLES PÉGUY


-1-

Partir,
Marcher droit,
Arriver quelque part.
Arriver où on n’allait pas
plutôt que de ne pas arriver.
Tout plutôt que de tourner en rond.

-2-

Dieu n’aime ceux qui ne dorme pas.
Quelle manque de confidence…


[poemas de Charles Péguy]

 
1.

Partir.
Seguir em frente.
Sem destino.
Ir parar onde nunca imaginaríamos
importa mais do que não chegarmos a lado nenhum.
Muitíssimo mais importante
que ficarmos a andar às voltas.

2.

Deus não gosta daqueles que são incapazes de simplesmente dormir.
Que falta de confiança em Deus…

[poemas de Charles Péguy]

foto de Ana Marques Aguiar: Parque da Cidade do Porto (o Amieiro é sempre o primeiro...)

17 de fevereiro de 2011

O QUE O PROFETA JESUS ANUNCIAVA [PAGOLA]


‘qualquer coisa de novo e cativante’








A paixão pelo reino de Deus

Ninguém põe em causa a informação dada pelas fontes: «Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando a Boa Nova do reino de Deus» [Lucas 8:1]

Sem temor a equívocos, podemos afirmar que a causa a que, daqui em diante, Jesus ia dedicar o seu tempo, as suas forças e a vida inteira era aquilo a que chamava “reino de Deus”. Era, sem sombra de dúvida, o núcleo central da sua pregação, a sua convicção mais profunda, a paixão que animava toda a sua actividade. Tudo o que dizia e fazia estava ao serviço do reino de Deus. (…) O reino de Deus era a chave para se captar o sentido que Jesus dava à sua vida, e para se entender o projecto que queria ver realizado na Galileia, no povo de Israel e, ao fim e ao cabo, em todas as nações

(embora possa parecer estranho a alguém, Jesus só falou do “reino de Deus” e não da “Igreja”; o ‘reino de Deus’ aparece 120 vezes nos evangelhos sinópticos e a ‘Igreja’ só duas vezes – Mateus 16:18; 18:17 -, não sendo obviamente, um termo usado por Jesus)

Jesus, e isto afirmam-no todas as fontes, não ensinava na Galileia uma doutrina religiosa para que os seus ouvintes a aprendessem bem. Anunciava antes um acontecimento que aquela gente devia acolher com júbilo e com fé. Ninguém via nele um mestre que se dedicasse a explicar as tradições religiosas de Israel. Deparavam-se, isso sim, com um profeta apaixonado por uma vida mais digna para todos e que procurava, com todas as suas forças, que Deus fosse acolhido e que o seu reino de justiça e de misericórdia se fosse estendendo com alegria. O seu objectivo não era aperfeiçoar a religião judaica, mas contribuir para que se implementasse o tão desejado reino de Deus e, com ele, a vida, a justiça e a paz.

Jesus também não se dedicava a expor àqueles camponeses novas normas e novas leis morais.
Anunciava-lhes uma notícia: «Deus já está aqui para trazer uma vida mais feliz para todos. É preciso mudar o nosso olhar e o nosso coração». O que ele queria não era proporcionar àqueles pobres um código moral mais perfeito, mas ajudá-los a intuir como era e como agia Deus, e como iria ser o mundo e a vida se todos agissem como ele. Era isso que ele queria comunicar com a sua palavra e com toda a sua vida.

Jesus falava constantemente do “reino de Deus”, mas nunca explicava directamente em que consistia. Mas, aquela gente pressentia de alguma maneira aquilo de que lhes falava, pois conheciam que a sua vinda seria a esperança que alentava o povo. Jesus, porém, surpreendê-los-ia quando lhes explicava como seria a chegada desse reino, para quem iria ele ser uma boa notícia, ou como se havia de acolher a sua força salvadora. O que Jesus anunciava tinha qualquer coisa de novo e de cativante para aquelas gentes. Era o melhor que elas podiam ouvir.

Mas, como pôde Jesus entusiasmá-las falando-lhes do “reino de Deus”? O que é que elas captavam sob a capa dessa metáfora? Por que é que sentiam Deus como uma boa notícia?

JA PAGOLA


PAGOLA SOB SUSPEITA...



«A Congregação para a Doutrina da Fé, originalmente designada 'Sagrada Congregação da Romana e Universal Inquisição', abriu um processo contra o livro "JESÚS. APROXIMACIÓN HISTÓRICA", do teólogo basco José Antonio Pagola, para estabelecer se está conforme com a doutrina da Igreja, apesar da edição da obra, a 9ª, ter sido revista e ter levado o 'nihil obstat' (nada a opor)  e o Imprimatur do ex-bispo de San Sebastián, Juan María Uriarte.»

El Correo, 30 Janeiro de 2011.


«A Congregação para a Doutrina da Fé abre uma causa a José Antonio Pagola pelo seu livro sobre Jesus.»

Religión Digital, 30 Janeiro de 2011.

foto pb\: "Funcionários do Sagrado", Basílica de S. Pedro, Roma 2008

 «JESUS_uma abordagem histórica»
Edição portuguesa por "GRÁFICA DE COIMBRA_2"
26 euros
ISBN 978-972-603-423-0
GC_ Gráfica de Coimbra, Lda
Apartado 3068
3001-453 COIMBRA
Tlf. 239.802.450 * Fax 239.802.459

16 de fevereiro de 2011

OS CRISTÃOS SÃO CHAMADOS A QUÊ? [PAGOLA]


«Jesus chamou doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos malignos e de curar todas as enfermidades e doenças.» [Mateus]


Muitos cristãos pensam estar a viver a fé com responsabilidade porque se preocupam com determinadas práticas religiosas e procuram ajustar o seu comportamento a algumas leis morais e algumas normas eclesiásticas.

De igual modo, muitas comunidades cristãs pensam estar a cumprir fielmente a sua missão porque se esforçam por oferecer serviços de catequese e de educação da fé, e se esforçam por celebrar com dignidade o culto cristão.

É isto o que Jesus queria pôr em marcha quando enviou os seus discípulos pelo mundo? É esta a vida que queria infundir no coração da história?

Temos necessidade de ouvir de novo as palavras de Jesus para redescobrir a verdadeira missão dos crentes no meio desta sociedade. Mateus recolhe, desta forma, o seu mandato: «Ide e proclamai que o Reino do Céu está perto. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça».

A nossa primeira tarefa, também hoje, é proclamar que Deus está perto de nós, empenhado em salvar a felicidade da humanidade. Mas este anúncio de Deus salvador não se faz só através de discursos e de palavras sugestivas. Não se assegura só com catequese e aulas de religião. Jesus recorda-nos a maneira de proclamar Deus: trabalhar gratuitamente para infundir nos homens uma vida nova.

«Curar enfermos», isto é, libertar as pessoas de tudo o que lhes rouba vida e faz sofrer. Curar a alma e o corpo dos que se sentem destruídos pela dor e angustiados pela dureza desapiedada da vida diária.

«Ressuscitar os mortos», isto é, libertar as pessoas de tudo o que bloqueia as suas vidas e mata a sua esperança. Despertar de novo o amor à vida, à confiança em Deus, à vontade de luta e desejo de liberdade em tantos homens e mulheres em que a vida vai morrendo pouco a pouco.

«Limpar leprosos», isto é, limpar esta sociedade de tanta mentira, hipocrisia e convencionalismo. Ajudar as pessoas a viver com mais verdade, simplicidade e honradez.

«Expulsar demónios», isto é, libertar as pessoas de tantos ídolos que nos escravizam, nos possuem e pervertem a nossa convivência.



Onde se está a libertar as pessoas aí se está a anunciar Deus.

José Antonio Pagola

[Fotos: manifestação de iranianos no exílio, na cidade de Berlim, contra o regime ditatorial iraniano de Mahmoud Ahmadinejad e contra a pena de morte por apedrejamento, Outubro 2010]




15 de fevereiro de 2011

A GERAÇÃO BABY-BOOM: QUE ALTERNATIVA? [TONY JUDT]


40 anos
[1971-2011]

Tony Judt

Quando comecei a dar aulas na universidade, em 1971, os estudantes falavam obsessivamente de socialismo, revolução, conflito de classe e coisas do género – geralmente com referência ao que então se chamava ‘terceiro mundo’: mais perto de casa, essas questões pareciam essencialmente resolvidas.

Durante as duas décadas seguintes, a conversa refugiou-se em preocupações mais auto-referenciais: feminismo, direitos dos homossexuais e política de identidade. Entre os politicamente mais sofisticados surgiu o interesse pelos direitos humanos e a linguagem ressuscitada da ‘sociedade civil’.

Por um breve momento em 1989, os jovens das universidades ocidentais foram atraídos pelos esforços de libertação não só na Europa de Leste e da China, como também na América Latina e na África do Sul: a liberdade – da escravatura, coerção, repressão e atrocidade – era o grande tema do dia.

Então vieram os anos 90: a primeira de duas décadas perdidas, durante as quais as fantasias de prosperidade e progresso pessoal sem limites substituíram todas as conversas sobre libertação política, justiça social ou acção colectiva. No mundo anglófono, o amoralismo egoísta de Thatcher e Reagan – “Enrichissez-vous![1], nas palavras do estadista francês Guizou, no século XIX – abriram o caminho às frases ocas dos políticos do baby boom. Com Clinton e Blair, o mundo atlântico estagnou, presunçoso.

Até ao final dos anos 80, era muito invulgar encontrar estudantes promissores que manifestassem interesse em frequentar uma faculdade de gestão. Na realidade, as próprias faculdades de gestão eram pouquíssimo conhecidas fora da América do Norte.

Hoje, a aspiração – e a instituição – são uma banalidade. E nas salas de aulas, o entusiasmo de uma geração anterior pela política radical deu lugar à mistificação desorientada.

Em 1971, quase toda a gente era, de algum modo, ‘marxista’ ou queria passar por tal. Em 2000, poucos estudantes tinham alguma ideia sequer do que isso significava, e muito menos da razão de ter sido tão apelativo.

Por isso seria agradável concluir com o pensamento de que estamos à beira de uma nova época, e que as décadas egoístas ficaram para trás.

Mas será que os meus alunos dos anos 90, e depois, eram de facto egoístas?

Com toda a gente a garantir-lhes que a mudança radical era coisa do passado, não viam à sua volta nenhum exemplo a seguir, nenhum argumento apelativo, e nenhum propósito a que se dedicar.

Se o objectivo na vida de toda a gente que vemos é ter sucesso nos negócios, então essa será a meta automática de todos os jovens, salvo os mais independentes. Como sabemos por Tolstoi, “não há condições de vida a que um homem não se possa acostumar, especialmente se as vir aceites por todos os que o rodeiam”.

Ao escrever este livro, espero ter proporcionado alguma orientação àqueles – especialmente os jovens – que tentam exprimir as suas objecções ao nosso modo de vida. Contudo, isso não é suficiente.

Como cidadãos de uma sociedade livre, temos o dever de olhar o mundo criticamente. Mas se julgamos saber o que está errado, devemos agir de acordo com esse saber. Há uma observação famosa de que até aqui os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; a questão é mudá-lo[2].

[TONY JUDT (1948-2010) «Um Tratado sobre os Nossos Actuais Descontentamentos», (219 páginas; 16 Euros) Edições 70, 2010, p.218-219, ISBN 978-972-44-1632-8]
 
Foto: Mao (1973), de Andy Warhol, in Hamburger Bahnhof (museu instalado em 1847 na antiga estação de caminho de ferro de Hamburgo)




(da Introdução)

«A qualidade materialista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à condição humana. Muito do que hoje parece ‘natural’ remonta aos anos 80: a obsessão pela criação de riqueza, o culto da privatização e do sector privado, as crescentes disparidades entre ricos e pobres. E sobretudo a retórica que vem junto: admiração acrítica dos mercados sem entraves, desdém pelo sector público, a ilusão do crescimento ilimitado.

«Não podemos continuar a viver assim.
«O pequeno crash de 2008 foi um aviso de que o capitalismo não-regulado é o pior inimigo de si mesmo: mais cedo ou mais tarde há-de ser vítima dos seus próprios excessos e para salvar-se recorrerá novamente ao Estado.

«Mas se nos limitarmos a apanhar os bocados e continuar como dantes, podemos esperar convulsões maiores nos próximos anos.

«E, porém, parecemos incapazes de conceber alternativas. Também isso é novo.»

Tony Judt

________________________

ÍNDICE

1.  Um Guia Para os Perplexos
2.  A Vida Que Agora Temos
3.  O Mundo Que Perdemos
4.  A Insustentável Leveza da Política
5.  Adeus a Tudo Isso?
6.  Que Fazer?
7.  A Forma do que se Avizinha
8.  O Que Vive e o Que Está Morto na Social-Democracia?


[1] “Enriquecei-vos!”
[2] Refere-se a Karl Marx.

O QUE É ORAR? COMO É REZAR?

A PERIGOSA EFICÁCIA DE CERTA ORAÇÃO



«LUGAR SAGRADO»
Para pensar e rezar esta semana
[13 a 19 Fevereiro 2011]

"A tua luz brilhará na escuridão" (Isaías 58, 10). A minha vida será uma luz? A minha vida, a minha pessoa, quem eu sou? Como é que isso pode ser? Às vezes olho à minha volta e vejo alguém cuja vida é uma luz. Pode ser alguém que conheci, talvez um avô ou uma avó, que irradiava luz. Nelson Mandela foi uma luz, tal como Gandhi. E o filme "Dos Homens e dos Deuses" mostra um grupo de monges cistercenses que optam por ficar no meio das pessoas pobres da Argélia, apesar das ameaças de morte. Tomam a decisão em conjunto, com os seus corações em consolação. É o que querem fazer e, em consequência, ofereceram as suas vidas. E eu, nas minhas modestas circunstâncias? "Se retirares da tua vida toda a opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo, se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na tua escuridão, e as tuas trevas tornar-se-ão como o meio-dia" (Isaías 58, 9-10). A minha vida secreta, com o meu esforço contínuo de ser justo(a) e recto(a), para ultrapassar o fracasso e viver com humanidade e fé, acabará por ser uma luz. Felizmente não a verei pessoalmente; mas a luz brilhará. E as palavras de Jesus serão a minha garantia e a minha força: "Vós sois a luz do mundo" (Mateus 5, 14). [do site de: LUGAR SAGRADO]


Cada vez mais, somos assediados por propostas de espiritualidade individualista, centradas no ego, psicologistas, baseadas na falsa ‘Fábula das Abelhas’ de Mendeville: «tudo o que de bem te ocorrer a ti, por arrasto, ocorrerá inevitavelmente também a todos os outros.»
Contem o número de vezes em que, neste texto, entra (velada ou abertamente) a palavra/referência MEU-EU… Duas mãos cheias em tão curto texto!!!

Há dois dias, ouvia eu uma perita em psicologia dissertar sobre as potencialidades do ‘espelho’ como terapia para egos auto-centrados e «aborridos» consigo próprios. Ora, o Mito de Narciso prova à saciedade que os espelhos só nos levam ao ‘sui’-cídio… Dos espelhos não podemos esperar mais: afinal de contas, são APENAS espelhos, fracas réplicas de nós mesmos.

Na «Sala de Cima» os espelhos pretendem cumprir duplas funções: de Espelho e de Janela. Curiosamente, a Bíblia também: «a Bíblia é Janela e Espelho», diz Carlos Mesters. Tudo o que ela nos dá a ver é: «nós», rasteirados pela realidade que nos contém e ultrapassa! A Bíblia, ao alargar e inverter horizontes, devolve-nos as nossas questões a nós mesmos e nós a nós mesmos, não já como ‘egos-resolvidos-pacificados’ mas como ‘alter-egos-desafiados’. Na verdade, ao contrário do que dizem certos auto-colantes, «Deus não é a resposta», Deus não aponta caminho nenhum. Como diz Anselmo Borges, a essência de Deus é fazer perguntas e colocar questões. A perícia de Deus é «dispersar como folhas em redemoinho», «confundir» [Salmo 83(82):14.18] Como também é mentira dizer-se: ‘enquanto não estiveres em paz contigo mesmo, não poderás espalhar paz à tua volta…’ – como se a PAZ fosse um cristal, um objecto, uma substância anti-congelante… que adquirimos no mercado da solidão fora de nós, independentemente do grau ou género das nossas relações humanas. -Primeiro, ‘pacifica-te’, depois, ‘pacifica’? MENTIRA… MENTIRA… MENTIRA… Pura mentira!

Então, a pergunta deixa de ser «quem eu sou?» para passar a ser «por onde ando?», «com quem ando?». A pergunta verdadeira, em essência, tem de ser reveladora de inter-dependência. Só isso é VERDADE… VERDADE… VERDADE… a mais PURA VERDADE!

Aliás, a Bíblia nunca pergunta «como estás?», mas sempre «onde estás?». A Bíblia nunca faz a pergunta burguesa por excelência (aquela que mais mentiras suscita…): -«tudo bem contigo?». A Bíblia, pelo contrário, pergunta insistentemente: «que fizeste?» «desejas verdadeiramente vir por aqui e ver como é?» «como lês a realidade?», etc. etc.

O sítio que cito [«LUGAR SAGRADO»] faz, a respeito do filme «DOS HOMENS E DOS DEUSES», o seguinte comentário: (os monges cistercenses) «Tomam a decisão em conjunto, com os seus corações em consolação. É o que querem fazer e, em consequência, ofereceram as suas vidas». Tendencioso que é, o comentário (acreditando que está correctamente traduzido para a nossa língua) dá a entender que os monges estavam inundados de luz, pelo que as suas decisões foram serenas e em colectiva sintonia, tudo terminando num tom paradisíaco sem tensões angustiantes. É verdade que, na hora de ‘dizer’, TODOS ergueram a mão em sinal de assentimento, mas também é verdade que, na hora de ‘fazer’, ALGUNS deram o dito pelo não dito. Porém, dos dois monges que «se safaram» da degola, um fora, desde o início, ‘radical’ na sua determinação em lutar e ficar, sendo, no seu tom e faciaes quase fundamentalistas, único; o outro, o ancião, desde o início, e em chave sapiencial, apelava a que se progredisse sempre mais e mais na maturação da questão. Digamos que, desde o início, o primeiro «procurava o martírio»; e o segundo, preferia, antes, deixar o futuro (todos os futuros) sempre em aberto… (o que nos pode levar a interessantíssimas conjecturas acerca destes dois ‘futuros possíveis’ para todo o pós-desastre em nossas vidas também) Esta forma de ‘fechar’ o filme é muito mais polissémica que a leitura que ‘Lugar Sagrado’ sugere dela.

A bem dizer, o filme aproxima-nos muito mais da tensão, angústia e realismo que sempre rodeou a Oração em Jesus [mesmo no relato da Transfiguração é rejeitada qualquer edulcoração…]. Pouco antes de Jesus ser entregue a julgamento e à consequente morte, Mateus 26:36ss refere que Jesus tinha a alma «numa tristeza de morte»; não só Mateus, mas Marcos 14:32 e Lucas 22:39 referem que Jesus, por mais de uma vez, regressou de orar e encontrou os discípulos a dormir, completamente alheados da tensão da Hora, num doloroso distanciamento trágico entre Mestre e discípulos. Não há, nos evangelhos, equivalente algum aos pingos de epicurismo e estoicismo finais os quais parecem perpassar o texto de ‘Lugar Sagrado’ em matéria de tomadas de decisões. E porquê?

A Bíblia leva-nos a rezar de um modo outro (que não o dos Jesuítas do «LUGAR SAGRADO») e a colocar, durante a Oração, as questões verdadeiras e inteiras: «POR QUE VEREDAS ME METO?» [Lucas 10:29] «EM QUE SE CANSAM MEUS OLHOS?» [Actos 8:30b; Lucas 10:26, respectivamente], questões de antropologia e não questões de psicologia, pois «onde está a tua preocupação aí se encontra o teu tesouro» … [Mateus 6:21]

A Oração, biblicamente fundada, é uma espécie de errância questionadora, tensão aguda, inquirição incomodativa. Tudo menos ‘consolo’, sofá, pantufas, «guitarradas», psicologia-do-espelho, «ciência-psi» da auto-estima… Basta ler os Salmos com olhos de ler. [Salmo 83(82):2.16-18]

A Oração, biblicamente fundada, é o grito violento em busca da Última Justiça! [aquela que vai de Mt 26:51.52: ‘mete a tua espada na bainha’ até à de Mc 10:21: ‘vende tudo o que tens e desfaz-te de todo o produto da venda’…] Não conheço maior violência que esta.

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