teologia para leigos

29 de setembro de 2011

HIERARQUIA RELIGIOSA PARA QUÊ?

«Eis o herdeiro! Matemo-lo!»
[Mt 21:38]


Jesus ao chegar à Sua Vinha... é apanhado na trama e capturado!



Não há dúvida que, com a chegada a Jerusalém (Mateus 21ss), Jesus manifesta-se um outro Jesus – a violência das palavras exprimem a turbulência espiritual interior. O cenário pinta-se de cores terríveis! Tudo aquilo que, até então, poderia ter sido suspeita, medo, desconfiança, imprevisibilidade, indagação, hesitação, explode em tensão decidida, em parábolas, gestos e ataques cheios de determinação e intencionalidade.

A chegada a Jerusalém é a chegada do definitivo, a prova dos nove.

Ao entrar nas cercanias do grande templo, Jesus pisa um território bem demarcado, vigiadíssimo, o resíduo (ainda por cima grandioso!) duma dificílima aventura espiritual que fora a do Povo Eleito de Israel. Lembremo-nos que, da tríade identitária de Israel (um rei, uma terra, um templo), sobrava apenas o Templo, e, ainda por cima, ameaçado por um ocupante estrangeiro, opressor. A situação era semelhante a de um pai de família que, depois de ver morrer o filho, a seguir a esposa e depois de ter perdido boa parte dos seus bens materiais, se vê, agora, em vias de ver penhorada a própria casa onde habita com os restantes filhos menores. Reconheçamos que a situação dos altos dirigentes religiosos, em Jerusalém, não era fácil! Era uma questão de vida ou de morte, havia que saber sobreviver.

Ao chegar a Jerusalém, Jesus vem pôr à prova «o resto» de fé daquele povo desnorteado. Diante da muito frágil situação política de Israel, Jesus parece-se com um anarquista radical, impetuoso, coração de pedra: «34Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. 35Porque vim separar o filho do seu pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra; 36de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares. 37Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem amar o filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim. 38Quem não tomar a sua cruz para me seguir, não é digno de mim. 39Aquele que conservar a vida para si, há-de perdê-la; aquele que perder a sua vida por causa de mim, há-de salvá-la.» [Mateus 10:34-39]





Não é fácil, sobretudo para quem, ao longo de gerações e gerações, foi paulatinamente erguendo os pilares duma nova relação com Deus, ainda por cima, com «um Deus diferente» dos outros deuses («santo»=diferente): «Porque Eu sou o Senhor, vosso Deus, deveis santificar-vos e permanecer santos, porque Eu sou santo.» [Lev 11:44] Convenhamos que não é fácil!

A situação é a seguinte: no tempo de Jesus, a vida do povo judeu era a do bago de azeitona entre duas pedras de moer! Por cima, a esmagadora carga de impostos (quer para Roma, quer para o tesouro do Templo de Jerusalém – hoje diríamos: IVA/IRS/IRC + ‘esmolas & peditórios para as obras da igreja’…); por baixo, a quase impossibilidade de poder cumprir com as centenas de prescrições cultuais do rito religioso! Ainda por cima, vivia psicologicamente esmagado pela «lavagem ao cérebro» que os fariseus, os doutores da Lei e os sacerdotes lhes fazia: era inevitável que assim fosse, se é que queria sobreviver como Povo Eleito! Tinha perdido a terra e o rei - só lhes faltava perder o lugar de ‘encontro com Yahvé’, de culto, o Templo! «Não há alternativa!!! Devemos negociar com o Governador Romano Pilatos.» (um similar, hoje: ‘não há alternativa ao memorandum da Troika…’) Ao fim de séculos de instabilidade, de deambulações e opressões várias, o seu futuro não podia, agora, estar mais fechado…





O problema é que a palavra «santidade», para Jesus, não queria dizer o mesmo que queria dizer para a hierarquia religiosa judaica. A aristocracia religiosa judaica havia-se apoderado de Deus. Os Sacerdotes, os Sumo-sacerdotes, os Teólogos e o Tribunal Religioso israelia (sinédrio) capturaram a Palavra de Deus. Deus estava cativo do poder terreno e da negociação política e diplomática. Os homens haviam construído uma casa para Deus contra as advertências da Sua vontade [2 Sam 7:5 vs 2 Sam 7:11b]. Com uma visão estreita e medrosa, enjaularam-n’O… Jesus chega a Jerusalém para libertar Deus! Para Jesus, o «sonho de Deus-Pai» era, portanto, anti-religioso, anti-cultual, anti-templo, anti-salomónico na forma como ele se apresentava a seu tempo! A teologia de Jesus «partia» da «igualdade, do direito e da justiça divinas» [Sl 99:4] – uma teologia profética. É por isso que a entrada de Jesus no Templo é um «alvoroço» [Mt 21:10] – a multidão apercebera-se disso, gritando: «é Jesus, o Profeta de Nazaré da Galileia!» [Mt 21:11]




Ora, Jerusalém era «a joia da coroa»! (Leiam, PF, 2 Sam 6:12-17 e todo o cap. 7. Depois, 1Rs 6.7.8:1-21). Mas, Jerusalém era uma faca de dois gumes, a materialização da pervesão humana: replicando a cena do Éden (Gn 3:4), Jerusalém plasma a irresistível tentação de todo o ser humano em querer ser Deus! Em querer ser dono de Deus!  O Evangelho deste Domingo corre a precipitar-se para o incrívelmente longo discurso acusatório contra os Doutores da Lei e os Fariseus (hoje diríamos, contra os Casuídicos da Teologia, os escrupulosos, a Opus Dei, os Arautos do Evangelho…).

A Parábola dos vinhateiros homicidas [Mt 21:33] é dirigida contra a Hierarquia religiosa, porque se havia «instalado na cátedra de Moisés» [Mt 23:2], por ter «trancado as portas que dão acesso ao Reino de Deus» [Mt 23:13]: «nem entram, nem deixam entrar aos que o querem fazer», diz Jesus. A igreja do tempo de Jesus agarrava-se como podia ao seu «último reduto» - ao Templo! Amuralhara-se no seu vaticano, entrincheirara-se, abastecera-se de armas e discursos como canhões, cavara um fosse de sacralidade  e mistério divinatório ao seu redor, contratara «polícia de choque», desconfiada controlava todos os movimentos no «pátio dos gentios», aferrava-se em dogmas e proibições, contabilizava a justeza da prática ritual, «inquisitorializara-se», passava a vida a julgar e a apontar o dedo aos de fora, puchava as orelhas [Mc 2:18], era perita em distinguir os bons dos menos bons (mesmo contra a vontade de Deus; Mt 22:10).

Quando Jesus se acerca do Templo, o relato informa-nos que, logo de imediato, precisamente aqueles que estavam proibidos de se encontrar com Yahvé (rezar no Templo e aí entrar), se escapuliram e entraram: «aproximaram-se d’Ele cegos e coxos» [Mt 21:14].





A santidade e a justiça de Deus é, antes de tudo, a libertação da humanidade, um cair de algemas!
A santidade e a justiça de Deus não é uma doutrina ou uma ética, mas «o fim da ética»! (JIG Faus)
A santidade e a justiça de Deus é a libertação integral da Humanidade!

E isso passa por «destruir o templo e descer o morro» e privilegiar os entroncamentos da vida (novas formas de fazer Comunidade).
E isso passa por nos interrogarmos acerca do modo como é exercida a autoridade pela hierarquia da Igreja (novo modelo do exercício dos ministérios).
E isso passa por analisarmos o estado actual da vida da Igreja (fala a fala do mundo ou fala-para-dentro?).
E isso passa por ‘tirar a temperatura’ àquilo que Jesus dizia ser essencial: o serviço ao Mundo! «Aproximaram-se de Jesus, dentro do Templo, cegos e coxos e Ele curou-os!» [Mt 21:14] (prioridade à Partilha Total, a única que liberta e cura)
E isso passa por colocar no centro das nossas reuniões - catecumenados, grupos de bíblia, espaços de oração, liturgias eucarísticas, grupos paroquiais vários, etc. - o drama do mundo actual! (prioridade às questões sociais e políticas sobre o «obreirismo», o espiritualismo e o escrúpulo dos ‘puristas’)
E isso passa por todos (padres, bispos, leigos) nos comprometermos, no coração do mundo, com gestos livres e desempoeirados: inclusivamente, em manifestações de rua políticas, reivindicativas ou de protesto! Por que não, se Jesus o fez e foi um «alvoroço»? (gestos indiscutíveis, «gestos novos para tempos novos» - papa João XXIII)

A chegada a Jerusalém é a chegada do definitivo, a prova dos nove.

A Comunidade cristã, que «escreveu» e «leu» este Evangelho (provavelmente, em Antioquia entre o anos 80 e 90), vivia uma tensão muito dura com aqueles que, imbuídos ainda de espírito farisaico, queriam «tomar conta do PREC cristão em curso». Para ela, Jesus, este «Jesus-à-mateus», revela-se um «Jesus para os de fora», para os pagãos (hoje diríamos, um «Jesus para descrentes curiosos», para homens de boa vontade). A ser assim, pergunta-se:





 Que andamos, todos, a fazer da e a deixar fazer a nossa Hierarquia religiosa?


Representação do poder sacro (excludente) ou uma voz profética aberta ao serviço do mundo, sobretudo dos marginalizados pelo sistema?

Uma voz condenatória, que gosta de apontar o dedo a todos ou uma voz acolhedora, que diz:

«Aí está o vosso Deus!(…)  Olhai, vem com o preço da sua vitória, e com a recompensa antecipada. É como um pastor que apascenta o rebanho, reúne-o com o cajado na mão, leva os cordeiros ao colo, e faz repousar as ovelhas que têm crias.» [Is 40:11ss]

Uma voz tíbia e ‘comprometida’ diante dos poderosos ou uma voz profética que denuncia:

«Levantar-me-ei contra os babilónios - oráculo do Senhor do universo - e suprimirei o nome da Babilónia, a sua posteridade e a sua descendência - oráculo do Senhor. Reduzi-la-ei a um ninho de ouriços e a um pântano, e varrê-la-ei com a vassoura da destruição - oráculo do Senhor do universo.» [Is 14:22ss]

Queremos que ela se apodere da Palavra de Deus, «mate o herdeiro» ou que liberte Deus e dê todo o fruto que deve dar?

A Parábola dos vinhateiros homicidas [Mt 21:33] é dirigida contra a Hierarquia religiosa, porque lamentavelmente se havia «instalado na cátedra de Moisés» [Mt 23:2], por ter usurpado e «trancado as portas que dão acesso ao Reino de Deus» [Mt 23:13]: «nem entram, nem deixam entrar aos que o querem fazer». A igreja do tempo de Jesus agarrava-se como podia ao seu «último reduto» - ao Templo, às cerimónias, ao incenso, aos holocaustos, à liturgia divorciada do sofrimento humano! Amuralhara-se no seu vaticano, entrincheirara-se na dogmática, abastecera-se de armas e discursos como canhões, cavara um fosse de sacralidade  e mistério divinatório ao seu redor, contratara «polícia de choque», aliara-se ao poder romano, desconfiada controlava todos os movimentos no «pátio dos gentios», aferrava-se em dogmas e proibições, contabilizava a justeza da prática ritual, «inquisitorializara-se», passava a vida a julgar e a apontar o dedo aos de fora, puxava as orelhas [Mc 2:18]; tornara-se, mesmo contra a vontade de Deus, perita em distinguir os bons dos menos bons [Mt 22:10]. Não admitia ser posta em causa, não negociava com e repulsava os irmãos distantes (samaritanos), perdera o espírito universalista e de misericórdia que outrora a fizera grande: «Os vossos olhos o hão-de ver e havereis de dizer: ‘O Senhor é grande, mesmo para além do território de Israel!’» [Malaquias 1:5]. Entrincheirara-se em si mesma! Deixara de depositar toda a sua confiança nos braços de Yahvé! Não dispensara o apoio dos poderosos, mas expulsara «os órfãos e as viúvas» das suas entranhas…






Era assim a hierarquia do tempo de Jesus: assassina do herdeiro!
E a nossa? Só agora – na resposta que dermos a esta pergunta – é que, verdadeiramente, começa a ser lido e escutado o Evangelho desta semana.

Cuidado com Jesus: não vá a Hierarquia cair em cima d’Ele («a pedra de tropeço») e… ficar despedaçada.

pb\

27 de setembro de 2011

SEJA COMO FOR, O PIB CAIRÁ 30%...

Ficar ou sair?

Nouriel Roubini



«(…) o PIB real denominado em euros diminuirá progressivamente num total de 30%, quer a Grécia saia ou não da Zona Euro. Dado que a divisa está sobreavaliada em termos reais em pelo menos 30% (o aumento do custo unitário do trabalho foi aumentando durante a última década na medida em que os salários subiram mais que a produtividade), os apoiantes da dor e da austeridade para a Grécia estão plenamente de acordo que tal depreciação real é necessária para restaurar a competitividade, embora achem que tal depreciação real deve acontecer via “desvalorização interna” – isto é, uma quebra acumulada de 30% nos salários e preços no decurso de alguns anos – em vez de ocorrer através da depreciação nominal de uma nova divisa.

«(…) a questão é saber se tal resultado deve ser alcançado ao longo de cinco ou dez anos através de uma recessão cada vez mais profunda e uma depressão desencadeada por uma enorme deflação, ou se deve ser alcançada através de uma rápida saída do euro.

«Esta segunda opção – a saída – tem a vantagem de o crescimento económico ser retomado de imediato. A primeira – deflação depressiva – conduzirá a mais cinco a dez anos de recessão social e politicamente desestabilizadora.

«Portanto, dado que o resultado que se pretende – menor PIB medido em paridade de poder de compra – é o mesmo, uma trajectória que restaura o crescimento e cria emprego e rendimento no curto prazo é largamente preferível a uma década de depressão que pode gerar enorme instabilidade social e política.»


«Greece Should Default and Abandon the Euro»
By Nouriel Roubini, 16:IX:2011 in ECONOMIC RESEARCH



UM JURISTA AUSTRÍACO TELEFONA DA GRÉCIA...


Grécia
Um verdadeiro “genocídio financeiro”




 [Então os gregos “recusam-se a economizar”? Um jurista de Viena, que tem um apartamento em Atenas, observou-os diariamente. A sua conclusão: economizam ao máximo. ]



imolação em Tessalónica...


Não podemos deixar de responder às diversas declarações dos mais altos responsáveis de toda a Europa, algumas delas roçando a imbecilidade, sobre estes “preguiçosos” gregos que “se recusam a economizar”.

Há 16 meses que tenho casa em Atenas e vivi in loco esta situação dramática. Ouvem-se queixas de que os planos económicos não vão funcionar, porque as receitas fiscais caíram. Põe-se em causa a vontade dos gregos economizarem. Que surpresa! Vejamos alguns factos:

- Redução de salários e de pensões até 30%.

- Redução do salário mínimo para 600 euros.

- Dramática subida de preços (combustível doméstico + 100%; gasolina + 100%, eletricidade, aquecimento, gás, transportes públicos + 50%) ao longo dos últimos 15 meses.

Resgate da UE de 97% volta para a EU


- Um  terço das 165 mil empresas comerciais a fecharem as portas, um terço sem conseguir pagar os salários. Por toda a cidade de Atenas pode ver-se os painéis amarelos com a palavra  “Enoikiazetai” a letras vermelhas – “Aluga-se”.

- Nesta atmosfera de miséria, o consumo (a economia grega foi sempre muito centrada no consumo) diminuiu de maneira catastrófica. Os casais com dois salários (onde o rendimento familiar representava até então 4000 euros), de repente, têm apenas duas vezes 400 euros de subsídio de desemprego, que começa a ser pago com meses de atraso.

- Os funcionários públicos e de empresas próximas do Estado, como a Olympic Airlines ou os hospitais, há meses que não recebem ordenados e os pagamentos a que têm direito foram adiados para outubro ou para o “próximo ano”. O recorde pertence ao Ministério da Cultura. Há 22 meses que os funcionários que trabalham na Acrópole não são pagos. Quando ocuparam a Acrópole para se manifestarem (pacificamente!) receberam rapidamente o troco, em gás lacrimogéneo

- Toda a gente está de acordo quando se diz que 97% dos milhares de milhões das tranches de resgate da UE voltam diretamente para a UE, através dos bancos, para amortizar a dívida e pagar novos juros. Assim, o problema é discretamente atirado para cima dos contribuintes europeus. Até ao crash, os bancos recebiam copiosos juros e as reivindicações estão a cargo dos contribuintes. Por isso não há (ainda?) dinheiro para as reformas estruturais.

- Milhares e milhares de empresários em nome individual, motoristas de táxi e de camiões, tiveram de desembolsar milhares de euros para pagarem as suas licenças e, para isso, contraíram empréstimos, mas hoje vêem-se confrontados com uma liberalização que faz com que os recém-chegados ao mercado não tenham de pagar quase nada, enquanto quem já lá está há mais tempo está onerado com enormes créditos, que tem de pagar.

- Inventam-se novos encargos. Assim, para apresentar uma queixa na polícia é preciso pagar logo 150 euros. A vítima tem de abrir a carteira se quer que a sua queixa seja aceite. Ao mesmo tempo, os polícias são obrigados a cotizarem-se para abastecerem os seus carros-patrulha. 

- Foi criado um novo imposto sobre a propriedade associado à conta da eletricidade. Se não for pago, a luz de casa é cortada. 


Onde está o dinheiro das últimas décadas? 


- Há meses que a escolas públicas deixaram de receber materiais escolares. O Estado deve milhões às editoras e as entregas deixaram de ser feitas. Gora, os estudantes recebem CDs e os pais têm de comprar computadores para que os filhos possam estudar. Não se sabe como é que as escolas – sobretudo as do Norte – vão pagar as despesas de aquecimento.

- Até ao fim do ano todas as universidades estão paralisadas. Um grande número de alunos não pode entregar trabalhos nem fazer exames.

- O país prepara-se para uma enorme onda de emigração e estão a aparecer gabinetes de aconselhamento sobre este assunto. Os jovens não vêem futuro na Grécia. A taxa de desemprego entre os jovens licenciados é de 40% e de 30% entre os jovens em geral. Os que têm emprego trabalham a troco de um salário de miséria e, em parte, de forma ilegal (sem segurança social): 35 euros por 10 horas de trabalho diário na restauração.

As horas extraordinárias acumulam-se sem serem pagas. Resultado: não sobra nada para investimentos de futuro como a educação. O governo grego não recebe nem mais um cêntimo em impostos.

- As reduções maciças de efectivos na função pública são feitas de maneira antissocial. Foram despedidas, essencialmente, pessoas que estavam a alguns meses da idade da reforma, para lhes ser pago apenas 60% do total da pensão a que teriam direito.

Toda a gente faz a mesma pergunta: onde está o dinheiro das últimas décadas? É evidente que não está no bolso dos cidadãos.

Os gregos não têm nada contra a poupança, simplesmente, não aguentam mais. Quem consegue ter emprego mata-se a trabalhar (acumula dois, três, quatro empregos).

Todas as conquistas sociais das últimas décadas em matéria de proteção dos trabalhadores se desfizeram em pó. Agora, a exploração tem rédea solta; nas pequenas empresas é, geralmente, uma questão de sobrevivência. Quando se sabe que os responsáveis gregos jantaram com os representantes da troika [Comissão Europeia, BCE e FMI] por 300 euros por pessoa, não podemos deixar de perguntar quando é que a situação acabará por explodir. 

A situação da Grécia deveria alertar a velha Europa. Nenhum partido que propusesse uma razoável ortodoxia orçamental estaria em condições de aplicar o seu programa: nunca seria eleito. É preciso atacar a dívida enquanto está ainda relativamente sob controlo e enquanto não se assemelha a um genocídio financeiro.


Günter Tews [jurista austríaco]


Viena (Áustria), 22 Set 2011

O MUNDO ESTÁ NAS MÃOS DOS BANCOS


737 donos do mundo
controlam 80%
do valor das empresas mundiais


Wall Street [foto de Michael Aston/Flickr]

[Um estudo de economistas e estatísticos, publicado na Suíça neste Verão, dá a conhecer as interligações entre as multinacionais mundiais. E revela que um pequeno grupo de actores económicos – sociedades financeiras ou grupos industriais – domina a grande maioria do capital de dezenas de milhares de empresas no mundo. Por Ivan du Roy | 26 Setembro, 2011]


O seu estudo, na fronteira da economia, da finança, das matemáticas e da estatística, é arrepiante.

Três jovens investigadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique1 examinaram as interacções financeiras entre multinacionais do mundo inteiro. O seu trabalho - “The network of global corporate control” (“a rede de controlo global das transnacionais”) - examina um painel de 43.000 empresas transnacionais (“transnacional corporations”) seleccionadas na lista da OCDE. Eles dão a conhecer as interligações financeiras complexas entre estas “entidades” económicas: parte do capital detido, inclusive nas filiais ou nas holdings, participação cruzada, participação indirecta no capital...

Resultado: 80% do valor do conjunto das 43.000 multinacionais estudadas é controlado por 737 “entidades”: bancos, companhias de seguros ou grandes grupos industriais. O monopólio da posse capital não fica por aí. “Por uma rede complexa de participações”, 147 multinacionais, controlando-se entre si, possuem 40% do valor económico e financeiro de todas as multinacionais do mundo inteiro.


Uma super entidade de 50 grandes detentores de capitais


Por fim, neste grupo de 147 multinacionais, 50 grandes detentores de capital formam o que os autores chamam uma “super entidade”. Nela encontram-se principalmente bancos: o britânico Barclays à cabeça, assim como as “stars” de Wall Street (JP Morgan, Merrill Lynch, Goldman Sachs, Morgan Stanley...). Mas também seguradoras e grupos bancários franceses: Axa, Natixis, Société générale, o grupo Banque populaire-Caisse d'épargne ou BNP-Paribas. Os principais clientes dos hedge funds e outras carteiras de investimentos geridos por estas instituições são por conseguinte, mecanicamente, os donos do mundo.

Esta concentração levanta questões sérias. Para os autores, “uma rede financeira densamente ligada torna-se muito sensível ao risco sistémico”. Alguns recuam perante esta “super entidade”, e é o mundo que treme, como o provou a crise do subprime. Por outro lado, os autores levantam o problema das graves consequências que põe uma tal concentração. Que um punhado de fundos de investimento e de detentores de capital, situados no coração destas interligações, decidam, por via das assembleias gerais de accionistas ou pela sua presença nos conselhos de administração, impor reestruturações nas empresas que eles controlam... e os efeitos poderão ser devastadores. Por fim, que influência poderão exercer sobre os Estados e as políticas públicas se adoptarem uma estratégia comum? A resposta encontra-se provavelmente nos actuais planos de austeridade.

Artigo de Ivan du Roy, publicado em Basta!, traduzido por Carlos Santos para esquerda.net
O estudo em inglês pode ser descarregado aqui


1 O italiano Stefano Battiston, que passou pelo laboratório de física estatística da École normale supérieure, o suíço James B. Glattfelder, especialista em redes complexas, e a economista italiana Stefania Vitali.

A ARMADILHA DO ENDIVIDAMENTO GREGO - COMO FOI MONTADA

A Grécia no centro da tormenta


Eric Toussaint


[O fundador do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, Eric Toussaint, explica nesta entrevista como é que a banca privada internacional arrastou a Grécia para uma dívida incomportável, aumentando os empréstimos desde 2005 e financiando-se a baixo custo junto da banca pública para impor juros especulativos desde 2009. Para Eric Toussaint, as dívidas reclamadas pelos bancos estrangeiros e gregos à Grécia estão feridas de ilegitimidade.]


CADTM: É verdade que a Grécia tem de prometer ao mercado uma taxa de juro de cerca de 15% para poder pedir empréstimos a prazo de 10 anos?

Eric Toussaint: Sim, é verdade; os mercados apenas admitem comprar os certificados a prazo de 10 anos que a Grécia emitir na condição de que a Grécia se comprometa a pagar juros exorbitantes.

CADTM: A Grécia está disposta a contrair empréstimos nessas condições?

Eric Toussaint: Não, a Grécia não se pode dar ao luxo de pagar juros semelhantes. Custar-lhe-ia demasiado caro. Ora, todos os dias lemos, tanto na imprensa tradicional como nos meios de comunicação alternativos (aliás muito úteis para obter uma opinião crítica), que a Grécia tem de pedir emprestado a 15% ou mais.

Na realidade, desde que a crise rebentou na primavera de 2010, a Grécia limita-se a contrair no mercado empréstimos a 3 meses, 6 meses, no máximo um ano, com taxa de juro variável, consoante as emissões, entre 4% e 5% |1|. Relembramos que, antes do início dos ataques especulativos contra a Grécia, esse país conseguia pedir empréstimos a taxas muito vantajosas, tão grande era a ânsia dos banqueiros e outros investidores institucionais (seguradoras, fundos de pensão) – vulgarmente designados em francês por zinzins –, para lhe emprestarem dinheiro.

Foi assim que, a 13 de Outubro de 2009, a Grécia emitiu os certificados do Tesouro (T-Bills) a 3 meses com um rendimento (yield) muito baixo: 0,35%. Nesse mesmo dia, a Grécia fez outra emissão de certificados a 6 meses com uma taxa de 0,59%. Sete dias mais tarde, a 20 de outubro de 2009, emitiu certificados a uma taxa de 0,94% |2|. Isto aconteceu menos de seis meses antes de rebentar a crise grega. As agências de notação atribuíam uma nota muito boa à Grécia e aos bancos que lhe emprestavam a torto e a direito. Dez meses mais tarde, para emitir certificados a 6 meses, a Grécia teve de atribuir um rendimento de 4,65% (cerca de 8 vezes maior). Foi uma mudança de circunstâncias fundamental.

Outra questão importante para demonstrar a responsabilidade dos bancos: em 2008, a banca exigia à Grécia um rendimento mais elevado que em 2009. Por exemplo, em junho-julho-agosto de 2008, quando ainda não era conhecida a falência do Lehman Brothers, as taxas de juro já eram quatro vezes mais elevadas que em Outubro de 2009. No quarto trimestre de 2009, ao descerem abaixo de 1%, as taxas atingiram o seu nível mais baixo |3|. O que pode parecer irracional – dado que não é normal um banco baixar as taxas de juro num contexto de grande crise internacional, tanto mais no caso dum país como a Grécia que se endivida muito rapidamente – é lógico na perspectiva dum banqueiro que procura tirar o máximo proveito imediato, estando convencido de que, caso surjam problemas, as autoridades públicas virão em seu socorro. Depois da falência do Lehman Brothers, os governos dos EUA e da Europa verteram enormes montantes para salvar os bancos e relançar o crédito e a actividade económica. Os banqueiros aproveitaram este maná de capitais para emprestarem dentro da UE a países como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália, convencidos de que, em caso de problema, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia ajudá-los-iam. Do seu ponto de vista, tinham razão.

CADTM: Queres dizer que os bancos privados, ao emprestarem com baixos juros, contribuíram activamente para empurrar a Grécia para a armadilha do endividamento insustentável, ao exigir posteriormente taxas muito mais elevadas, que impediram a Grécia de pedir empréstimos a prazos superiores a um ano?

Eric Toussaint: Sim, é isso mesmo. Não quero dizer que tenha havido uma maquinação propriamente dita, mas é incontestável que os bancos emprestaram dinheiro exageradamente a países como a Grécia (até baixando as taxas de juro). Do ponto de vista dos bancos, os dinheiros que receberam em quantidade maciça dos poderes públicos tinham de ser aplicados em empréstimos aos Estados da zona euro. É preciso recordar que desde três anos para cá, os Estados se tornaram os actores mais fiáveis, ao passo que se levantaram dúvidas sobre a capacidade das empresas privadas em manterem os seus compromissos e reembolsar as suas dívidas.






Para retomar o exemplo concreto anteriormente mencionado, quando, a 20 de Outubro de 2009, o governo grego vendeu T-Bills a 3 meses com um spread de 0,35%, tentava reunir um total de 1500 milhões de euros. Os banqueiros e outros especuladores propuseram perto de 5 vezes esse valor, ou seja, 7040 milhões. Por fim, o governo decidiu pedir 2400 milhões emprestados. Não será exagero afirmar que os bancos emprestaram exageradamente à Grécia.

Voltemos à questão da sequência de aumentos de empréstimos de bancos da Europa Ocidental à Grécia no período 2005-2009. Os bancos dos países da Europa Ocidental aumentaram os empréstimos à Grécia (tanto ao sector público como ao privado) numa primeira fase entre Dezembro de 2005 e março de 2007 (nesse período, o volume de empréstimos aumentou 50%, passando de pouco menos de 80 000 milhões para 120 000 milhões de dólares). Embora a crise do subprime tivesse rebentado nos EUA, os empréstimos voltaram a aumentar fortemente (+33%) entre Junho de 2007 e o verão de 2008 (passando de 120 000 milhões para 160 000 milhões de dólares); depois, mantiveram-se num nível muito alto (cerca de 120 000 milhões de dólares). Isto significa que os bancos privados da Europa Ocidental utilizaram o dinheiro que o Banco Central Europeu, o Banco de Inglaterra, a Reserva Federal dos EUA e os fundos dos mercado monetário (money market funds) dos EUA (ver mais adiante) lhes emprestavam massivamente e a baixo custo, para aumentarem os empréstimos a países como a Grécia |4|, sem tomar em conta os riscos.

Por conseguinte os bancos privados têm uma grande quota de responsabilidade no endividamento excessivo da Grécia. Os bancos privados gregos também emprestaram montes de dinheiro consideráveis aos poderes públicos e ao sector privado. Também eles têm uma grande quota de responsabilidade. As dívidas reclamadas pelos bancos estrangeiros e gregos à Grécia em consequência das suas políticas completamente arriscadas estão feridas, quanto a mim, de ilegitimidade. [25 Set 2011]


Publicado no site do CADTM. Traduzido por Rui Viana Pereira, revisto por Noémie Josse-Dos Santos.

Notas
|1| Hellenic Republic Public Debt Bulletin, n° 62, junho 2011. Disponível em www.bankofgreece.gr.
|2| Hellenic Republic Public Debt Bulletin, n° 56, dezembro 2009.
|3| Bank of Greece, Economic Research Department – Secretariat, Statistics Department – Secretariat, Bulletin of Conjunctural Indicators, Number 124, October 2009. Disponível em http://www.bankofgreece.gr/
|4| O mesmo fenómeno deu-se simultaneamente em Portugal, Espanha e países da Europa Central e de Leste.

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