A CASSETE SOBERANA
Adoro a linguagem destes relatórios da troika escritos por
lunáticos bem pagos.
Numa primeira leitura, destaco esta
formulação do FMI – “existem riscos de migração dos
passivos do sector privado para o balanço soberano”. Existem e muitos
nesta bancarrotocracia.
A Comissão Europeia essa está sempre
mais à frente na novilíngua, revelando para todos os que querem ver aquilo em
que se tornou a integração europeia – “os riscos
orçamentais aumentaram significativamente devido a uma composição do crescimento
fiscalmente menos rica, o que afectou a performance dos impostos.”
O periclitante
crescimento das exportações, paradoxalmente
ajudado pela crise do euro, não puxa por
nada.
Estão proibidos de dizer que o Estado pode tentar controlar a despesa, mas não
controla o défice porque não controla os efeitos fiscais da recessão engendrada
pelos cortes.
Confirma-se também que não há semana
que passe sem que a Comissão Europeia não nos venha recordar a natureza deste
euro e da
fraude intelectual que mal o suporta: cortes salariais sem fim
ajudados pela desregulamentação
sem fim das relações laborais. As coisas são como são feitas e como
serão desfeitas.
A recessão gerada pela austeridade
aumenta “surpreendentemente” o desemprego, ao mesmo tempo que os salários caem
mais do que o esperado? Tanto melhor, já que está tudo escrito há muito nas
regras deste jogo: por definição, o desemprego exige sempre mais redução dos direitos laborais, maior facilidade em
despedir, menos indemnizações e sobretudo cada vez menos contratação colectiva.
Vale tudo para que os trabalhadores fiquem cada vez mais
expostos numa economia de compressão salarial, já que as causas do desemprego se devem para toda a
eternidade à existência de “rigidezes”, em última
instância na mente de quem trabalha.
De resto, a despesa de uns é
rendimento de outros, a despesa pública é rendimento público e privado e a
despesa privada é rendimento privado e público? Comprima-se a despesa pública e veja-se o
que, também de forma surpreendente, acontece, em cascata, ao rendimento privado numa situação de desemprego de
massas e aos balanços de tantas empresas e famílias: parece que o
Estado não se pode comportar como se fosse uma família no meio de uma crise,
embora a isso esteja obrigado pelo soberano externo, sem afectar a saúde,
incluindo a financeira, das famílias realmente existentes desta região
periférica.
João
Rodrigues
post in ‘Ladrões
de Bicicletas’, 18:VII:2012