teologia para leigos

12 de dezembro de 2023

A Invenção de Deus 3



“Ao mesmo tempo que os rabinos [na e.d.c.] ampliaram as tradições e as lendas

à volta das vidas de David e Salomão,

os Padres da Igreja propagavam a imagem de ambos esses reis

a um público muito mais vasto.

As primeiras interpretações cristológicas de Jesus,

enquanto o ‘autêntico herdeiro’ da promessa de Deus

– bem como os conteúdos dos salmos de David e de Salomão

entendidos como referência explícita a Jesus –,

chegaram pois ainda mais longe através de uma via importante.

Examinados do ponto de vista puramente cristão

a partir das suas histórias e episódios,

David e Salomão eram vistos cada vez mais,

não como personagens bíblicas independentes,

mas como metáforas poderosas da história de Cristo e da Igreja.”



Israel Finkelstein e Neil A. Silberman («David y Salomón», p. 226-227)





“S. João Crisóstomo [347-407 e.d.c.] insiste em

que se eduquem na fé cristã os filhos

falando-lhes do Inferno, do Dilúvio,

do cativeiro no Egipto, de Sodoma, etc.”



«Cuando el cristianismo era joven», F. Rivas Rebaque, p. 38





“Os últimos trezentos anos [1700-2000 e.c.] foram, muitas vezes,

retratados como uma época de crescente secularismo

durante a qual as religiões foram perdendo cada vez mais importância.

Se estivermos a falar de religiões teístas, isso é, em grande medida, correcto.

No entanto, se tivermos em consideração as religiões da lei natural,

então a modernidade revela-se uma era de intenso fervor religioso,

de esforços missionários sem paralelo

e das guerras religiosas mais sangrentas da história.

A era moderna testemunhou a ascensão

de várias novas ‘religiões das leis naturais’,

tais como o liberalismo, o comunismo, o capitalismo,

o nacionalismo e o nazismo.”



Y. N. Harari, «Sapiens», p. 268





O CULTO DE YHWH EM ISRAEL

Lendo com atenção a forma como os autores bíblicos se exprimem, nos livros dos Reis e, ainda que de um modo algo distinto, nos livros das Crónicas, a história dos reinos de Israel (Norte) e de Judá (Sul) é relatada a partir de um ponto de vista «sulista», ou seja, é um relato enviesado por Judá. É por isso que é muito difícil conhecer a originalidade das tradições e das religiões do Norte (Israel). Creio que é mais do que evidente que a veneração a YHWH no Norte se apresentava de uma forma muito diferente daquilo que relatam os redatores dos livros dos Reis, que logo à cabeça rotulam o culto do Norte a YHWH como idolátrico e contrário à vontade divina. É por isso que a ‘queda’ (derrota) do reino de Israel no ano 722 a.e.c.[1] é explicada como consequência do castigo divino pelo «pecado de Jeroboão», a saber, prestar culto a ‘YHWH representado pela figura de um touro’. Segundo o relato que se encontra em 1 Reis 12, o rei Jeroboão, que ergueu santuários em Betel e em Dan, competindo assim com o templo de Jerusalém, é descrito pelos redactores de Judá como sendo o responsável por um culto erróneo a YHWH no Norte.

Na história bíblica, Judá ocupa uma posição privilegiada, ainda que venha igualmente a ser mais tarde conquistado e destruído pelos babilónios. A atitude de favor de YHWH para com Judá explica-se pelo facto de YHWH ter escolhido David e a sua dinastia e, inclusivamente, por ter prometido a esta dinastia, em 2 Samuel 7, vida «eterna»[2]. No entanto, como Jerusalém acabaria por ser destruída no ano 587 a.e.c., houve também necessidade de explicar esta derrota como castigo de YHWH, por alguns reis se terem afastado de YHWH. E como? A verdadeira veneração de YHWH caracteriza-se, segundo os autores dos livros dos Reis, pela sua exclusividade e pela centralidade do culto sacrificial em Jerusalém. Alguns reis, especialmente David, em parte Salomão e alguns outros reis de Judá sobretudo Ezequiel e Josias, tinham respeitado essa «pureza cultual». Seja como for, o seu comportamento e as suas acções não foram suficientes para evitar a catástrofe.

Esta visão bíblica [privilégio de Jerusalém por parte de YHWH], devida em grande parte ao contexto deuteronomista que passou em revisão, e reescreveu, os ‘rolos’ de Samuel e os dos livros dos ‘Reis’ durante e após a época denominada “Exílio” (séc. VI a.e.c.), não bate-certo com a realidade histórica; e por várias razões.

Em primeiro lugar, a ideia segundo a qual YHWH é o «único deus» a ser venerado e Jerusalém o único santuário legítimo não são ideias antigas; como iremos ver em maior detalhe, trata-se de conceitos que nascem no século VII a.e.c. Para além disso, a maneira como são apresentados os reis nos livros a eles dedicados não tem correspondência com os êxitos e fracassos políticos desses mesmos reis. Bastam dois exemplos: Manassés é apresentado como tendo sido o pior de todos os soberanos de Judá e, no entanto, governou durante cinquenta e cinco anos e conheceu, sob o seu reinado, um período de tranquilidade e de prosperidade. Mas … para esses cinquenta e cinco anos os redactores dedicam apenas uma pequena página e limitam-se a enumerar de forma estereotipada os horrores que este rei − fiel vassalo dos assírios − levou a cabo. O seu predecessor, Ezequias, cujos louvores os redactores deuteronomistas cantam, levou a cabo uma política de resistência anti-assíria bastante suicida, tendo como consequência a ocupação e a redução drástica do território daquele pequeno reino, Judá. No entanto, apesar do resultado final desta política anti-assíria, Ezequias é apresentado nos textos bíblicos de uma maneira muito positiva.

No plano geopolítico, não há dúvida que, durante os dois séculos em que coexistiram estas duas monarquias, Israel foi o reino dominante, ao passo que Judá era uma entidade menor, pequena, que muito provavelmente se resignou a ser vassalo do «irmão mais velho» do Norte. Israel abarcava regiões férteis, onde era fácil cultivar trigo na planície de Izreel e olivais e vinhas nas montanhas da Galileia. Em suma, Israel pôde assim beneficiar das trocas comerciais com os reinos arameus e com a Fenícia. A economia de Judá era muito mais frágil.

Em resumo, tal como já dissemos, a ideia de um grande reino unido sob a regência de David e Salomão pertence mais à imaginação dos autores bíblicos do que à realidade histórica. Porém, a ser verdade isto que acabamos de dizer, há que explicar porque é que nos dois reinos se venerou o mesmo deus nacional. Tanto quanto se sabe, os reinos de Saúl, de David e de Salomão correspondem a um período de tempo em que partes de Judá, de Benjamin e de Efraim estiveram unidas em torno de um rei e de um deus tutelar. Por outro lado, os «deuses partilhados» também existiram em outros lugares do Próximo Oriente. Foi o caso, sobretudo, do deus «El», mas também do próprio YHWH, que foi venerado igualmente fora dos territórios de Israel e de Judá.

Os cultos a YHWH, no que diz respeito às suas manifestações locais, foram muito diversos, tal como atestam as inscrições[3] e os textos bíblicos: os textos de Kuntillet Ajrud mencionam um YHWH da Samaria e um YHWH de Teman - ou seja do «sul» -, fora do âmbito de Israel e de Judá; a inscrição de Khirbet Bet Lei fala de um YHWH, deus de Jerusalém; 2 Samuel 15,7 menciona um «YHWH em Hebron»; o Salmo 99,2 refere «YHWH é grande em Sião»; e Génesis 28,10-22 estabelece o culto a YHWH em Betel (v.19).

Para dar conta desta complexidade, convém também, no âmbito da religiosidade antiga[4], distinguir três níveis. O nível individual, o familiar e o nível do clã: uns são deuses protectores, outros são deuses pessoais e outros são antepassados divinizados ou outros. Nesse tempo, não fazia falta um santuário ou um templo, sendo o “pater familias” quem se encarregava dos actos rituais. O nível local da prática religiosa, aquando da reunião dos vários clãs num lugar, efetuava-se em santuários locais, regra geral pouco importantes, frequentemente ao ar livre, aquilo que alguns textos bíblicos chamam, de uma maneira polémica, cultos «em cada colina» e «debaixo de cada árvore verde». O nível nacional expressa-se num culto cujo mediador é o rei e organiza-se à volta de um deus nacional e de outras divindades que estejam de um modo ou de outro a ele associadas.

No que diz respeito ao terceiro nível, temos de nos interrogar se o culto oficial régio a YHWH era idêntico em Israel e em Judá. É frequente os especialistas pensarem que o culto a YHWH em Judá era muito diferente do de Israel: o YHWH de Israel teria sido venerado muito mais segundo o modelo de Baal, ou seja, como uma divindade da tempestade e da fertilidade, ao passo que no Sul havia incorporado os traços solares da antiga divindade tutelar de Jerusalém. É preciso, contudo, não só uma análise mais fina, como também relativizar esta oposição. Comecemos esta nossa investigação acerca do culto a YHWH no reino de Israel entre os anos 930 e 722 a.e.c., aproximadamente.



1. YHWH, DEUS DO ÊXODO

O reino de Israel constituiu-se a partir de um território que corresponde aproximadamente ao reino de um tal Labayu ou Labaya de Siquém que é mencionado na correspondência de Amarna. Houve quem procurasse identificá-lo com figuras bíblicas, tais como Abimelec, que, segundo Juízes 9, tenta reinar sobre Israel, mas acaba por fracassar; ou com Saúl. Porém, tais identificações são pouco convincentes, já que as Cartas de El Amarna, três delas[5] escritas por Labayu, são muito mais antigas que o começo da realeza israelita. Mesmo assim, é interessante observar que “o Estado” de Labayu corresponde grosso modo às regiões integradas no reino de Israel.

Segundo a Bíblia, o «fundador» do reino do Norte é um tal Jeroboão, o qual, segundo 1 Reis 12, se sublevara previamente contra Salomão tendo depois de fugir para o Egipto. Após a morte de Salomão e na qualidade de chefe das tribos do norte, Jeroboão regressa e negoceia com Roboão filho e sucessor de Salomão. Na sequência do fracasso dessas negociações e segundo o relato bíblico, converte-se em rei de Israel. Começa por viver em Siquém, mas depois manda fortificar Penuel (1 Rs 12,25).

O mesmo relato, de seguida, narra que Jeroboão, após fundar o seu próprio reino a partir das tribos do Norte, mandara construir dois santuários, um em Betel e outro em Dan, onde erigiu duas estátuas bovinas que representavam o deus que libertara os israelitas do Egipto:



“[v.28] O rei deliberou para consigo e mandou fazer dois bezerros de ouro e disse-lhes: «Vós tendes subido a Jerusalém com demasiada frequência. Aqui estão os vossos deuses, ó Israel, aqueles que vos fizeram sair da terra do Egipto.» [v.29] E colocou um em Betel e o outro em Dan. [v.30] Nisto consistiu o pecado: o povo pôs-se em marcha à frente de um dos bezerros até Dan.”



É aqui que o deus nacional de Israel é identificado com o deus do êxodo. A colocação das estátuas em Betel e em Dan corresponde às fronteiras norte e sul do reino (de Israel). Para os arqueólogos, a referência a Dan neste momento histórico, o qual teve lugar nos finais do século X a.e.c., coloca problemas já que Dan provavelmente só foi israelita a partir do século VIII[6]. A ser assim, a fundação de um santuário em Dan poderia ser uma retroprojeção da época de Jeroboão II, o qual, durante o seu reinado no século VIII, podia muito bem ter anexado Dan e aí ter estabelecido um santuário yahvista. Entretanto, os redactores dos livros dos Reis teriam situado, então, este acontecimento como pertencente ao reinado do «primeiro» Jeroboão.

Pouco importa a exactidão da cronologia. Os autores bíblicos sugerem que, quer no santuário de Betel, quer no de Dan, YHWH foi considerado o deus do Êxodo. O ‘plural’, na exclamação de Jeroboão («aqui estão os vossos deuses»), surpreende. No entanto, tal facto volta a repetir-se na história do bezerro de ouro narrada em Êxodo 32, o qual transfere o «pecado de Jeroboão» para o Sinai e o apresenta como o «pecado original» do Norte. Esse plural pode ser explicado na medida em que se trata, não de uma, mas de duas estátuas! Ex 32 retomará ou «citará» as palavras de Jeroboão, colocando-as na boca dos israelitas no Sinai, desejosos de dispor de um deus visível:



1 Reis 12,28

hinnêh ‘êlõhêkã yisrã’el ‘ãser

he ‘êlûkã mê’eres misrãyim

(«Aqui estão os teus deuses, Israel, que te

Fizeram subir do país do Egipto»)



Êxodo 32,4

‘êlleh ‘êlõhêkã yisrã‘el ‘ãser

he ‘êlûkã mê’eres misrãyim

(«Estes são os teus deuses, Israel, que te

Fizeram subir do país do Egipto»)



Não obstante, segundo a lógica do relato de 1 Reis 12, trata-se do mesmo deus YHWH, quer em Betel, quer em Dan. Uma outra hipótese, seria imaginar que se trataria de uma parelha divina, em que as duas divindades estariam entronizadas cada uma sobre o seu pedestal teromorfo (zoomorfo)[7]. Portanto, poderia tratar-se de uma companheira de YHWH, uma deusa associada a ele, tal como acontece com a deusa Asherá. Seja como for, isto não passa de especulação, mais a mais por não existir testemunho algum que conecte Asherá, ou outra deusa, com o êxodo. A solução mais simples talvez seja propor como hipótese que, no texto antigo, estivesse: «Aqui está o teu deus, que te fez subir do país do Egipto». Na verdade, em hebraico, a forma «’elõhêkã» pode ser traduzida por «teus deuses» ou por «teu deus». A forma verbal causativa «fazer subir» é a única que tanto pode ser facilmente considerada no singular como no plural. É possível que os massoretas tenham retocado um singular original tendo-o convertido num plural e, com isso, lançado uma acusação aos israelitas do Norte, não apenas por terem um culto icónico, inclusivamente idolátrico, como também por venerarem vários deuses.

A veneração de um touro na capital do reino de Israel – Samaria – está atestada no livro de Oseias. Será que o relato de 1 Reis 12 transfere o touro da Samaria para Betel, ou será que existia um outro touro igualmente no santuário de Betel? A estátua bovina tanto pode desempenhar a função de pedestal para YHWH como também pode representar o próprio YHWH. Em Ugarit, Baal é representado tanto de um modo antropomórfico – tal como é possível ver numa estela do museu do Louvre, na qual leva na mão as suas armas, o raio e o trovão – como sob a forma de um touro. Para além disso, às vezes é denominado «Touro» e na epopeia «Baal e a Morte» surge acasalado a uma vaca antes de descer até ao deus da morte Motu. O deus do êxodo e o touro também estão ligados estre si num oráculo do profeta Balaão, no livro dos Números: «’El’ vos fará sair do Egipto, possui os cornos de um búfalo»[8]. Num óstracon da Samaria (nº 41) encontramos um nome próprio «’glyw» que se pode traduzir por «bezerro de YHWH» ou por «YHWH é um bezerro».

A iconografia atesta ambas as possibilidades de compreensão das estátuas bovinas. Num selo procedente de Ebla (cf. ilustração reproduzida em baixo) vemos um touro entre um personagem orante à esquerda e o deus do trovão (tempestade) à direita. Isto significa que o homem se encontra com o deus do trovão ou da guerra através do touro.

O livro de Oseias, que acabamos de evocar, alude com frequência, e de uma forma polémica, ao touro, tal como se pode ver neste oráculo:

Rejeito o teu bezerro, ó Samaria! A minha cólera inflamou-se contra eles. Até quando serão incapazes de purificar-se? Porque ele é de Israel; foi um artista quem o fez, não é Deus. Será, pois, despedaçado o bezerro da Samaria.” (Os 8, 5-6)

A análise filológica e diacrónica deste oráculo revela que este texto é heterogéneo. O oráculo mais antigo (texto sublinhado), que está na terceira pessoa, contém a crítica à estátua bovina e o anúncio da sua destruição, destruição provavelmente levada a cabo pelos assírios. No entanto, a este texto foi-lhe acrescentado mais tarde um discurso divino na primeira pessoa, discurso que atribui a destruição da estátua expressamente à cólera de YHWH; por fim, o texto voltou a ser reelaborado uma vez mais (cf. frase em itálico) em que se acentua a polémica contra as imagens que encontramos na segunda parte do livro de Isaías, que data da época persa.

Outro texto de Oseias parece sugerir que se fabricam pequenas estatuetas de jovens touros para uso familiar, como objecto de devoção: «E ainda agora continuam a pecar, fazem para si estátuas fundidas com a sua prata, ídolos da sua invenção, obra da mão de artistas. A propósito delas se diz: “Quem sacrifica seres humanos bem pode beijar bezerros!” (Oseias 13,2)».

Resumindo, não há dúvida de que YHWH foi venerado em Israel, em Betel e mais tarde seguramente também em Dan sob a forma de um touro à maneira de Baal em Ugarit. A esse deus foi-lhe atribuída a vitória da libertação designada “subida do Egipto”, tradição que tudo leva a crer começou no reino do Norte. No século VIII a.e.c., Betel era o santuário mais importante de Israel, tal como o comprova o rolo atribuído ao profeta Amós. Amós era um pequeno empresário de Judá [Sul], que, ao arribar ao santuário de Betel, anuncia a morte do rei e o fim do reino de Israel [Norte]. O sacerdote de Betel procura desembaraçar-se de Amós e proíbe-lhe o acesso ao santuário, santuário que considera ser o mais importante de Israel: «não continues a profetizar em Betel, porque aqui o santuário é do rei e o templo é do reino.» (Amós 7,13).





Selo de Ebla que mostra a veneração a um touro situado sobre um altar



Seja como for, tinha de ter havido também um templo na Samaria, tal como mostra a inscrição do rei assírio Sargão, inscrição que fala da transladação de estátuas a partir da Samaria, bem como uma inscrição de Kuntillet Ajrud, que menciona um «YHWH da Samaria». O primeiro livro dos Reis também dá testemunho de um santuário na Samaria quando relata que o rei Acab «ergueu um altar a Baal na casa de Baal, que construíra na Samaria» (1 Reis 16,32). A dupla menção é um tanto curiosa: porquê sublinhar que o rei instala um altar para Baal no templo de Baal? Isto leva-nos a supor que nos encontramos diante de uma alteração do texto original que falava de uma «casa de Deus» («bêt ‘elõhîm»)[9] ou de uma «casa de YHWH» («bêt yhwh»). O texto teria sido assim: «Ergueu um altar para Baal na casa de YHWH que ele havia edificado». O final da frase refere-se, provavelmente, ao pai de Acab, Omeri (1Rs 16,23), um rei que os redactores bíblicos não suportam de modo algum e que fez da Samaria a capital de Israel. Este Omeri tinha construído na sua nova capital um templo para Baal em cujo interior estavam previstas instalações destinadas igualmente à veneração de outros deuses. Omeri e Acab tinham, então, favorecido um culto do baal fenício e tinham disposto um ‘lugar dos sacrifícios’ para YHWH, cujo templo principal se encontrava em Betel. Mais tarde, os livros dos Reis relatam a destruição do templo de Baal da Samaria por Jeú, o que coloca um ponto final na dinastia de Omeri convertendo-se, ele mesmo, em rei de Israel (2 Reis 10,21-27). Se é certo que a arqueologia não proporcionou indícios claros a favor da existência de um santuário, há que dizer que ainda não foram efectuadas escavações em todo esse terreno. Por outro lado, é possível que algumas sondagens num terreno da época do Ferro que fica a 650 metros a leste da acrópole possam eventualmente ser interpretados no sentido de que ali existira um santuário[10]. Seja como for, a lógica histórica sempre advogará a favor da tese de que uma capital de um reino sempre foi provida de um santuário importante.



Moab [Israel Norte] – lugares mencionados na Estela de Mesa



2. YHWH E ISRAEL SEGUNDO A ESTELA DE MESA

A estela de Mesa é um monumento de basalto negro com mais de 1 metro de altura, descoberto em 1868 em Dhiban (antigo Dibon), na Jordânia, por um missionário alsaciano chamado Frederick A. Klein. Antes que os beduínos se decidissem a partir a pedra negra pensando que ali dentro estaria um tesouro, Charles Simon Clermont-Ganneau fez uma impressão (carimbo) da sua superfície, o que serviu de base para a sua reconstrução. Hoje em dia não se levantam dúvidas acerca da autenticidade da estela, o que nem sempre tinha acontecido no passado[11]. A estela contém uma inscrição supostamente ditada pelo rei moabita Mesa (séc. IX a.e.c.). O texto de 34 linhas (trata-se da inscrição mais extensa desta época encontrada até hoje no Próximo Oriente), apresenta-se como uma acção de graças de um rei dirigida ao seu deus tutelar Kemoš (Quemós). Ela narra as vitórias de Mesa no decurso da sua revolta contra o reino de Israel, após a morte do rei Acab[12]:



Sou Mesa, filho de Quemós, Rei de Moab, o dibonita. O meu pai reinou 30 anos sobre Moab e eu reinei depois do meu pai. Construí este santuário [lugar alto] para Quemós, Qerihoh, (santuário) de salvação, porque ele me salvou de todos os agressores e me fez zombar de todos os meus inimigos.

Omeri foi Rei de Israel e humilhou Moab durante muito tempo, porque Quemós estava irritado contra o seu país. E o seu filho sucedeu-lhe e também disse: «Hei-de humilhar Moab». No meu tempo ele o disse, mas eu triunfei sobre ele e a sua casa, enquanto Israel tinha perecido para sempre! Omeri tinha ocupado a terra de Madaba e Israel tinha habitado aí[13] no seu tempo e durante parte do reinado do seu filho [Acab, filho de Omeri], por 40 anos; mas Quemós habitou ali, no meu tempo.

E construí Baal-Me’on, fazendo aqui um reservatório [ou cisterna]; construí também Qeryot. Os homens de Gad tinham sempre habitado a terra de ‘Atarot e o rei de Israel tinha construído ‘Atarot para eles. Eu ataquei a cidade e tomei-a. Matei todos os habitantes da cidade para satisfação de Quemós e Moab. E trouxe dali o fogo do altar (‘r’l) do seu Amado (dwdh) arrastando-o para diante de Quemós em Qerihoh e onde estabeleci homens de Sharon e de Maharot. E Quemós disse-me: «Vai e toma [o Monte] Nebo a Israel». Fui de noite e combati contra ele, desde o raiar da aurora até ao meio-dia, tomando-o e matando todos, 7 mil homens, mulheres, rapazes, raparigas e servas, por que tinham sido consagradas (h-r-m) a Ashtar de Quemós. Dali tirei as vasilhas de YHWH, arrastando-as aos olhos de Quemós. O rei de Israel tinha construído Yahaz e residia ali, enquanto lutava contra mim, mas Quemós tirou-o de diante de mim. E tomei duzentos homens de guerra de Moab, todos de primeira classe, e coloquei-os contra Yahaz e tomei-a para anexar Díbon.

Fui eu que construí Qerihoh, o muro do parque florestal e o muro da acrópole; também construí as suas portas e construí as suas torres e construí a casa do Rei e fiz os seus reservatórios para água, dentro da cidade. E não havia cisterna dentro da cidade de Qerihoh, por isso disse ao povo: «Que cada um de vós faça uma cisterna para si mesmo, na sua casa». Fiz com que os prisioneiros de Israel cavassem os fossos (à volta) de Qerihoh. Construí Aro’er e fiz a estrada no Vale de Arnón. Construí Bet-Bamot, pois tinha sido destruída. Eu construí Bosor – pois estava em ruínas – com 50 homens de Dibon, pois todo o território de Díbon estava submetido a mim.

Eu reinei […] 100 com as cidades que tinha acrescentado ao país. Eu construí […], Madaba, Bet-Diblaten e Bet Baal Me’on. Eu estabeleci ali […] rebanhos do país. E Horonan, onde morava […]. Quemós disse-me: «Vai lá baixo e combate contra Horonan». Fui (e lutei contra a cidade e tomei-a; e), Quemós (habitou) durante o meu reinado […] de ali […]. Eu sou quem […].







Estela de Mesa



Esta inscrição está datada dos anos 850 e 810 e reflecte uma teologia muito similar à dos livros dos Reis e outros textos bíblicos, sempre insistindo em que a vitória contra um inimigo é obra do deus nacional. Seguindo a mesma lógica, a derrota ou a ocupação por outro povo é explicada pela cólera do deus nacional que virou as costas ao seu povo. Quemós desempenhou, para Moab, um papel semelhante ao de YHWH para Israel. Ficamos a saber que Israel e Moab disputavam um território a Este do rio Jordão, território atribuído a Gad entre ‘Atarot e Nebo, o qual no século IX a.e.c. conheceria um destino semelhante ao da Alsácia, mudando, neste caso, vezes sem conta de pertença entre Israel e Moab.

Segundo a inscrição de Mesa, este teria voltado a ocupar as cidades anteriormente ocupadas por Israel. No que diz respeito à cidade de Nebo, Mesa é jactante: «Tirei dali o vasilhame de YHWH e arrastei-o na cara de Quemós». A expressão traduzida por «vasilhame» («kly») é muito genérica e pode designar todo o tipo de objectos cultuais, incluindo quiçá algumas estátuas. Mas o que mais importa é que esta observação pressupõe um santuário de YHWH em Nebo, que Mesa teria destruído e do qual, como era hábito, teria trasladado utensílios e estátuas para ao templo de Quemós. Como também se diz no livro de Josué, quando relata a conquista de Canaã por parte dos israelitas, o saque é anátema (herem) e por isso é entregue a Ashtar-Quemós. Temos conhecimento da existência de um deus Ashtar em Ugarit[14], mas na estela de Mesa o vínculo a Quemós leva-nos a supor que se trate de uma deusa. Ashtar é identificada, na confederação das tribos árabes «Shumu’il», como uma deusa; surge sobretudo como Ashtar-Shamaim no oásis de Duma, onde ocupa o lugar cimeiro do panteão: ela é a cabeça do panteão[15]. Temos, então, e em analogia com a Asherá de YHWH, de interpretar a expressão «Ashtar de Quemós» como sendo a parelha do deus Quemós.

Quanto à tomada da cidade de ‘Atarot, Mesa refere que retirou dali o altar («’r’l») de «dwdh» e o arrastou ‘nas barbas’ de Quemós, em Qeriyot. A expressão «’ari’el» é a designação que se dá à parte mais alta do altar dos holocaustos[16]. A expressão «d-w-d» é mais enigmática. Poderá eventualmente constituir um título conferido a um YHWH (o «Amado») que eventualmente terá existido num santuário em Nebo. No entanto, do ponto de vista de Mesa a expressão surpreende-nos um pouco já que este título surge antes de ele mesmo mencionar com clareza que se refere a YHWH. Caso se tratasse de uma designação própria de YHWH, o nome próprio deveria preceder o título. Portanto, é provável que «d-w-d» (Dôd) designe uma outra divindade, quiçá o deus local de ‘Atarot venerado pelos israelitas. Um deus semelhante é referido no texto primitivo de Amós 8,14. No texto massorético, tal como se encontra na Bíblia, lemos: «Juram pelo pecado da Samaria e dizem: 'Viva o teu deus, Dan!', 'Viva o caminho (d-r-k) de Bercheba!'». Ora bem, a palavra «d-r-k» («caminho»), neste contexto, não faz sentido. A versão grega deste verso, em vez de «caminho» lê «d-d-k» (dodeka), que quer dizer o «teu Dôd», o «teu Amado»: «Viva o teu deus, Dan! Viva o teu Amado (dwd), Bercheba!». A estela de Mesa dá, assim, testemunho de que no século IX existia um santuário real oficial de YHWH em Nebo e um culto local a Dôd em ‘Atarot. A estela de Mesa confirma que em Israel, aquando da dinastia dos omeridas, havia diversidade de lugares de culto.

Deus Baal brandindo o trovão (Ugarit)



3. OS SANTUÁRIOS E AS DIVINDADES DE ISRAEL

YHWH era, portanto, venerado no reino do Norte sob a forma de um touro ou então, antropomorficamente, sob o aspecto de um deus do trovão e da tempestade. Havia santuários yahvista na Samaria, em Betel, em Dan, em Siquém e também na Transjordânia, tal como acabamos de ver. Igualmente, é mentira que YHWH tenha sido venerado no reino do Norte como um deus exclusivo, como afirmam os livros dos Reis e os livros de alguns Profetas que criticam os reis do Norte por terem venerado outros deuses conjuntamente com YHWH. Na inscrição de Tell Deir ‘Alla, localidade das margens do Jordão (mas que hoje faz parte da Jordânia), surgem os nomes das seguintes divindades: «El», as deusas ‘Ashtar, Shagar e eventualmente também Shamash. Observa-se, tal e qual, o plural «sdyn», o qual pode ser traduzido por «os que pertencem a Shadday», expressão que poderia ser interpretada como o nome de uma divindade autónoma ou como um título de «El».

No santuário de Dan tudo indica que aí foi venerado o «deus Dan» («’elõhê dan»). Este culto é igualmente atestado no século II numa inscrição bilingue, em grego e aramaico: «Theõî tõî en Dánois». Os óstraca da Samaria, fragmentos cerâmicos utilizados como suporte de escrita, dão testemunho de um certo número de nomes próprios que contêm o elemento «b’l» («Ba’al»)[17].

É difícil saber se, nestes nomes, o termo «b’l» é utilizado como título para YHWH ou se designa uma divindade distinta. Segundo os livros dos Reis, o monte Carmelo albergava igualmente um importante santuário de Baal, o qual, na história de Elias, constitui o cenário de uma competição entre Baal e YHWH.



4. YHWH E BAAL EM ISRAEL

Há que lembrar uma vez mais que no reino de Israel se venerou YHWH como um «baal», ou seja, como um deus do trovão e da tempestade de tipo «Hadad». Em certos salmos e noutros textos poéticos provavelmente escritos no reino do Norte, YHWH na verdade é muito parecido ao baal de Ugarit. Tal como Baal – que em Ugarit leva o título de «rkb ‘rpt», “o que cavalga sobre as nuvens”[18] – nos salmos, YHWH usa as nuvens para viajar pelo céu: «das nuvens fez seu carro»[19]. O salmo 29, o qual procede provavelmente do Norte, mas que mais tarde receberá uma revisão no Sul, descreve claramente YHWH como um ‘deus da tempestade e do trovão’, o domador das águas tal como o baal de Ugarit (Cf. Hans-Joachim Kraus, «Los Salmos 1-59», Sígueme 1993, p. 527-538: “H. L Ginberg foi o primeiro a reconhecer e a demonstrar, com referências a paralelos cananeus e ugaríticos, que muito provavelmente o Salmo 29 deriva directamente de um hino cananeu a Baal e que glorifica a sua manifestação numinosa a partir do interior de uma tempestade. (…) [muito mais tarde] Substituiu-se “Baal-Hadad” pela palavra “YHWH”. (…) Estes mesmos conceitos e actos de glorificação aplicam-se também a outros deuses, especialmente a Marduk (…). Ao estudar os dados da história comparada das religiões devemos ter em muita conta que YHWH não ocupa o lugar de um qualquer Baal-Hadad, mas simplesmente que o Salmo 29 nos permite reconhecer clarissimamente a hierarquia monárquica do panteão dos deuses. (…) o salmo 29 é muito antigo, quiçá um dos mais antigos salmos do antigo testamento.”).



«[3]A voz do SENHOR ressoa sobre as águas, o Deus glorioso faz ecoar o seu trovão, o SENHOR está sobre a vastidão das águas. [4]A voz do SENHOR é poderosa, a voz do SENHOR é cheia de majestade. [5]A voz do SENHOR quebra os cedros, o SENHOR derruba os cedros do Líbano! [6]Ele faz saltar o Líbano como um novilho, e o Sirion, como um novilho. [7]A voz do SENHOR lança chispas de fogo, [8]a voz do SENHOR abala o deserto, o SENHOR faz tremer a santa estepe[20]. [9]A voz do SENHOR retorce os carvalhos, despoja as árvores dos bosques. No seu santuário todos exclamam: "Glória!".»



Este salmo afirma o poder de YHWH (aqui comparado a um novilho) sobre as águas e sobre a natureza. Um hino semelhante ter-se-ia podido aplicar, em Ugarit, a Baal sem qualquer problema.

Esta adoração baálica a YHWH é acompanhada, segundo uma narrativa que está contida nos livros dos Reis, de um combate encarniçado entre YHWH e Baal cronologicamente datado da época de Acab, filho e sucessor do rei Omeri, o qual, para os assírios, é o verdadeiro fundador do reino do Norte. No plano arqueológico existe uma quantidade impressionante de construções que podem ser atribuídas a este rei. Omeri foi quem fundou a capital da Samaria; foi aí que contruiu um palácio e provavelmente também um templo, como atrás já tínhamos referido. Segundo consta, Omeri pretendia criar um Estado moderno e por isso criou laços com os fenícios casando o seu filho Acab com Jezabel, a qual na Bíblia é apresentada como sendo filha do rei de Sídon (1 Reis 16,31). Segundo outras fontes, Etbaal surge como rei de Tiro. Pouco importa entrarmos em detalhes quanto a este pormenor; o que importa é que o matrimónio de Acab simboliza a abertura de Israel à Fenícia. Neste sentido, vale a pena interrogar-nos se a veneração a Baal de que Acab é acusado não passa, na realidade, da veneração ao deus fenício Melkart. Num tratado entre o rei assírio Asarhadón e Baal, rei de Tiro encontramos vários deuses fenícios mencionados como sendo a garantia do tratado: Baal Shamen, Baal Malagé, Baal Safon e Melkart «príncipe da cidade»[21]. Parece que Melkart fora o deus tutelar de Tiro por excelência. Este Melkart possuía o título de «b’ l Sr», o «amo de Tiro». É plausível, portanto, que esta divindade se tivesse convertido no deus tutelar da dinastia dos omeridas (1 Rs 16,23) e que foi popular entre os militares e entre os membros da corte da Samaria.

Esta identificação do baal dos omeridas com Melkart poderá ser discutível[22] pelo facto de o nome ‘Melkart’ nunca ser mencionado na Bíblia. No entanto, o vínculo de Acab (Israel) com a Fenícia – facto documentado – oferece certa plausibilidade a essa identificação. Mais a mais, acresce a isso o facto de que Melkart surge acompanhado de Astarté numa inscrição do rei fenício Eshmun’azar II (ca. 475): «Construímos os templos dos deuses dos que vivem na Sídon do ‘país do mar’: um templo para o baal de Sídon e um templo para Astarté, nome de Baal»[23]. Uma associação semelhante entre Baal e Astarté encontra-se também em alguns textos bíblicos[24].

A introdução da veneração de baal da Fenícia como deus da Samaria provocou, segundo testemunho bíblico, a revolta de círculos devotos de baal-YHWH. Esta revolta vem referida no livro dos Reis como consequência da acção do profeta Elías e, mais tarde, de Jeú, que porá fim à dinastia dos omeridas.

Tudo leva a crer que as histórias dos profetas Elias e Eliseu foram enxertadas tardiamente no livro dos Reis, o que não exclui definitivamente que tivessem sido redigidas pela primeira vez e de maneira independente no reino do Norte aquando da queda dos omeridas, ao estilo de um «livro negro de Baal» na sua maior parte constituído pelas histórias de Elias[25]. A sua inclusão nos Livros dos Reis situa-se no contexto histórico dos reis Acab (875-853) e Ocozías (853-852), respectivamente filho e neto de Omeri. Elias, que tem o sobrenome de o «tisbita»[26], surge como protagonista da luta de YHWH contra Baal. Em 1 Reis 17,9 uma ordem divina confia-lhe a missão de se dirigir à Fenícia, à casa de uma viúva, no país de Sídon. Aí, YHWH por intermédio do profeta Elías procura farinha e azeite, algo que o baal de Sídon não era capaz de realizar. Este texto é um desafio à ideia, expressa no tratado entre Asarhadón e o rei de Tiro, segundo a qual o baal de Melkart surge como um deus que procura alimento e roupa.

Para além disto, na Fenícia, Elías ressuscita o filho da mulher à qual fora enviado. A narrativa mostra deste modo que YHWH tem poder sobre a morte, ao contrário do baal de Ugarit (e da Fenícia?[27]), que, segundo o ciclo «Baal e a Morte», passa uma parte do ano como residente do reino de Mot, o deus que representa a morte.

A superioridade de YHWH sobre Baal confirma-se definitivamente no capítulo 18, onde contemplamos uma luta entre YHWH e Baal, através de uma competição entre Elías e os profetas de Baal, no Monte Carmelo. Apesar dos rituais extáticos dos profetas de Baal, este não intervém, ao contrário de YHWH que envia fogo do céu e, assim, se sacia dos ‘sacrifícios’ que lhe estavam destinados. Elías ridiculariza o baal dos seus adversários dizendo que ele dorme (v. 27) e que há que o acordar. Esta polémica foi muitas vezes relacionada com o despertar de Melkart, ainda que as fontes sejam demasiado tardias[28]. Seja como for, a verdadeira intenção deste relato é mostrar que YHWH é «o verdadeiro baal», é ele quem ordena e quem tem poder sobre os dois elementos frequentemente associados a Baal: a água e o fogo. O relato, particularmente violento[29], termina com o massacre dos profetas de Baal, o que antecipa a revolta yahvista de Jeú. Esta narrativa reflecte a mesma ideologia de um texto do livro do Êxodo onde se estipula que «aquele que ofereça sacrifícios aos deuses será entregue ao anátema[30]» (Ex 22,19), salvo se os oferecer exclusivamente a YHWH; a mesma ideologia impregna também uma lei do Deuteronómio que exige que se dê a morte aos profetas dos outros deuses (Dt 13,2-6).

Uma última cena, que relata um encontro entre Elias e o rei Acab (1 Reis 18,41-46), ressalta uma vez mais o poder «baálico de YHWH». YHWH faz com que se abata uma enorme fome sobre o país, pelo que Acab se vê obrigado a reconhecer que YHWH é quem tem o poder de pôr fim à seca e de fazer com que chova, ao passo que, no mito ugarítico, Baal precisa da sua parelha e da divindade solar Shapash para se afirmar como o senhor da chuva.

Segundo o relato enxertado no livro dos Reis, Elias e sobretudo o seu sucessor Eliseu estiveram implicados no golpe de Estado yahvista contra a dinastia Omeri levado a cabo por Jeú, que fez de YHWH o «baal» nacional do reino de Israel depois de ter dado a morte aos membros da casa de Omeri e aos adeptos do baal fenício. Tal como Elías, Jeú reúne em primeiro lugar todos os profetas de Baal (2 Reis 10,19)[31] e, tal como em 1 Reis 18, a reunião sacrificial acaba com o massacre dos funcionários de Baal. Certas histórias sobre Elias e Jeú reflectem, sem dúvida alguma, o nascimento de um yhavismo intransigente, que atingirá o seu apogeu nos livros do Deuteronómio e no livro atribuído ao profeta Oseias.

Permanece em aberto a questão de se YHWH passou a ser pela primeira vez o deus tutelar da realeza em Israel como consequência da revolta de Jeú. Para muitos, isso depende do modo como se interpreta o relato bíblico do pretenso cisma em 1Reis 12, que comentámos atrás. Tudo aquilo que neste relato se atribui a Jeroboão I na verdade deve ser atribuído a Jeroboão II (787-748) ou existirá um núcleo histórico no estabelecimento de um culto yahvista em Betel atribuído a Jeroboão I por volta do ano 930 a.e.c.? Também é possível imaginar-se que no reino de Israel pudesse ter existido uma rivalidade entre Betel (YHWH) e a Samaria (Melkart ou um «Baal fenício») até ao golpe de Estado conduzido por Jeú, o qual impôs definitivamente YHWH como deus nacional e deus titular da realeza.

Seja como for, o fervoroso yahvista Jeú teve de se submeter aos assírios e por isso teve de reconhecer a supremacia dos seus deuses. Uma inscrição de Salmanasar (ano 841 a.e.c.) inclui Jeú na lista daqueles que estão obrigados a pagar um tributo ao grande rei assírio. Para os assírios, este combate entre YHWH e Baal ou entre uma facção yahvista e uma dinastia dos omeridas não constituiu nada de relevante já que Salmanasar refere Jeú como «filho» de Omeri, seu sucessor: «Tributo de Ya’u’a [Jeú] filho de Humrî [Omri]: dele recebi prata, ouro, uma taça em ouro, um recipiente[32] de ouro, umas taças em ouro, estanho, um bastão para a mão do rei […]»[33].

No reino de Israel, o combate de YHWH contra o baal fenício seguramente que provocou uma pergunta a propósito da forma de venerar YHWH. YHWH deverá ser considerado apenas como mais um primo das numerosas ‘divindades da tempestade’ do Próximo Oriente? As polémicas contra Baal recolhidas no livro de Oseias apontam provavelmente para certos cultos rendidos a YHWH enquanto baal na forma de um bovino, e isso reflecte sem dúvida uma mudança das mentalidades. Por outro lado, no século VIII, no plano da iconografia, observa-se uma modificação das representações divinas no território do reino de Israel. Numa gravura em osso contemporânea desta época, em Hazor, surge um jovem deus com dois pares de asas. Tais representações, que revelam uma forte influência fenícia, aparecem igualmente em numerosos selos. O seu uso parece estar limitado ao Norte e até hoje nunca se encontrou nada de semelhante em Judá. O deus tem nas mãos ramos de plantas com as quais pretende simbolizar ser o curador e o garante da natureza. As duas asas caracterizam uma divindade de tipo «urânico», um deus que pertence ao céu, eventualmente um deus solar. Este fenómeno reflecte a evolução de Baal para «Baal shamen», o baal do céu, uma divindade profusamente representada na Fenícia[34]. Estas divindades poderão ser Baal ou YHWH.

Nos nomes próprios que figuram nos selos encontram-se raízes yahvistas, tais como Yoab («YHWH é pai»)[35] ou Padah[36], forma abreviada de Padayahu («YHWH salva»). Por conseguinte, é possível que os proprietários destes selos reconhecessem nestas representações YHWH como divindade tutelar. Esta «solarização» de YHWH no Norte está também num certo número de textos poéticos da Bíblia. É o caso do Salmo 104 no qual YHWH aparece como um «Baal shamen», uma combinação de deus da tempestade e deus do sol rodeado de serpentes aladas:

«(v.2) Estás envolto num manto de luz e estendeste os céus como um véu. (v.3) Fixaste sobre as águas a tua morada, fazes das nuvens o teu carro, caminhas sobre as asas do vento. (v.4) Fazes dos ventos teus mensageiros, e dos relâmpagos, teus ministros.» [Salmo 104]

Ao mesmo tempo que no livro de Oseias se vitupera a adoração do touro e o culto baálico de YHWH, no capítulo 6 Oseias compara YHWH ao nascimento do sol: «Conheçamos, esforcemo-nos por conhecer o SENHOR; iminente, como a aurora, está a sua vinda» (v.3). E o texto primitivo do v. 5 compara os julgamentos divinos de YHWH com a luz[37]. Fica assim estabelecida, então, uma concepção de YHWH que combina os traços de um deus da tempestade com os atributos de divindades solares, o que nos leva a regressar por breves instantes às representações de YHWH no reino de Israel.



5. AS REPRESENTAÇÕES DE YHWH EM ISRAEL

Por oposição àquilo que ocorre com a veneração de YHWH em Jerusalém e no reino de Judá, a existência de representações de YHWH no Norte (estátuas, imagens gravadas em selos, etc.) suscita menos polémicas e menos paixões por parte dos investigadores. Muitos deles, consciente ou inconscientemente, seguem o pensamento dos redatores bíblicos segundo o qual o culto do Norte era idolátrico e «desviado». Ao longo desta exposição já pudemos constatar um certo número de imagens de YHWH nos santuários do Norte. Chegados aqui, vamo-nos ater a breves evocações, apenas.

Uma inscrição de Sargão II − o «prisma de Nimrod» − redigida no ano de 706 a.e.c., que evoca a destruição da Samaria, menciona, como parte do saque, que conseguiram deitar mão «aos deuses em que acreditavam». Esta inscrição é equivalente aos baixos-relevos neo-assírios nos quais se pode ver respectivamente os soldados de Sargão e os de Senaquerib a transportar, como espólio sacado, estátuas de divindades[38]. Ainda que haja incerteza[39] acerca da cidade de onde procedem as estátuas do primeiro relevo, elas podem estar relacionadas com a inscrição do prisma de Nimrod e ver aqui uma representação das estátuas divinas semelhantes às da Samaria. Nestes relevos surgem estátuas antropomorfas, enquanto outros textos atrás já evocados[40] parecem atestar a veneração a YHWH sob a forma de um touro, o que eventualmente explica a pequena estatueta de um touro encontrada em Israel perto da escavação de Dotan (residência de Eliseu; 2 Reis 6,13) que data de aproximadamente 1200-1000 a.e.c.[41].

Um indício indirecto da existência de uma estátua antropomórfica de YHWH é proporcionado pela história da vocação do jovem Samuel como profeta de YHWH no santuário de Siló e que é narrada em 1 Samuel 2. Como já vimos, Siló é a sede da Arca, que simboliza, e até materializa, a presença de YHWH. O autor do antigo relato do chamamento de Samuel descreve com muito pormenor as actividades cultuais ligadas a este santuário, quer antes, quer depois do nascimento de Samuel. A particularidade – repetida em 1 Samuel 2, 11 e 18, bem como em 3,1 – segundo a qual Samuel «estava ao serviço de YHWH», é particularmente interessante. Em 2,11 o texto massorético é gramaticalmente difícil; literalmente, deveria ser traduzido por «a criança servia a YHWH, à vista de Eli, o sacerdote». É bem provável que o texto hebraico tenha sido deliberadamente alterado e que, com base na versão grega, fora reconstruído deste modo: «a criança servia aos olhos de YHWH diante de Eli, o sacerdote» (o que, por outro lado, corresponde à observação de 2,18)[42]. Tudo leva a crer que os massoretas desejavam evitar a eventualidade de algum tipo de alusão à existência de uma estátua divina[43]. Com efeito, o primeiro significado da raiz «s-r-t» é «cuidar», servir no sentido concreto[44]. Tal como assinalou Claus Westermann, «este serviço a YHWH refere-se a um objecto concreto […]. Se alguém “serve” a um deus, serve uma estátua, tal como sucede no Egipto»[45]. A função de Samuel, por conseguinte, teria consistido na «manutenção» da estátua de YHWH, no santuário de Siló. Partindo desta constatação, podemos interrogar-nos se a expressão «manter-se diante de YHWH para o servir», que está no livro do Deuteronómio (10,8) com a finalidade de especificar a função dos levitas, reflecte também este significado de cuidar da sua estátua[46].

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Em suma. Em Israel, na sequência do golpe de Estado dirigido por Jeú, YHWH passou a ser definitivamente a divindade mais importante. YHWH tinha sido venerado no Norte sobretudo como um «baal», ou seja, um deus do trovão, da tempestade, o que fazia recordar certos aspectos do deus Baal de Ugarit. Não foi o único deus venerado em Israel; é provável que, no princípio, estivesse subordinado a «El» (sobretudo no santuário de Betel). Sob o domínio dos omeridas fomentava-se a competição entre os “baalim”: o baal fenício (quiçá Melkart) e o baal YHWH. Depois, YHWH parece ter incorporado traços característicos de «El», bem como caraterísticas ‘solares’: YHWH passou a ser um “baal shamen”, um «Senhor do céu». Até à queda da Samaria no ano 722 a.e.c., o culto a YHWH não era exclusivo, tal como o demonstra o prisma de Nimerod (Gn 10,9), em que Sargão II relata a tomada da capital do reino do Norte: «Fiz prisioneiras 27 280 pessoas, bem como seus carros e os deuses em que acreditavam».



Thomas Römer, «La invención de Dios», Sígueme, Salamanca 2022, pp. 121-142.

[1] Nesta data os assírios, que já haviam anexado uma parte de Israel uns dez anos antes, destroem a Samaria, deportam uma parte significativa da sua população e integram o resto do antigo reino dentro do mapa das províncias assírias, todas submetidas ao mesmo ‘sistema político assírio’.

[2] Em hebraico, a expressão «’ôlãm» designa uma duração temporal muito longa [«longa vida», «vida em abundância»], mas sem conotação com o conceito grego de “eternidade”.

[3] Revisitaremos mais tarde estas “inscrições” no decurso desta investigação.

[4] M. Weippert, «Synkretismus und Monotheismus. Religionsinterne Konfliktbewältigung im alten Israel», em J. Assmann – D. Harth (dirs.) “Kultur und Konflikt”, Frankfurt am Main 1990, 143-179.

5  As cartas numeradas 252-254. Cf. W. L. Moran – D. Collon – V. Haas, «Les Lettres d’El-Amarna: correspondence diplomatique du pharaon», Paris 1987.

[6] E. Arie, «Reconsidering the Iron Age II strata at Tel Dan: archeological and historical implications»: Tel Aviv 35 (2008) 6-64.

[7] E. A. Knauf, “Bethel”, «Die Religion in Geschichte und Gegenwart» 1 (41998), col. 1375-1376.

[8] Números 23,22; 24,8. Curiosamente neste texto fala-se de “El” e não de YHWH. Já que se trata de um texto recente, «El» pode simplesmente significar «Deus»; é provável que se tivesse querido evitar colocar o Tetragrama nos lábios de um profeta pagão.

[9] S. Timm, «Die Dynastie und Untersuchungen zur Geschichte Israels im 9. Jarhundert vor Christus», Göttingen 1982, 32-33.

[10] D. Jericke, «Regionaler Kult und lokaler Kult: Studien zur Kult-und Religionsgeschichte Israels und Judas im 9. und 8. Jahrhundert v. Chr», Wiesbaden 2010, 90-91.

[11] A sua descoberta suscitou o aparecimento de uma série de falsas inscrições a quais passaram a ser denominadas de «Moabítica». Nos finais do século XIX numerosos investigadores, sobretudo alemães, suspeitaram que a própria estela fora obra de um falsificador por conter algumas expressões (particularidades da locução) muito afins a expressões bíblicas.

[12] A tradução (que vivamente se recomenda) retoma amplamente a que está disponível em francês na Wikipédia (Consulta a 20-12-2023):

https://fr.wikipedia.org/wiki/St%C3%A8le_de_Mesha

[13] Esta expressão significa que Israel anexara para si o território moabita.

[14] No ciclo de «Baal e a morte» riem-se dele por pretender o trono de Baal, para o qual é demasiado insignificante; é provável que se trate de uma divindade do deserto associado a situações de seca.

[15] Para mais detalhes, cf. Thomas Römer, «L’énigme de ‘Ashtar-Camós dans la stèle de Mésha», in I. Finkelstein et al. (eds.), “Alphabets, texts and Artefacts in the Ancient Near East Studies presented to Benjamin Sass”, Paris 2016, 385-394.

[16] «O altar do fogo («hã’ãri’el») tinha doze côvados de comprimento, por doze de largura, formando assim um quadrado» (Ezequiel 43,15-16).

[17] J. e W. Röllig, «Handbuch der altherbräischen Epigraphik 1», Darmstadt 1995, 79-110.

[18] KTU 1.3 II 40.

[19] O salmo 68,5, que na sua forma massorética usa a expressão «rõkeb bã ‘ãrãbôt» (“cavalgador das estepes”) talvez reflicta o título original de «rkb b ‘rpt (be ‘ãrapôt)» ou «b ‘abot (be ‘ãbôt)» “cavalgador das nuvens” que o salmista mudara propositadamente, mas que os redactores posteriores teriam censurado.

[20] A «estepe santa», que também está referenciada em Ugarit – no mito de Shahar e Shalimu (deus da aurora e do crepúsculo) − passou a ser, no texto massorético, o «deserto da Cadés».

[21] J. Briend, «Traités et serments dans le Proche-Orient ancien», Paris 1992, 65-67.

[22] Cf. a este respeito D. Nocquet, «Le Livre noir de Baal. La polémique contre le dieu Baal dans la Bible hébraïque et dans l’ancien Israël», Genève 2004, 291-292, 295.

[23] Segundo M. Weippert, «Historisches Textbuch zum Alten Testament», 475.

[24] Juizes 2,13; 16,6; 1 Samuel 7,3-4. Estes textos usam as duas expressões (baal e astarté) sempre no plural. Ou seja, são duas expressões - baales e astartés – com uma função genérica, o que, por isso mesmo, permite que sejam aplicadas indiferentemente a qualquer divindade estrangeira (‘baal’, se for divindade masculina, ‘astarté’, se for feminina).

[25] Cf. D. Nocquet, «Le Livret noir de Baal».

[26] Diz-se frequentemente que a palavra «tisbita» se refere à localidade de onde era originário. Tal lugar é desconhecido. Poderá tratar-se de um jogo de palavras a partir da palavra «toshab» que quer dizer igual a um meteco, igual a uma pessoa sem direitos políticos, que nada possui de seu, muito dependente dos outros.

[27] Infelizmente, contamos com muito poucos dados sobre a mitologia fenícia.

[28] F. Briquel-Chatonnet, «Les Relations entre les cités de la côte phénicienne et les royaumes d’Israël et de Juda», Lovain 1992, 306-309.

[29] Este relato é modificado no capítulo seguinte (1 Rs 19), o qual se trata de um acrescento muito posterior. Neste acrescento YHWH não se manifesta nem no fogo nem na tempestade nem no terramoto, mas num murmúrio de uma suave brisa (1 Reis 19,12).

[30] Esta é a mesma expressão que encontramos na estela de Mesa e que aqui designa dar a morte em honra de YHWH por este ter sido profanado pelo culto a outros deuses.

[31] «Profetas de Baal» só surge na Bíblia Hebraica em 1Reis18 e 2Reis19.

[32] Refere-se a um recipiente de base estreita em forma de pico.

[33] Jacques Briend & Marie-Joseph Seux, «Textes du Proche-Orient ancien et histoire d’Israël», CERF, 89-90.

[34] H. Niehr, «Ba’alsamem: Studien zu Herkunft, Geschichte und Rezeptionsgeschichte eines phönizischen Gottes», Lovain 2003.

[35] O. Keel – C. Uehlinger, «Dieux, déesses et figures divines», selo nº 212b.

[36] B. Sass, «The pre-Exilic Hebrew seals: iconism vs. aniconism», em B. Sass – C. Uehlinger (dirs.), «Studies in the Iconography of Northwest Semitic Inscribed Seals», Fribourg-Göttingen 1993, 194-256, selo nº 141. (Cf. artigo de André Lemaire com desenhos de ‘selos’ nas páginas 22-26…)

[37] No texto massorético, lemos: «Os teus julgamentos: uma luz surgirá», ao passo que, na versão grega, temos a versão original: «Os meus julgamentos são como a luz».

[38] Para mais detalhes, cf. C. Uehlinger, «Anthropomorphic cult statuary in Iron Age Palestine and the search for Yahweh’s cult images», in K. van der Toorn (dir.), The Image and the Book. Iconic Cults, Aniconism, and the Rise of the Book Religion in Israel and the Ancient Near East», Lovain 1997, 124-128.

[39] As cidades “concorrentes” são: Samaria, Hamat, Qarqar. O relevo de Senaquerib representa a tomada de Ascalon.

[40] 1 Reis 12; Êxodo 32; o livro de Oseias.

[41] A. Mazar, «The ‘Bull Site’ – An Iron Age I open cult place»: Bulletin of the American Schools of Oriental Research (1982) 27-42.

[42] Texto massorético: hanna’ar hãyãh mêsãrêt ‘et-yhwh ‘et-pênê ‘eli hakkõhên; texto reconstruído: na’ar hãyãh mêsãrêt ‘et-pênê yhwh lipnê ‘êli hakkõhên.

[43] J. Hutzli, «Die Erzählung von Hanna und Samuel», 81.

[44] Em Ezequiel 20,23 e 44 surge a mesma raiz para expressar o culto rendido a estátuas de outras divindades.

[45] C. Westermann, «Srt – dienen», in Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament II (1984), col. 1019-1022, aqui 1020.

[46] Esta hipótese pode ser sustentada de duas maneiras. Ao nível da crítica textual, constatamos que a Septuaginta suprimiu o sufixo no final do verbo e traduziu genericamente: «para exercer o serviço», o que pode dar a entender o propósito de apagar toda e qualquer alusão a uma estátua. Por outro lado, o mesmo se passou com outros textos do Deuteronómio, que evocam a função dos levitas, os quais também alteraram a expressão. Os versículos 18, 5.7 e 21,5 falam de servir «o nome» ou «em nome» de YHWH. Portanto, o versículo 10,8 terá escapado à censura…