teologia para leigos

22 de maio de 2014

SEXUALIDADE, TEOLOGIA E ÉTICA [J.MASIÁ]

BIOÉTICA, SEXUALIDADE E CRENÇAS





(…) Num grupo de estudos sobre bioética e teologia discutíamos certos documentos acerca da dignidade humana, protecção da vida e tecnologias da reprodução: eram duas declarações da Congregação para a Doutrina da Fé, Donum vitæ (1987) e Dignitas personæ (2008). A tertúlia suscitou uma série apreciável de comentários e perguntas, que se podiam agrupar em dois blocos principais: umas, provenientes daqueles que assentiam com o conjunto de valores, princípios e critérios gerais propostos por tais documentos; outras, as que vinham daqueles que dissentiam sobre a maior parte dos julgamentos, soluções e respostas − respostas concretas e assertivas − para cada dilema ético.

Entre os participantes na tertúlia, um grupo de monitores de educação moral provenientes de colégios do ensino secundário, perguntavam: Quais os critérios para abordar a ética das relações, da sinceridade dos sentimentos e dos desejos? A pergunta menciona duas palavras-chave da ética: relação e sinceridade. As questões éticas relacionadas com a sexualidade enquadram-se no âmbito daquilo que poderíamos chamar uma ética das relações humanas. Como já disse, nunca me convenceram os títulos dos livros ou das disciplinas com nomes tais como «moral sexual» ou «ética da sexualidade». Nesta ética, há três perguntas fundamentais que cada pessoa que se relacione intimamente com outra deve colocar a si mesmo e responder por si: a) Sou sincero comigo mesmo, nesta relação? b) Sou sincero e leal para com a pessoa que constitui o outro pólo da relação? c) Sou responsável pelas consequências que podem advir do modo como esta relação se desenrola?

Respondendo de um modo assim muito geral, era previsível que alguém, não sem antes olhar de soslaio para o ideário das instituições confessionais, se perguntasse: Do ponto de vista do percurso educativo, será correcta a moralização dos rapazes e das raparigas?

Não sei se quem faz a pergunta utiliza a palavra «moralização» num sentido bom e positivo. Se pretende dizer que devem ser ajudados e acompanhados no seu caminho de crescimento de modo a que passem duma moral infantil à moral dos adultos, da moral aprendida na infância (heterónoma) a uma moral apropriada pessoalmente (autónoma), então a resposta é afirmativa. Mas, se por «moralização» se entende fazer doutrinação moralista (sem deixar pensar e sem deixar crescer), ou seja, «moralismo» no sentido pejorativo − meter, «a partir de fora» e «a partir de cima», uma moral de mandamentos e proibições − a resposta é que não devemos fazê-lo, porque isso equivaleria a impedir o seu crescimento racional e responsável. Há que evitar dois extremos: a «ética de apenas travão» e a «não-ética de só acelerador». Convém, pelo contrário, continuando com a comparação automobilística, que a pessoa educadora maneje o volante e as mudanças, limitando-se ao papel de acompanhante no lugar do co-piloto.

(…)

Os participantes em debates, que querem a todo o custo respostas específicas, sobretudo quando se trata de questões controversas no seio de instituições educativas confessionais, costumam descer ao terreno do concreto. Nada de espantar que alguém pergunte à queima-roupa: Porque é que a Igreja permite os métodos anticonceptivos naturais e não outros, tais como, por exemplo, o preservativo, quando a finalidade é a mesma?

Diante de perguntas deste tipo, há que ser muito directo. O papel das igrejas não é permitir ou proibir o uso de recursos profilácticos ou anticonceptivos. Quanto a este assunto, existem muitos mal-entendidos. Quer os chamados «métodos naturais» (usados, quiçá, com muito pouca «naturalidade»), como os chamados «métodos artificiais» podem ser usados responsável e irresponsavelmente.

É verdade que, habitualmente em muitas explicações, se deu a entender que a suposta posição da moral católica era de permitir os métodos impropriamente denominados «naturais» e de recusar os, inexactamente, qualificados de «artificiais». Sejamos mais precisos. Os métodos denominados, com ligeireza, «naturais» não são, frequentemente, tão naturais assim. Existe também muita confusão acerca do uso de expressões como «natural» ao referir-se aos métodos de regulação da concepção. De facto, os assim chamados «métodos naturais» podem ser utilizados de um modo muito antinatural. E, pelo contrário, os chamados «métodos artificiais» não se entende porque devem ser considerados antinaturais. O que é decisivo não é discutir se um determinado método é artificial ou não, mas perguntar se o seu uso é racional e responsável, no contexto duma boa relação de amor e respeito mútuo dentro do casal.

Também existem mal-entendidos a propósito dos procedimentos a empregar após uma violação, ou situações equivalentes, com a finalidade de prevenir a implantação de um óvulo fecundado. Esses procedimentos não devem ser considerados como abortíferos, mas como anti-traceptivos (mais correctamente, deveria falar-se de «intercepção»). O mesmo deve dizer-se do uso dos dispositivos intra-uterinos (DIU) ou da anticoncepção pos-coital de emergência, a chamada «pílula do dia seguinte».[1] Ao abordar estes assuntos no contexto duma sociedade secular e pluralista, a teologia moral católica deveria ter cuidado e não esquecer a sua situação minoritária dentro de uma sociedade plural, tanto no âmbito cultural como no religioso. É imperioso oferecer argumentos com capacidade persuasiva para aqueles que não comunguem do mesmo ponto de vista acerca da vida.

Seja como for, é importante separar o tema dos anticonceptivos do tema do aborto. Na verdade, os mal-entendidos provocados por colocar o problema do aborto ao mesmo nível que a anticoncepção causou bastante dano. Numa paróquia ao sul do Japão, aconteceu-me o seguinte. Uma mãe de família, de cerca de 30 anos, fora baptizada como católica pouco antes da sua boda com um católico "de nascença", educado à moda antiga. Ambos provinham de um ambiente muito tradicionalista. Na região donde eles provinham, haviam-lhes falado da anticoncepção e do aborto como se tratassem de realidades idênticas. Quando se mudaram para outra cidade começaram a frequentar uma paróquia de ambiente distinto. Procurando saber mais acerca do uso do preservativo, receberam como resposta: «É um mal menor, preferível ao aborto, já que é um pecado menor.» No final da minha conferência, esta mãe de família perguntou-me o que é que eu pensava desta resposta. Disse-lhe: «Porquê chamar mal menor ou pecado mais pequeno ao que nem é mal nem pecado?» Quer a mulher que me fez a pergunta, quer as restantes mulheres, mexeram-se nos seus lugares. «Será que se pode dizer tal?», comentavam entre si. E, a partir de então, começaram a fazer mais perguntas, tendo a reunião durado até às tantas. Por fim, uma das assistentes à conferência disse: «Obrigado por esta oportunidade. É que, se aquilo que aqui viemos ouvir nos fosse dito há doze anos atrás, não teria sofrido, inutilmente, durante tanto tempo no meu matrimónio». Precisamente por isso, para evitar este tipo de mal-entendidos, convém não colocar ao mesmo nível o aborto, a esterilização, a anticoncepção e a intercepção. Algumas formas de falar de alguns moralistas cristãos, as quais inclusivamente se espelharam na redacção de alguns documentos eclesiásticos e em certas exortações papais, contribuíram, lamentavelmente, para tais equívocos.

A quem pergunta o que dizer acerca do uso de anticonceptivos quando um dos esposos é portador do vírus da SIDA, dever-se-ia responder, sem sombra de dúvida, que não só é recomendável, como é necessário e, até, obrigatório. Dizia-o taxativamente o Cardeal Martini numa sua entrevista ao diário L’Expresso, em Abril de 2006. Acerca desta questão, seria obrigatório, inclusivamente, dissentir sempre que uma autoridade eclesiástica dissesse o contrário.

Perguntam os funcionários sanitários de uma instituição hospitalar confessional, que tiveram problemas com a hierarquia eclesiástica: «Até que ponto é moralmente correcto informar acerca dos métodos que podem provocar a interrupção duma vida, como por exemplo é o caso da pílula do dia seguinte

Devemos esclarecer que não só é correcto como recomendável a fim de evitar o aborto, ainda que esta recomendação deva ir acompanhada das informações médicas e psicológicas devidas e correctas. A pílula do dia seguinte, os dispositivos intra-uterinos e os procedimentos (lavagens vaginais, etc.) a que, por exemplo, se recorre após uma violação ou situação equivalente, não são abortivos, mas interceptivos. Interromper, responsavelmente (com razões justificadas), um processo que visa a constituição de uma vida humana individual e pessoal (mas que, entretanto, ainda não ocorreu) não é a mesma coisa que abortar essa vida já constituída.

As afirmações, levianas, produzidas em algum artigo pseudo-científico e pseudo-ético duma publicação eclesiástica qualquer, unidas a outras afirmações igualmente superficiais proferidas por parte dum porta-voz episcopal, alarmam o público (…).

Juan Masiá Clavel, sj

[42 pp.]







[1] A pílula pos-coital administrada antes da implantação não é abortiva, mas interceptiva. Uma vez produzida a implantação, deixa de ser efectiva e, portanto, deixa de ter sentido a sua administração; nesse caso, não seria abortífera. «Existem evidências suficientes para determinar que estes fármacos, com excepção da mifepristona (RU-486), não exercem nenhum efeito sobre a gravidez, uma vez produzida a implantação no endométrio. Por essa razão, não é necessário proceder à realização do teste de gravidez antes de prescrever um anti-conceptivo de emergência» (cf. «Guía para las decisiones clínicas de anticoncepción de emergencia en los centros de la Orden hospitalaria San Juan de Dios de la provincia de Castilla», 2005, p. 6).



7 de maio de 2014

«LEI NATURAL» [CASTILLO]

«Antes do século XIII, quando a distinção entre a ordem natural e a ordem sobrenatural não estava claramente elaborada, a lei natural era geralmente assimilada pela moral cristã. Assim, o decreto de Graciano, que forneceu a norma canónica básica no século XII, inicia-se assim: “A lei natural é o que está contido na Lei e no Evangelho”. Depois, ele identifica o conteúdo da lei natural com a regra de ouro” e precisa que as leis divinas correspondem à natureza.
Os Padres da Igreja recorreram, portanto, à lei natural e à Sagrada Escritura para fundamentar o comportamento moral dos cristãos; mas o Magistério da Igreja, nos primeiros tempos, teve pouco a intervir para resolver as disputas sobre o conteúdo da lei moral.

Quando o Magistério da Igreja foi impelido não somente a resolver discussões morais particulares, mas também a justificar sua posição ante um mundo secularizado, ele apelou mais explicitamente à noção de lei natural. É no século XIX, especialmente sob o pontificado de Leão XIII, que o recurso à lei natural se impõe nos actos do Magistério. A apresentação mais clara encontra-se na Encíclica Libertas praestantissimum, de 1888. Leão XIII refere-se à lei natural para identificar a fonte da autoridade civil e fixar seus limites. Ele recorda com veemência que é necessário obedecer antes a Deus do que aos homens, quando as autoridades civis mandam ou reconhecem alguma coisa que é contrária à lei divina ou à lei natural. Mas ele também recorre à lei natural para proteger a propriedade privada contra o socialismo ou, ainda, para defender o direito dos trabalhadores de buscar, através do trabalho, o que é necessário para o sustento da própria vida. Nessa mesma linha, João XXIII, na Encíclica Pacem in terris, de 1963, se refere à lei natural para fundamentar os direitos e deveres do homem. Com Pio XI, na Encíclica Casti connubii, de 1930, e Paulo VI, na Encíclica Humanae vitae, de 1968, a lei natural revela-se como um critério decisivo nas questões relativas à moral conjugal. (…).» [Comissão Teológica Internacional, Dez. 2008]

«Existem, em todas as culturas, singulares e variadas convergências éticas, expressão de uma mesma natureza humana querida pelo Criador e que a sabedoria ética da humanidade chama lei natural. Esta lei moral universal é um fundamento firme de todo o diálogo cultural, religioso e político e permite que o multiforme pluralismo das várias culturas não se desvie da busca comum da verdade, do bem e de Deus. Por isso, a adesão a esta lei escrita nos corações é o pressuposto de qualquer colaboração social construtiva.» [Caritas in Veritate, Bento XVI, nº 59[1]]

Esta «lei moral e universal» inscrita, por Deus, nos corações dos seres humanos serviu muitas estratégias (morais, políticas, etc.). No que diz respeito à moralidade do acto conjugal, extensamente se tornou numa moral católica casuística e «constituiu uma questão, na qual, de forma detalhadíssima e até quase mórbida, se determinaram, nos mais mínimos detalhes, os critérios (em relação às pessoas, circunstâncias de modo, de tempo e de lugar) a fim de que a intimidade conjugal fosse moralmente aceite»[2]. Um dos momentos ilustrativos do uso do conceito de «lei natural» para defesa de uma teologia desumana foi a publicação, a 31 de Dezembro de 1930, da encíclica Casti Connubbii, pelo papa Pio XI [entre 1922-1939]. Diz-se nela: «Porém, nenhuma razão, nem a mais grave poderá fazer com que algo que vai intrinsecamente contra a natureza se torne conforme à natureza e seja moralmente boa. Tendo em conta, portanto, que o acto conjugal se orienta, pela sua própria natureza, à procriação da prole, aquele que, ao realizá-lo, o prive deliberadamente da sua força e capacidade natural, actua contra a natureza e comete algo vergonhoso e intrinsecamente imoral (…). A nossa voz proclama mais uma vez: qualquer uso do matrimónio, em cujo exercício o acto fica privado da sua capacidade natural de procriar vida, viola a lei divina e natural, e aqueles que cometam um qualquer acto desta espécie ficam contaminados pela mancha do pecado grave»[3]. Era a reacção, «enérgica», à posição dos Bispos Anglicanos, na Conferência de Lambeth (1930), «em que pela primeira vez um importante grupo cristão decide publicamente pronunciar-se a favor da distinção entre o fim procriativo e o fim da união dos esposos no matrimónio». Dentro do contexto da abordagem do sacramento do matrimónio, e no âmbito do próximo Sínodo sobre a família, convém deixar no ar a questão deste conceito - a Lei Natural – aspecto que nunca foi bafejado pelo pendor “personalista” do Concílio Vaticano II (veja-se o caso Humanæ Vitæ), e que foi e ainda é um bastião obsessivo de vastos sectores católicos tradicionalistas, que aguardam pela sua vez para apontar baterias ao Papa Francisco. Diante da imensa bibliografia sobre o assunto, seria muita pretensão querer ir além duma simples nota de roda-pé…








A “Lei Natural”







Os comentários que os visitantes deste blogue fazem (“Teología sin censura[4]) recorrem frequentemente à “Lei Natural”. Dado ser um assunto a que alguns dão muita importância, pareceu-me que podia ajudar os leitores se se esclarecessem algumas questões relacionadas com essa lei.



Antes de mais, o elementar: em todos os Manuais de filosofia e de ética (nos manuais que abordam esta questão), o que eles começam por deixar bem claro é que lei “natural” não é a mesma coisa que lei “positiva”. A lei “natural” (se é que existe lei natural) é aquela que está inscrita na natureza do ser humano, de tal modo que todo o ser humano, pelo simples facto de ser um “ser humano”, carrega consigo tudo aquilo que é “natural” num ser humano, por exemplo, respirar, ter fome, sofrer, morrer, etc. A lei “positiva” é aquela que brota, não da natureza humana, mas da “autoridade” (religiosa, civil, militar, etc). Se a autoridade é religiosa, a lei não é alcançável pela “natureza”, mas pela “fé” (pelo “acreditar”). O acto religioso nunca é (nem nunca poderá ser) uma “necessidade natural”: será sempre uma “crença livre”. Se deixa de ser livre deixa de ser meritório e, nesse caso, deixa de ser religioso. Portanto, não se pode afirmar que os “Dez Mandamentos” pertencem à lei natural. Os Dez Mandamentos pertencem à Lei de Moisés e sempre assim o sentiram os israelitas, e de nada vale dizer que foi Deus que ditou essa lei a Moisés. Para além de essa afirmação necessitar de ser explicada, aqueles que acreditam que esses Mandamentos foram ditados por Deus a Moisés, acreditam através dum “acto de fé” e não através duma “necessidade da natureza”, a qual, por definição, é idêntica para todos, quer para os crentes israelitas, quer para os habitantes da Austrália ou da Patagónia.



Não vou explanar as numerosas e complicadas definições que foram dadas da “lei natural”, desde Aristóteles passando por S. Tomás de Aquino até aos incontáveis comentários que se escreveram à volta do Concílio Vaticano II a propósito da Humanæ Vitæ, de Paulo VI. Aquilo que quero deixar bem claro é que a própria ideia de “Lei Natural” acarreta consigo, como pressuposto, que existe uma natureza comum e essencial que é igual em todos os seres humanos, independentemente das condições históricas e culturais. Quando se trata de questões “naturais”, como por exemplo, as questões biológicas básicas, isso é mais que evidente. Porém, será possível dizer o mesmo das exigências da moral católica, quando esta se refere, por exemplo, ao matrimónio monogâmico, indissolúvel e sempre aberto à vida, a proibição taxativa de abortar seja em que circunstância for, à pecaminosidade da masturbação ou a uma eventual possibilidade de uma união homossexual?



Como forma de resposta, coloco apenas esta questão. Quer a antropologia, quer a paleontologia ou a biologia demonstraram que a espécie humana, a qual «alcançou o tipo de inteligência necessária para estabelecer uma civilização», existe desde há mais ou menos cem mil anos (E. Mayr, in Bioastronomy News, 7, nº3, 1995). Destes cem mil anos, apenas conhecemos, através da História, uns cinco mil anos. Isto quer dizer que os seres humanos viveram neste mundo seguramente 95.000 anos sem que saibamos o que quer que seja acerca do modo como viveram e menos ainda quais as ideias morais que esses nossos antepassados longínquos e desconhecidos tiveram.



Ora, se existe a chamada “lei natural” – e essa lei inclui tudo aquilo que os livros de moral ensinam, tal como não poucos catecismos – então, há que supor que todas as pessoas que habitaram este planeta Terra desde há cem mil anos achavam e pensavam que era má e perversa a fornicação fora do matrimónio – matrimónio que, aliás, não se restringia à união entre um homem e uma mulher, matrimónio como compromisso indissolúvel e sempre aberto à procriação de vida – que a masturbação era uma coisa antinatural, tal como as relações homossexuais, isto já para não falar de proibições da moral católica mais subtis, tais como os maus pensamentos, os olhares concupiscentes e os desejos pecaminosos.



Caso levemos a sério a existência da lei natural, então, temos que levar a sério também as suas consequências. Porém, será possível levar a sério que, os homens e as mulheres de há 50.000 ou 70.000 anos, quando copulavam ou se acasalavam para procriar ou simplesmente para satisfazer um instinto natural, tinham em mente tudo aquilo que os moralistas católicos dizem e que, “segundo a lei natural”, é mandatório? “Natural” é comer e dormir. Por isso, as pessoas de há milhares de anos comiam e dormiam, como o fazem hoje em dia os indivíduos das tribos amazónicas, africanas e o fazemos nós, os da Europa ou os da Ásia. O mesmo acontece quando nos pomos a discorrer acerca das propostas éticas de Sófocles ou Aristóteles, de Cícero ou Lactâncio, de Tomás de Aquino e F. Suarez, dos manuais de Arregui e Zalba, dos catecismos de antes e depois do Concílio…



Eu aconselharia, tão só, que, quando falamos de temas que têm uma longa e complicada história, pelo menos, que nos informemos como deve ser antes de falar.



José M. Castillo










Será possível, a Lei Natural, ser uma só

em todas as partes do mundo?



Por Juan Ramón Corpas, Universidad de Navarra




A Lei Natural, antes de mais nada, é abstracta: não é possível definir os seus preceitos de um modo concreto na medida em que, então, perderia todo e qualquer valor. Aceito que digam que isto que acabo de afirmar é uma barbaridade. Porém, desafio quem quer que seja a tentar pôr por escrito um a um os elementos categóricos dessa lei. Não chegaria à conclusão de que teria, afinal, redigido apenas um Código Moral? Código, afinal de contas, sem valor universal, na medida em que não seria aceite a não ser por uns quantos, e mesmo entre esses, geraria discussão em virtude da multiplicidade de pontos de vista interpretativos da dita Lei?



Diz-se que a Lei Natural é universal e imutável. A Lei Natural consiste num conjunto de preceitos, filhos da razão, que nos dizem como devemos agir em cada situação. Antes de mais nada, convém dizer que não estamos perante questões de física ou química, e que não é o mundo material que define a Lei Natural ou lhe confere a razão de ser. Isso seria cair na falácia naturalista. Também se dirá (…).










[2] Marciano Vidal, «El Matrimonio – entre el ideal cristiano y la fragilidad humana», Desclée De Brouwer 2003, p. 67. Por exemplo, da teologia de Pedro Lombardo [séc. XII] rapidamente se concluiu que quase em nenhum dia da semana se poderia ter relações sexuais, mesmo que com fins meramente reprodutores. Proibidas «ao domingo, por se comemorar a ressurreição do Senhor; às segundas-feiras, por ser dia consagrado aos defuntos; às quintas, por se comemorar a Paixão de Jesus; às sextas, por causa da sua morte; aos sábados, para honrar a Virgem». Ibid., p.55.
[3] AAS 22 (1930) 559-560.

3 de maio de 2014

FAMÍLIA CRISTÃ [L. BOFF]

A família entre utopia e realidade:
- uma reflexão teológica







«(..) Quando confrontamos, entretanto, a família humana com a Família divina que é a SS. Trindade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo e a sagrada família de Nazaré, de Jesus, Maria e José, estas contradições que referimos saltam aos olhos. O risco é a produção de um discurso paralelo: exaltar, por um lado, as excelências da Família Divina e da Sagrada Família de Nazaré e apontar e, por outro, as mazelas da família humana, sem um real confronto entre elas.








«Outro risco, mais frequente na produção escrita e falada dos cristãos é apresentar, por cima das cabeças, a utopia cristã da família, sem tomar a sério os desafios que vêm da família actual, sob a pressão violenta de transformações de toda ordem que ocorrem na sociedade, nas formas dos relacionamentos humanos e de coabitação entre pessoas que querem viver juntas. O discurso cristão, então, soa irrealista, sem responder às demandas reais dos cristãos.






«A nossa reflexão procura manter a dialéctica entre o utópico e o real contraditório. Partiremos dos desafios do real para, então, confrontá-lo com o utópico. Desta forma, esperamos fazer justiça às duas dimensões e estaremos em condições de criar espaço para inspirações que incentivam a criatividade face à realidade histórico-social que somos obrigados a sofrer e a viver. (…)»

L. Boff
[contribuição para o Inquérito Papal, antes do Sínodo dos Bispos_2014, sobre A FAMÍLIA]




[Ilustração a partir de «UM LIVRO PARA TODOS OS DIAS», Ed. Planeta Tangerina, ISBN 972-99410-0-9; Tlf.: 214 680 844; e-mail: p.tangerina@netcabo.pt]