teologia para leigos

30 de outubro de 2011

AUTORIDADE DA HIERARQUIA, DEMOCRACIA E DEUS

31º Domingo do Tempo Comum – o Domingo que «sugere» que arranquemos/rasguemos algumas páginas ao Código do Direito Canónico da Igreja Católica…





Como é possível ouvir Ler o Evangelho de hoje – este pedaço de Mateus 23:1-12 – e continuar a assistir a certas coisas como se nada fosse?

Vejamos.

À medida que vamos lendo, sem interrupções, o evangelho de Mateus, vamo-nos dando conta dum crescendo no conflito «de vida ou de morte» entre o sonho de Jesus (que Ele diz ser também «o sonho de Deus-Pai») e os projectos da Hierarquia religiosa do seu tempo. O cap. 18 dá-nos, a traços largos, como deve ser a «vida da Fé», a Vida Espiritual da Comunidade Cristã, mas no cap. 19 começa o enfrentamento que desembocará na morte, e morte ignominiosa de cruz (pelo meio há referência explícita à Paixão – «Jesus chamou os Doze à parte e disse-lhes: vamos subir a Jerusalém», 20:17).

Após «a derrota política do poder religioso de Jerusalém» [ano 70 d.C.], a religião oficial entra em desespero e busca denodadamente um futuro (para o judaísmo). Enceta-se um vivo debate público – os ânimos estão à flor da pele. Todos sabem que a exaltante experiência multi-secular da sua religião está prestes a acabar para sempre. O «padre» morreu, mandaram «fechar» a igreja e – suspeita-se! – todos tornar-se-ão «crentes em auto-gestão», crentes entregues a si próprios [vide: destruição do Templo e proibição do Sacerdócio em Jerusalém]. A Comunidade de Mateus entra também nesse debate, ao lado de muitos outros grupos.

Trata-se de entender este fortíssimo ataque verbal «de Jesus» contra escribas e fariseus. Stanton [«Origin and Purpose», 1906-8] interpreta-o como «recados para dentro» da Comunidade de Mateus. De facto, a Comunidade era uma miscelânea de pontos de vista judaicos que, à época, fervilhavam na Sinagoga de Antioquia. De facto, estava em questão a autoridade dentro da Comunidade. Neste domingo lemos, apenas, metade da narrativa – aquela que se dirige às multidões e aos discípulos (v.1).

De entre todos os versículos (que são 13), destaco apenas alguns.

O v.2 - «sentam-se na cátedra de Moisés» - não se refere à «função magistral» de interpretar as Escrituras. Jesus por mais de uma vez havia contestado a legitimidade da elite religiosa a esse respeito [9:10-13; 12:1-14; 15:1-20; 16:1-12; 15:13-14; 19:3-12; 21:33-34] – o ensino da elite religiosa carecia de autoridade: Mt 7:29! Não faria sentido Jesus «voltar à vaca fria»…

«Sentar-se» [M.A.Powell] significa «exercer a autoridade». Ou seja, o que está em causa é o modo «como se governa» a comunidade. Numa Comunidade teologicamente pobre (“analfabeta”), o que é colocado em julgamento é o seguinte:

(1º) O que é que a autoridade instituída na Comunidade faz (ou não fez) para que os crentes possam falar das razões do seu acreditar?

(2º) Como é que a autoridade instituída na Comunidade avalia, ao longo da sua caminhada, o crescimento da Fé dos seus crentes?

 Quando a autoridade (por exemplo, dum Padre) se alicerça no «seu» poder (poder que lhe é conferido por «um Código» do Direito Canónico), esse Padre fica ferido de morte pela condenação que Jesus faz no Evangelho deste domingo.

Em certos e determinados momentos de aceso debate público no seio da Comunidade (como era o caso da Comunidade Mateana em Antioquia, por volta do final do 1º século), invocar o poder outorgado por um Código ou puxar pelos galões de «Pai-da-comunidade» ou de «Teólogo-da-comunidade» ou de «Presbítero-Guia» é anti-evangélico - Jesus diz-nos que isso fere de morte a Comunidade cristã.[v.12]

Seria saudável que, de quando em vez, os crentes redigissem o «livro branco» acerca da autoridade (ou do autoritarismo) entre as suas gentes! Na verdade, Jesus quis que fossemos todos iguais («irmãos», v.8) e que não houvesse distinção de nível social, de poder de decisão ou de qualquer tipo de supremacia (musculada, psicológica, subtil ou subliminar…).

Jesus quer que a Comunidade seja uma democracia em construção, verdadeira, contínua: para isso, há que respeitar as Regras Democráticas básicas… Como passar à Comunhão atropelando a democracia?

Os v. 5-7 – «a fim de se tornarem notados… ocupam os primeiros lugares nos banquetes e nas sinagogas» – Vem-me à mente a muito recente Jornada de Assis «Peregrinos da Verdade, Peregrinos da Paz», protagonizada pelo Papa Bento XVI, e que juntou 300 líderes religiosos.

Entre o mediatismo e o pitoresco da viagem colectiva em comboio desde a estação do Vaticano até à Úmbria, em que na carruagem do Papa foi também Rowan Williams, arcebispo anglicano de Cantuária, o patriarca ortodoxo de Constantinopla Bartolomeu I e o rabino David Rosen; para lá das 11 intervenções «antes da do papa» (como minuciosamente sublinhou o jornalista); para lá da ausência do imã da mesquita Al-Azhar, do Cairo («depois das suas relações com o Vaticano terem gelado por causa dos coptas», citação do jornal «Público», 27:X:2011, p.16); para além do espectáculo público, muito valorizado por todos, apesar de, desta vez, terem aparecido juntos apenas para os discursos e para a fotografia (os diversos líderes acabaram, depois, por rezar separadamente, não vá o Papa ser acusado de «sincretismo religioso»; Papa que se havia distanciado deste tipo de iniciativas há 25 anos atrás…); para lá da recusa do actual Papa em aceitar o convite para o debate com os não-crentes na sua própria Itália; para lá de tudo isto (que se sente «arrancado a ferros»); para lá dos mais que referidos, pela imprensa, «ataques contra os cristãos em todo o mundo» (OSCE), fica a pergunta de G. Bush aquando dos ataques às Torres Gémeas, pergunta que também devia ser dos cristãos: «porque será que nos odeiam tanto?» Enquanto esta pergunta não for devidamente respondida, qualquer tentativa de «Diálogo Inter-religioso» não passará de mera propaganda ou tentativa de «converter os outros a nós».

Tenho sérias reservas face à expressão «Processo de Diálogo Inter-religioso», na medida em que me cheira a tentativa de exercício de supremacia do Catolicismo sobre as outras manifestações religiosas [as relações entre as Igrejas Reformadas e a Católica Romana que o diga…].

O trabalho de Aloysius Pieris, sj, na Ásia (Sri Lanka) e o do padre Andrés Torres Queiruga («Diálogo de las religiones», em Santiago de Compostela, Galiza) distanciam-se, à velocidade da luz, das propostas do Vaticano e são fonte preciosa para a radicalização da Fé dos cristãos.

Diz A. Torres Queiruga: «a experiência cristã não é propriedade dos cristãos. É dom do Deus comum que foi emergindo e configurando-se num certo ponto da comunidade religiosa humana, mas que está intrinsecamente destinado a toda a humanidade (…)».

E, o jesuíta Aloysius Pieiris, a propósito da sua experiência de construção de pequenos grupos à base de membros provenientes de várias confissões religiosas, a que ele chama «comunidades humanistas de base» anti-sincretistas, anti-pluralistas, mas simbióticas: «O que acontece nas comunidades humanistas de base é uma verdadeira simbiose de várias religiões. Todas elas, estimuladas pela postura própria de cada uma com respeito às aspirações libertadoras dos pobres, e em especial por respeito à sétima característica da sua religiosidade cósmica (a que atrás se fez referência), redescobrem-se e reformulam-se quanto à sua especificidade como resposta à postura das outras.

«O que trato aqui de definir como a singularidade cristã na experiência das comunidades humanistas de base reflecte ao mesmo tempo o processo e o resultado de uma simbiose. É sinal da nossa conversão à especificidade da nossa própria religião (o cristianismo) tal como nos é apontado pelos adeptos das outras religiões. Se se quiser, isto pode ser designado por «diálogo inter-religioso».



[ver:  http://asaladecima.blogspot.com/ a 11 de Outubro de 2011]



Pergunto-me: pugnar por «preceitos religiosos pesados e insuportáveis, carregar os ombros dos outros com eles» e ter «protagonismo mediático» (Mt 23:4-7) não será querer «engrandecer-se» (v.12 - «querer ser exaltado»)?

Tenho sérias reservas quanto a este tipo de Diálogo Inter-religioso. Porque, como Jesus nos diz hoje no Seu Evangelho, «o maior é o que serve» no anonimato dos sem-nome-fiscal e «sem-voz-nos-media»


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29 de outubro de 2011

O PROJECTO DO REINO DE DEUS É REVOLUCIONÁRIO - «A LEI DO AMOR»

[Quantas dimensões tem esta Lei Nova? Piedade, Esmolas, Prática de Rituais Religiosos, Afabilidade, Orações, Missas, Acolhimento, Denúncia, Enfrentamento, Despojamento, Humildade, … Haverá prioridades, escalonamento de valores, ou vale tudo o mesmo?]




Qual é o maior mandamento da Lei?

Vilar de Arca_Cinfães
 
A comunidade de Mateus apresenta Jesus ensinando o maior mandamento em um contexto no qual os fariseus novamente o procuram, a fim de pô-lo à prova (Mateus 22,34-40). Assim já haviam feito ao armarem, junto com os herodianos, uma cilada em torno do pagamento dos impostos ao império romano, para apanhá-lo por alguma palavra (Mateus 22,15).

Tanto os representantes da religião oficial (fariseus), bem como os do império (herodianos), já se haviam dado conta de quanto era perigoso, para seus sistemas, o jeito de Jesus propor o Reino do Pai.

Ainda mais, depois de ele ter também calado a boca dos saduceus (Mateus 22,34). Os saduceus eram o partido judaico mais poderoso naquele momento, uma vez que aglutinava os que controlavam a religião a partir do templo (sacerdotes) e os que detinham o poder sobre o comércio em Jerusalém (anciãos). O projeto do Reino de Deus é revolucionário face a todos os sistemas, seja aos de ontem, seja aos de hoje, grandes ou pequenos, dentro ou fora de nós.

Desta vez, os fariseus partem para cima de Jesus com uma nova armadilha: Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? (Mateus 22,36). Então, Jesus faz a memória da centralidade do amor em toda Lei. Dessa forma, ao colocar no centro o amor a Deus e ao próximo, Jesus torna relativas todas as leis e as tradições. Elas somente estão conforme a vontade de Deus, caso tiverem como motivação primeira o amor. Assim, Jesus acusa os fariseus de traírem o projeto de Deus ao colocarem a letra acima do espírito da Lei. Incomodados pela acusação de Jesus, eles ficaram sem resposta e silenciaram. Porém, novamente se reuniram. Seria para preparar outra cilada? (Mateus 22,41). No entanto, agora é Jesus quem passa a desmascará-los, fazendo perguntas (Mateus 22,42) e acusações fortes contra os fariseus, incluindo também os doutores da Lei, os escribas (Mateus 23,1-36). Desse modo, ninguém podia responder-lhe nada. E a partir daquele dia, ninguém se atreveu a interrogá-lo (Mateus 22,46).

Jesus faz memória da Lei a fim de relativizá-la

Em que parte das Escrituras Jesus busca o espírito da Lei, o princípio do amor?

Para o primeiro mandamento, ele recorre a um dos livros da Lei judaica, o Deuteronômio (6,4-5): Amarás ao Senhor, teu Deus... É um amor intenso, isto é, com todo o nosso ser: coração, alma, força vital e mente.

 O segundo, ele o encontra em outro escrito do Pentateuco, o livro do Levítico (19,18): Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Também é um amor profundo, pois é amar o próximo tanto quanto amamos a nós próprios. Segundo Mateus 7,12, Jesus diz o mesmo em outras palavras: Tudo que desejais que as pessoas vos façam, fazei vós a elas. Pois esta é a Lei e os Profetas. Amar intensamente a Deus e o próximo é acolher de coração. É cuidar com corpo e com alma. É escutar com mente aberta. É solidariedade, força de vida...

O amor é o centro da vida nutrida em Deus, pois Deus é amor (1ª carta de João 4,8.16). Se andamos no caminho de Deus, vivemos o amor que gera vida, pois toda a Lei se resume neste único mandamento: ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo' (Gálatas 5,14; Romanos 13,9). Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da Lei (Romanos 13,10). Ao dizer que toda Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos (Mateus 22,40), Jesus torna todas as Escrituras relativas em relação ao amor. Somente este é absoluto.

 Os judeus mais piedosos haviam relacionado todas as leis do Pentateuco. Chegaram a catalogar 613 leis. Dessas, 365 eram proibições como, por exemplo, não matarás (Êxodo 20,13). E 248 eram leis afirmativas como lembra-te de santificar o dia de sábado (Êxodo 20,8). Uma quantidade tão grande de leis era difícil para o povo cumprir. De um lado, por não saber ler e, por isso, não conhecer toda a Lei em seus detalhes. De outro, por não ter, na luta pela sobrevivência diária, condições de cumprir a Lei em todos os seus pormenores.

 Segundo uma informação que encontramos no evangelho segundo João (7,47-49), os fariseus diziam que essa corja que ignora a Lei, são uns amaldiçoados. Isso revela que, para esses fariseus, as pessoas que não conhecem a Lei e, em consequência, não a cumprem são amaldiçoadas por Deus. E essa era a situação da maioria do povo pobre daquele tempo.

Apenas uma minoria se considerava abençoada por Deus pelo fato de saber e cumprir a Lei, bem como as tradições orais sobre o puro e o impuro. Ao dar valor relativo às inúmeras prescrições e ao colocar como único princípio o amor, Jesus abre a possibilidade aos pobres de também fazerem parte das bênçãos do Reino. Segundo os fariseus, por não conhecerem a Lei, estavam fora dessas bênçãos de Deus. Somente os fariseus se achavam poder ter direito a esse privilégio. Dessa forma, Jesus derruba os muros que impediam o acesso dos pobres ao Reino. E mais, alegra-se porque são justamente eles os que acolheram a Boa Nova, enquanto os que se achavam sábios e entendidos, porém, prisioneiros de inúmeras regrinhas, se fecharam ao projeto de Deus (Mateus 11,25). Assim, diante da dificuldade para cumprir tantas leis, Jesus propõe um caminho alternativo, o caminho do amor.



Caminhemos pela estrada do amor

O caminho do amor é um novo jeito de caminhar, é uma nova prática. Sua vivência não é algo abstrato, teórico, mas é um amor bem concreto. Antes de procurar um próximo para amar, importa tornar-se próximo através da solidariedade. É isso que a comunidade de Lucas nos quer lembrar ao acrescentar ao mandamento do amor a parábola do samaritano misericordioso (Lucas 10,29-37).

Ou, como recorda a comunidade de Mateus, ao insistir na prática da misericórdia: Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a criação do mundo. Pois tive fome e destes-me de comer. Tive sede e destes-me de beber. Estava sem tecto e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me (Mateus 25,34-36).

 A comunidade de João, diferentemente de Mateus, Marcos e Lucas, não separa em dois o mandamento de Jesus. Vai mais fundo e identifica o amor a Deus com o amor ao próximo: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros (João 13,34; 15,12.17). Se alguém disser: ‘amo a Deus', mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê (1ª carta de João 4,20).

Ó Deus de ternura e de bondade,
diante da crise em que os sistemas deste mundo se encontram,
permite-nos que teu amor nos conduza
na superação de todas as estruturas de morte
que ameaçam a vida no planeta e do planeta. Amém!

Ildo Bohn Gass, CEBI



OS 4 TÍTULOS QUE JESUS PROÍBE - COMO DEVE SER A COMUNIDADE CRISTÃ

[uma Comunidade que não pratique a democracia interna NUNCA acederá à Fraternidade… Existe ‘coerência’, igualdade de naturezas, entre ‘democracia’ e ‘fraternidade’. Impõe-se que haja comunicação (informação), democracia, comunhão]




Vilar de Arca_Cinfães




As aparências enganam

Jesus condena a incoerência



O evangelho para próximo domingo [30/10/2011] é o texto de Mateus 23:1-12, do qual faz parte a longa crítica de Jesus contra os escribas e fariseus (Mt 23,1-39). O presente artigo conduz à reflexão de que, o importante ao meditar estes textos, é descobrir que Jesus condena a incoerência e falta de sinceridade no relacionamento nosso com Deus e com o próximo. Ele está falando contra a hipocrisia de ontem e de hoje!



Situando

O texto deste Círculo faz parte da longa crítica de Jesus contra os escribas e fariseus (Mt 23,1-39) com que Mateus encerra a parte narrativa dos capítulos 19 a 23. Lucas e Marcos têm apenas alguns trechos desta crítica contra as lideranças religiosas da época. Só o Evangelho de Mateus traz o discurso todo. Este texto, tão severo contra os escribas e fariseus, deixa entrever como era violenta a polémica das comunidades de Mateus com as sinagogas daquela região.

Hoje, ao ler e comentar estes textos fortemente antifarisaicas devemos tomar muito cuidado para não sermos injustos com o povo judeu. Nós cristãos, durante séculos, tivemos atitudes antijudaicas e, por isso mesmo, anticristãs. O que importa ao meditar estes textos é descobrir o seu objetivo: Jesus condena a incoerência e falta de sinceridade no relacionamento nosso com Deus e com o próximo. Ele está falando contra a hipocrisia de ontem e de hoje!



Comentando


Mateus 23,1-3: O erro básico: «dizem mas não fazem»

Jesus se dirige à multidão e aos discípulos. Faz uma crítica aos escribas e fariseus. O motivo do ataque é a incoerência entre a palavra e a prática. Jesus reconhece a autoridade e o conhecimento dos escribas. "Estão sentados na cátedra de Moisés. Por isso, observai o que eles mandam! Mas não imitai suas ações, pois dizem, mas não fazem!"


Mateus 23,4-7: O erro básico se manifesta de várias maneiras

Os escribas impõem leis pesadas ao povo. Eles conhecem as leis, mas não as praticam, nem usam o seu conhecimento para aliviar a carga nos ombros do povo. Fazem tudo para serem vistos e elogiados, usam roupas especiais de oração, gostam dos lugares de honra e das saudações em praça pública. Querem ser chamados de "Senhor Doutor!"

Eles representam um tipo de comunidade que mantém, legitima e alimenta as diferenças de classe e de posição social. Legitima os privilégios dos grandes e a posição inferior dos pequenos. Ora, se há uma coisa de que Jesus não gosta é de fachada e de aparências que enganam.


Mateus 23,8-12: Como combater o erro básico

Como deve ser uma comunidade cristã? Todas as funções comunitárias devem ser assumidas como um serviço: "O maior entre você será aquele que serve!" A ninguém devem chamar ‘Senhor Doutor’ (Rabino), nem de Pai, nem de Guia. Pois a comunidade de Jesus deve manter, legitimar e alimentar não as diferenças, mas sim a fraternidade.

Esta é a lei básica: "Vocês todos são irmãos e irmãs!"

A fraternidade nasce da "experiência de que Deus é Pai, o que faz de todos nós irmãos e irmãs. "Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado!"


Alargando


O grupo dos fariseus

O grupo dos fariseus nasceu no século II antes de Cristo com a proposta de uma observância mais perfeita da Lei de Deus, sobretudo das prescrições de pureza. Eles eram mais abertos às novidades do que os saduceus. Por exemplo, aceitavam a fé na ressurreição e a fé nos anjos, coisa que os saduceus não aceitavam. A vida dos fariseus era um testemunho exemplar: rezavam e estudavam a lei durante oito horas por dia, trabalhavam durante oito horas para poder sobreviver, faziam descanso e lazer durante oito horas. Por isso, tinham grande liderança junto do povo. De fato, eles tinham um excelente trabalho popular e ajudaram o povo a conservar sua identidade e a não se perder, ao longo dos séculos.

A mentalidade chamada farisaica

Com o tempo, porém, os fariseus se agarraram ao poder e já não escutavam os apelos do povo nem deixavam o povo falar. A palavra "fariseu" significa "separado". A observância deles era tão estrita e rigorosa, que eles se distanciavam do comum do povo. Por isso, eram chamados de "separados". Daí nasceu a expressão "mentalidade farisaica". É de pessoas que pensam poder conquistar a justiça através de uma observância estrita e rigorosa da Lei de Deus. Geralmente, são pessoas medrosas, (inseguras) que não têm coragem de assumir o risco da liberdade e da responsabilidade. Elas se escondem atrás das leis e da(s) autoridade(s). Quando estas pessoas alcançam uma função de mando, tornam-se duras e insensíveis para esconder a sua imperfeição.


«Rabino», «Guia», «Mestre», «Pai»


São os quatro títulos que Jesus proíbe a gente de usar. Hoje, na igreja, os sacerdotes são chamados de "pai" (padre). Muitos estudam nas universidades da igreja e conquistam o título de "Doutor" (mestre). Muita gente faz direção espiritual e se aconselha com pessoas que são chamadas "Director espiritual" (guia).

O que importa é que se tenha em conta o motivo que levou Jesus a proibir o uso destes títulos. Se forem usados para a pessoa se firmar numa posição de autoridade e de poder, ela estará errada e cai debaixo da crítica de Jesus. Se forem usados para alimentar e aprofundar a fraternidade e o serviço, não caem debaixo da crítica de Jesus.


Carlos Mesters, ocd


ARRENDAMENTO IMOBILIÁRIO E ESPECULAÇÃO


Crise financeira ou imobiliária?




Rua do Pinheiro_PORTO



A situação a que chegamos é de tal modo grave que suplica a reapreciação do todo o sector imobiliário à luz da Economia Política.

A ideologia neoliberal e a Economia Neoclássica têm sido perversamente omissas na análise das relações de poder entre os três factores de produção económica:

·       Louvam as especificidades do capital, amparando-o e protegendo-o;
·       Criticam as exigências do factor trabalho, propondo a sua precarização;
·       E, de modo desconcertante, descartam, da ponderação, o factor «terra» [ou «solo» - recurso natural escasso e com valor de mercado, que se destina, ou à agricultura, ou à construção urbana/imobiliária];

Esta abstracção neoliberal é absurda e perigosa, pois subtrai a especulação imobiliária ao julgamento moral do pensamento da Economia Política e disfarça, de «operações financeiras» inócuas, aquilo que não passa da mais antiga actividade económica parasitária conhecida: o rentismo fundiário. [[1]]

Além disso, ao tratar ingenuamente o mercado imobiliário como um «canal neoclássico» de transacções, no qual a concorrência entre ofertantes faz diminuir o preço do bem até um mínimo benéfico para o consumidor, ilude a opinião pública fazendo-a pensar que o «progresso dos mercados livres» trará uma melhoria da relação entre qualidade e preço da habitação. Infelizmente, no imobiliário não há nem pode haver concorrência perfeita. A descida de preços acompanhada de melhoria da qualidade só se produz por intervenção política ou por constrangimento creditício.

Tornou-se impossível ler a imprensa generalista ou assistir a noticiários televisivos sem receber um diagnóstico confuso, porém taxativo, da natureza da crise que vivemos: é uma crise financeira. Os bancos − diz-se − viram-se com balanços em estado de iliquidez, ou, em certos casos, de insolvência. Houve excesso de imprudência da parte do prestador e um gasto excessivo da parte do prestatário – insiste-se. Perguntamos, pois: ?que despesas tremendas podem ter causado tal depauperamento?

Segundo nos explicam, as angústias da Banca resultam do aumento da morosidade no pagamento das dívidas à aquisição de habitação: famílias e empresas volveram-se incapazes de pagar as hipotecas. (…) A Banca entrou em crise porque demasiados agentes económicos não conseguem pagar o imobiliário hipotecado.

Em Portugal, o crédito imobiliário representava, em 1998, quando a bolha imobiliária portuguesa estava já em crescimento acelerado, 73% do crédito aos particulares e 35% do crédito às empresas; em 2006 representava 80% e 56%, respectivamente.

Ora, sabemos que o território português se encontra pejado de imóveis vazios: mais de 12% dos edifícios estão desocupados, naquela que é a terceira maior percentagem de derrelicção habitacional da Europa Ocidental (apenas ultrapassada pela Itália e pela Espanha). Sabemos ainda que esta percentagem nacional sobe para próximo de 25% se lhe adicionarmos os edifícios dados como «de segunda residência», que estão de facto vazios. Apesar disso, como é que foi necessário tanto endividamento hipotecário perante esta superabundância de casas vazias?

E como interpretar o facto de o preço médio da habitação em Portugal rondar os 1200 euros por metro quadrado [Euro/m2], mesmo contabilizando-se a habitação em zonas rurais, sendo portanto quase idêntico aos preços praticados no perímetro urbano de Berlim (1400 Euros/m2), onde os salários mais do que triplicam a média portuguesa? E como interpretar, ainda, o facto de Lisboa apresentar um preço médio da habitação de 3552 Euros/m2, portanto, 2,3 vezes mais caro do que o equivalente na capital alemã?

No seu âmago, a crise não é financeira: é imobiliária. Empresários e assalariados foram obrigados pelos agentes imobiliários a endividarem-se para lá da razoável assunção de crédito. A Banca pode ter colhido rendimentos sob a forma de juros ao crédito, mas o valor principal da dívida foi colhido pelo imobiliário, graças ao modo como o seu mercado se presta com inusitada facilidade à especulação.

O mercado imobiliário, no seu âmbito mais puro − revenda e arrendamento, descontando o mercado afim da construção − apresenta feições estruturantes que o distinguem da maioria dos outros mercados de bens, politizando-o ao mais alto grau.

Em primeiro lugar, é constrangido por uma oferta rígida: não se fabrica solo, no sentido em que cada troço do espaço à superfície do planeta não pode ser reproduzido (só é possível densificar o seu uso).

Em segundo lugar, na medida em que o solo em si mesmo não se produz (não tem custos de produção), quem o compra paga um sobrepreço que não cobre qualquer custo subjacente.

Em terceiro lugar, esse mercado transacciona essencialmente direitos de propriedade, cujos conteúdos são criados e garantidos pelo Estado: cultivar, construir, etc.

Em quarto lugar, ao contrário da generalidade dos restantes mercados de bens de consumo ou de equipamento, ele opera como um jogo de soma zero: o aumento da área de solo possuída por um titular implica necessariamente a diminuição proporcional da área usufruída pelo resto do colectivo.

Em quinto lugar, uma vez que o preço do imobiliário é demasiado elevado para a maioria dos assalariados o poder adquirir a pronto, a sua compra depende das condições creditícias do momento, as quais são condicionadas pela gestão dos Bancos Centrais.

Em último lugar, mas em primeiro na lista de características moralmente significativas: o mercado imobiliário transacciona um bem essencial, imperecível e imprescindível à vida humana − o espaço para habitar e trabalhar. Por ser, além disso, escasso e sujeito a oligopólios, o imobiliário presta-se ainda mais aos fins da especulação, do que os cereais, a sobras de arte e até o petróleo.

Dadas estas características do mercado imobiliário, é uma impossibilidade, tanto teórica, como prática, liberalizá-lo. Não se pode arredar dele a regulação do Estado e muito menos trazê-lo a uma situação de perfeita concorrência. O imobiliário é e sempre será um retalho de oligopólio localizado, cujos conluios produzem, na prática, o comportamento de monopólio. Um antimercado!

(…)

Durante as duas últimas décadas, Portugal assistiu agravamento dramático desta patologia na sua vida económica. A entrada na Comunidade Económica Europeia, em 1986, ofereceu-lhe um tremendo ímpeto económico catalisado pela abertura aos mercados europeus e pelo influxo de subsídios comunitários. A estes primeiros acréscimos de capital comunitário começaram-se a juntar-se volumes de capital literalmente «trazidos do futuro» em empréstimos à habitação com juros e prazos de amortização cada vez mais baixos: em 1985 superavam os 20% ao ano, descendo para menos de 4% em 2005.

Graças a estes processos, o acesso à habitação não se tornou mais fácil: o crédito serviu apenas para multiplicar por cinco ou mais vezes o preço real dos imóveis, apesar de o seu custo de construção se ter mantido constante.

Como a diferença entre o preço da habitação e o custo de construção representa essencialmente o preço do solo, constata-se que o crescente endividamento dos portuguesas mais não serviu do que para gerar «fortunas trazidas pelo vento» (financeiro) e depositá-las aos pés dos agentes imobiliários que prosperaram na compra, no açambarcamento especulativo e posterior revenda a preços artificialmente inflacionados de terrenos e edifícios, sem lhes acrescentarem qualquer benfeitoria merecedora de tal recompensa.

O currículo das licenciaturas contemporâneas de Economia praticamente não versa o imobiliário e o rentismo que a explora como variáveis maiores da vida económica.

Esse missal da maioria dos estudantes contemporâneos de Economia Neoclássica, o livro de Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus, desvia dele o olhar e dedica-lhe apenas três das suas mais de 700 páginas. A ortodoxia neoliberal parece ser, no fim de contas, o cavalo-de-tróia do rentismo fundiário que julgávamos morto e enterrado com o Ancien Régime. [veja-se a notícia, Jornal de Notícias de 27:Out:2011, p.24, «Sobrinho de Narciso (Miranda) fez fortuna com terrenos»: «chegou a vender por 1,6 milhões de euros um terreno que comprara por 100 mil euros. E por mais de 700 mil um terreno que lhe custou 30 mil.»]

Pedro Bingre do Amaral
Professor Universitário e Investigador

«Neoliberalismo, um álibi da especulação imobiliária», (in ‘PORTUGAL E A EUROPA EM CRISE – para acabar com a economia de austeridade’, Le Monde diplomatique & ACTUAL Editora [Grupo Almedina], pp.122-127), ISBN 978-989-694-021-8.



[1] Cf. o livro do Génesis (da Bíblia), cap. 4: «A história dos dois irmãos, Caim e Abel». Concretamente, o versículo 8, diz (num acrescento posterior cheio de significado): «Vamos ao campo». O «campo» será o lugar sociológico do crime por excelência: «logo que chegaram ao campo, Caim lançou-se sobre o irmão e matou-o.» Claro que a análise teológica deste relato é muitíssima mais vasta e rica, mas, sem dúvida, ele fixa o início das disputas pela posse da terra, disputas ferozes, que levam à exclusão, pela morte, do concorrente a esse bem tão essencial à vida, que é o solo. [esta Nota não pertence ao Artigo original].