teologia para leigos

31 de julho de 2012

PROPINAS E TAXAS MODERADORAS

Do gradualismo em política

 



«Quando nos anos 90 do século passado o movimento estudantil avisava que se estavam a abrir as portas à desigualdade no acesso e frequência do ensino superior público, chamaram-nos fantasistas; quando avisámos que a introdução de propinas traria consigo a elitização do ensino superior, chamaram-nos catastrofistas; quando dizíamos que a justiça se fazia nos impostos e não com a introdução de novas taxas, disseram-nos que não sabíamos do que falávamos.

Vinte anos depois temos um ensino superior público destinado a quem consegue pagá-lo. Quem tanto enche a boca com o discurso meritocrático, devia abri-la agora: o ensino superior público não é para os melhores mas para aqueles que conseguem pagá-lo.

A desigualdade está aí, servida com brutalidade.

Há vinte anos dizíamos que uma lei injusta não podia ser lei. Porque perdemos a batalha, porque a solidariedade nos foi recusada, o resultado é hoje este: 30 mil estudantes perderam a bolsa, 10 mil abandonaram o ensino superior e o futuro de milhares de estudantes e do país está em suspenso.»
Andreia Peniche (Arrastão)



Tal como a introdução de taxas moderadoras na saúde, que surgiram envoltas no argumento de que apenas pretendiam combater as falsas urgências e os abusos na activação de serviços hospitalares, também a introdução de propinas foi inicialmente apresentada como tendo apenas em vista reforçar o financiamento da acção social e da promoção da qualidade no ensino superior.

Contudo, é hoje cristalino que estas mudanças foram apenas o primeiro passo, mas decisivo, para levar a cabo um plano de progressiva desdemocratização, contracção e mercadorização dos serviços públicos de educação e saúde.

Tantas vezes apostada na defesa intransigente de posicionamentos irrepreensíveis no plano dos princípios e na formulação das propostas ideais, talvez a esquerda devesse prestar mais atenção à eficácia dos métodos de transformação gradualista em política. Ao contrário de um conhecido ditado, permitir que uma aparente «derrota em derrota» pudesse mais eficazmente conduzir «à vitória final».


NUNO SERRA
Ladrões de Bicicletas
23 de Maio 2012