teologia para leigos

1 de junho de 2021

Igreja, carisma e poder - Leonardo Boff

 





Leonardo Boff ‒ teólogo da Graça libertadora



Este livro tem apenas uma finalidade: mostrar a radicalidade do Evangelho de Jesus e o valor universal da Teologia da Libertação. De facto, há coisas que de tão óbvias acabam por ser pouco recordadas ou comentadas. Muito naturalmente passam despercebidas. A tempestade que se abateu sobre a Teologia da Libertação (TdL) foi tal que até pareceu que iria acabar definitivamente com ela. A verdade é que acabaram sempre por luzir as estrelas da sua legitimidade. Hoje, alguns dão a entender que a TdL é coisa que pertence ao passado, algo que deixou de fazer falta, inútil, e falam dela como de algo ensopado e morto na lama do esquecimento. Então, porque é que uns quantos, ‒ não tão poucos assim ‒ afiaram as suas hostilidades contra a TdL a partir de instâncias do poder as mais diversas?

Esta Teologia, despossuída de outros títulos que os do Evangelho de Jesus, revelava os pobres como os dilectos de Deus (Tiago 2,5) e reclamava os seus direitos. Velha novidade, esta, que acabava de chegar da periferia, onde sempre se impusera o absolutismo do centro. O centro imperial e religioso, dono da verdade, considerava inquestionável o seu direito a definir, a ensinar, a despojar, a dominar. A TdL, a partir da margem dos vencidos, procurava recentrar[1] a perspectiva, denunciava hábitos seculares, condenava todo o tipo de colonização, exigia um contrato de autonomia e de justa reciprocidade, ou seja, colocava-se no centro. A isso, o centro chamou heterodoxia eclesial, marxização, libertação temporalizante, fé decaída, assunção acrítica das ideologias materialistas e secularistas.

Comprovou-se uma vez mais um fenómeno secularmente reincidente: o poder, na medida em que se expõe tal qual é ‒ despojado de ideologias seculares ou sagradas que o justifiquem ‒ expõe à luz do dia o seu descaramento e, nesse momento, trata de se servir de argumentos falsos e, sobretudo, procura perseguir aqueles que não se preocupam em encobrir as suas fragilidades e fraquezas internas.

Leonardo é um dos mais relevantes expoentes da TdL. O poder sonhava domesticá-lo e para tal activou os mecanismos que o neutralizassem e que reduzisse o impacto libertador do seu ensino na mente do povo. Os objectivos da Inquisição, apesar de se revestirem de formas históricas diversas, são sempre os mesmos: moer a resistência e as utopias internas da pessoa em causa. Acontece que nem sempre o consegue. O poder pode reduzir, e inclusivamente extinguir, a vida do corpo ‒ a mais exasperante prova da sua impotência ‒ mas não consegue escravizar a alma: «Não temais aqueles que até podem matar o vosso corpo: eles não conseguem matar a alma» (Mateus 10,28). Leonardo, na sua famosa CARTA DE RENÚNCIA (ver em baixo), di-lo: “Tenho a sensação de ter chegado a um momento em que diante de mim está um muro intransponível. Não me é possível dar nem mais um passo. Retroceder implica sacrificar a minha própria dignidade e renunciar a uma luta de anos e anos. Nem tudo é lícito à Igreja. A morte de Jesus também quer significar que nem tudo é lícito neste mundo. Existem limites inultrapassáveis: o direito, a dignidade e a liberdade da pessoa humana. A igreja hierárquica não tem o monopólio dos valores evangélicos nem a Ordem Franciscana é a única herdeira do Sol de Assis”.

Ainda bem que existe gente que assume a tarefa de ajudar a Igreja a libertar-se sem que se deixe anular pelo temor. Boff, entre aprendizagens e evoluções, andou sempre para a frente como se tivesse encontrado uma pérola preciosa: tomou posse dela e nunca pôs a hipótese de a usar como moeda de troca ou traficar com ela. «O Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem encontra. Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e compra o campo. O Reino do Céu é também semelhante a um negociante que busca boas pérolas. Tendo encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola.» (Mateus 13,44-45)

Pode acontecer que muitos dos leitores deste livro, apesar de tudo o que se escreveu acerca da TdL, não tenham claro o seu sentido ou pensem que, qual fenómeno de moda, tenha começado a declinar e a perder vigor. É a essas dúvidas que este livro pretende responder. Dificilmente se encontrará, como aqui, uma antologia de textos como os que foram seleccionados: 10 artigos recenseados por ordem de publicação. Neles, Leonardo Boff, num lapso de tempo de cerca de 25 anos, afronta com profundidade o significado e o alcance da TdL. Alguns nunca tinham sido traduzidos para castelhano e outros nunca chegaram ao grande público por terem sido publicados em sítios muito dispersos ou para grupos restritos.

A novidade deste livro não está somente na antologia de textos, mas em apresentar pela primeira vez o contexto familiar e social a partir do qual Boff arranca, quase imparavelmente, a correr atrás da Teologia da Libertação.

E, por conseguinte, fica aqui relatada a comoção que a sua opção teológica provocou na Igreja católica e na sociedade em geral, atestada relevantemente durante o “processo doutrinal” que o cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação da Doutrina da Fé (o antigo Santo Ofício), lhe abriu e que em tempos fora seu Professor e amigo.

Neste livro, onde encontrarão mais carisma que poder, é provável que acabem fazendo suas as palavras do poeta e bispo amigo Pedro Casaldáliga: “Paz e bem, irmão Leonardo: a irmandade inteira acompanha-te na oração e na fé com as serenatas impacientes da esperança e na rebelde fidelidade dos adultos corresponsáveis pelo Reino de Deus”. (Excerto - APRESENTAÇÃO)



Benjamín Forcano



Benjamín Forcano, «LEONARDO BOFF» (para download parcial)



Leonardo Boff, «Igreja, carisma e poder» (download total)





«Carta de Renúncia» de Leonardo Boff

BENTO XVI, o Papa fracassado que dedicou quase toda a sua vida de teólogo a destruir aquilo que o Concílio Vaticano II teve de mais profético e a "abrir" processos contra mais de cem teólogos/as e algumas Congregações Religiosas Femininas...




[1] Cf. Agenor Brighenti, «El Sínodo para la Amazónia – una sinodalidad como convergencia de la diversidade», Concilium 390 (2021/2/Abril), pp. 51-61 [pp. 211-221]: “Com o Sínodo para a Amazónia, a ‘periferia’, acabada de chegar ao ‘centro’ da Igreja ‒ gerando instabilidade e temor ‒, desafiou o ‘centro’ a descentrar-se de si mesmo para que acolha as interpelações do Espírito que, actualmente, procedem sobretudo do Sul global.” (…) “À luz do Concílio Vaticano II, uma suposta Igreja universal (que precede e acontece nas igrejas locais das quais o Papa é o representante e garante) é, para W. Kasper, uma «ficção eclesiológica». Tal universalidade não passaria de uma extensão e sobreposição de uma ‘particularidade’ acima das demais e, portanto, de um universalismo assente sobre uma relação assimétrica, vertical, dominante, colonizadora. A «única» Igreja é a «Igreja de Igrejas» [Cf. Jean-Marie Roger Tillard, «Église d’Églises. L’écclesiologie de communion», Partis, Cerf, 1987], cada uma conjugando autonomia e comunhão com as restantes igrejas, e presidida pelo Bispo de Roma. Na Igreja nascente, cada igreja local configura-se, não como uma filial ou cópia de uma suposta «Igreja mãe», mas pelo contrário, tendo ‘um rosto próprio’, culturalmente novo, ‘universal’ quanto às suas particularidades” [Mário de França Miranda, «Igreja local», Actualidade Teológica 34 (2010) 40-58, p. 44. Cf. Henri Legrand, «La réalisation de l’Église en un lieu», em Initiation à la practique de la théologie, vol. II, Paris, Cerf, 1993, 145s.]