teologia para leigos

27 de julho de 2012

FOMOS ENGANADOS

TEMPO DE PERDER ILUSÕES

Grafiti_R. da Restauração_Porto


Em pleno Verão, os portugueses estão a ser confrontados com informação económica, financeira e política que, mesmo que não saibam entender em profundidade, lhes dá uma vaga mas real sensação de que o país está em queda livre. É certo que já ouviram inúmeras vezes os especialistas dizer que os mercados financeiros estão a cobrar taxas um pouco mais baixas do que há um ano e que até já conseguimos equilibrar a balança comercial. Mas parece-lhes pouco, e precário, face à dinâmica depressiva em que o país caiu.

Infelizmente, os portugueses não fazem ideia de que este jornalismo económico não é especializado em coisa nenhuma e que, na esmagadora maioria dos casos, faz comentários sem fundamento sério, quando não se fica pela propaganda neoliberal.

Os portugueses começam a perceber que foram manipulados.

Primeiro, disseram-lhes que a crise teve origem externa mas que podíamos combatê-la fazendo alguns sacrifícios para apaziguar os mercados financeiros. Nada mais falso, como se vê desde que o processo começou na Grécia.

Depois, disseram-lhes que foi o país que “se pôs a jeito” gastando acima das suas posses, pelo que agora deve expiar pelos excessos da última década. Sim, houve excessos simétricos, do lado dos credores que induziram o endividamento e do lado dos devedores que se iludiram com o dinheiro fácil.

Mas importa lembrar dois pontos:

a) a participação na zona euro, eliminando a necessidade de um stock de divisas que em devido tempo daria o alerta, colocou o sistema bancário na lucrativa posição de agente, silencioso e conivente, que canaliza e distribui os recursos financeiros dos países com excedente comercial;

b) à parte o empreendimento imobiliário especulativo que também tivemos, o endividamento das famílias destinou-se, no essencial, à compra de habitação própria por falta de alternativa.

Em resumo, disseram aos portugueses que a adesão ao euro nos faria convergir para o nível de vida das economias mais desenvolvidas quando afinal, por força de uma construção institucional comandada pela ideologia neoliberal, para estar na zona euro temos de convergir para o terceiro-mundo.

Entretanto, a linguagem sacrificial tomou conta do jornalismo e da retórica dos especialistas, aliás em linha com a cultura dos credores do Norte da Europa. A finalidade é clara, mesmo que não consciente. É preciso incutir resignação nas classes sociais que estão a sofrer. Sem resignação, sem interiorização de que “não há alternativa”, não é possível aplicar a estratégia de desvalorização interna que troika e governo julgam indispensáveis para tirar o país da crise.

O modelo não tem precedentes que o recomendem mas, graças ao poder da ideologia neoliberal que tomou conta dos departamentos de economia das nossas universidades, ele é o farol que ilumina as mentes dos membros mais influentes deste governo, do governador do Banco de Portugal e dos economistas da troika, embora com dúvidas em alguns sectores do FMI.

Como seguidor fundamentalista de uma religião do mercado sem freios que promete a redenção aos devedores, desde que assumam a culpa e se sujeitem à austeridade, o governo fará o que for preciso para salvar o país, quer dizer afundará o país na depressão até que metade da população emigre, como na Letónia. Na ausência de um repúdio nacional que tenha tradução política eficaz, este “ajustamento estrutural” estenderá a todo o corpo social a crueldade que já atinge os doentes de oncologia.

Note-se que os tratados da UE impedem qualquer governo decente de executar políticas que estimulem estrategicamente a nossa economia.

Sem moeda própria, não há política cambial que torne relativamente mais barata a produção nacional, um instrumento indispensável para evitar fazer do desemprego de massa a variável de ajustamento na correcção do desequilíbrio externo. Sem procura interna, e agora também com menos exportações, não há crescimento que estabilize a dívida pública, muito menos reduzi-la. Sem um banco central, o nosso financiamento fica nas mãos dos especuladores ou da chantagem dos estados ricos do Norte da UE.

Jorge Bateira
26:VII:2012
Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas