TEMPO DE PERDER ILUSÕES
Grafiti_R. da Restauração_Porto |
Em pleno Verão, os portugueses estão
a ser confrontados com informação económica, financeira e política
que, mesmo que não saibam entender em profundidade, lhes dá uma vaga mas real
sensação de que o país está em queda livre. É certo que já ouviram inúmeras
vezes os especialistas dizer que os mercados financeiros estão a cobrar taxas
um pouco mais baixas do que há um ano e que até já conseguimos equilibrar a
balança comercial. Mas parece-lhes pouco, e precário, face à dinâmica
depressiva em que o país caiu.
Infelizmente, os portugueses não
fazem ideia de que este jornalismo económico não é especializado em
coisa nenhuma e que, na esmagadora maioria dos casos, faz comentários sem
fundamento sério, quando não se fica pela propaganda neoliberal.
Os portugueses começam a perceber que foram manipulados.
Primeiro,
disseram-lhes que a crise teve origem externa mas que podíamos combatê-la
fazendo alguns sacrifícios para apaziguar os mercados financeiros. Nada mais
falso, como se vê desde que o processo começou na Grécia.
Depois,
disseram-lhes que foi o país que “se pôs a jeito” gastando acima das suas
posses, pelo que agora deve expiar pelos excessos da última década. Sim, houve
excessos simétricos, do lado dos credores que induziram o endividamento e do
lado dos devedores que se iludiram com o dinheiro fácil.
Mas importa lembrar dois pontos:
a) a participação na zona euro,
eliminando a necessidade de um stock
de divisas que em devido tempo daria o alerta, colocou o sistema bancário na lucrativa
posição de agente, silencioso e conivente, que canaliza e
distribui os recursos financeiros dos países com excedente comercial;
b) à parte o empreendimento
imobiliário especulativo que também tivemos, o endividamento das famílias
destinou-se, no essencial, à compra de habitação própria por falta de alternativa.
Em resumo, disseram aos portugueses
que a adesão ao euro nos faria convergir para o nível de vida das economias
mais desenvolvidas quando afinal, por força de uma construção institucional
comandada pela ideologia neoliberal, para estar na zona euro temos de
convergir para o terceiro-mundo.
Entretanto, a linguagem sacrificial tomou
conta do jornalismo e da retórica dos especialistas, aliás em linha com a cultura
dos credores do Norte da Europa. A finalidade é clara, mesmo que não
consciente. É
preciso incutir resignação nas classes sociais que estão a sofrer.
Sem resignação, sem interiorização de que “não há alternativa”, não é possível
aplicar a estratégia de desvalorização interna que troika e governo julgam indispensáveis para tirar o país da crise.
O modelo não tem precedentes que o
recomendem mas, graças ao poder da ideologia neoliberal que tomou conta dos
departamentos de economia das nossas universidades, ele é o farol que ilumina
as mentes dos membros mais influentes deste governo, do governador do Banco de
Portugal e dos economistas da troika,
embora com dúvidas em alguns sectores do FMI.
Como seguidor fundamentalista de uma
religião do
mercado sem freios que promete a redenção aos devedores, desde que
assumam a culpa e se sujeitem à austeridade, o governo fará o que for preciso
para salvar o país, quer dizer afundará o país na depressão até que metade
da população emigre, como na Letónia. Na ausência de um repúdio
nacional que tenha tradução política eficaz, este “ajustamento
estrutural” estenderá a todo o corpo social a crueldade que já atinge os
doentes de oncologia.
Note-se que os tratados da UE
impedem qualquer governo decente de executar políticas que estimulem estrategicamente
a nossa economia.
Sem moeda própria,
não há política cambial que torne relativamente mais barata a produção
nacional, um instrumento indispensável para evitar fazer do desemprego de massa
a variável de ajustamento na correcção do desequilíbrio externo. Sem procura
interna, e agora também com menos exportações, não há crescimento que
estabilize a dívida pública, muito menos reduzi-la. Sem um banco central, o nosso
financiamento fica nas mãos dos especuladores ou da chantagem dos estados ricos
do Norte da UE.
Jorge
Bateira
26:VII:2012
Economista,
co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas