teologia para leigos

28 de novembro de 2013

COMUNITARIEDADE [P. CASALDÁLIGA]

«ESPÍRITO COM DUAS ASAS»

“É fácil levar Jesus no peito, [na T-shirt];
difícil é ter peito, coragem para seguir Jesus”.

Há pessoas que atraem mesmo de longe, porque são lampejos de esperança em um mundo mercantilizado e em uma Igreja que tenta sair do inverno. Uma dessas pessoas é Pedro Casaldáliga, profeta envolto em poesia, cujas palavras sobre a sinodalidade, o papel da mulher, a colegialidade, a corresponsabilidade, a alegria, ditas em Abril, parecem ter sido ouvidas pelo Papa Francisco.

Em seus olhos penetrantes e coração grande que se exterioriza em braços compridos e mãos expressivas que parecem desprender-se do seu corpo pequeno. O irmão Parkinson mantém-no preso em casa, mas as numerosas visitas e os abundantes correios, sempre respondidos, mantêm o seu coração cheio de nomes e vida.

Saímos ao seu encontro, de Santander, Ernesto Bustio, padre caminhante de múltiplos caminhos e acolhedor de peregrinos, e eu. Em Madrid nos uniríamos a José Centeno, padre casado que não cansou de percorrer e abrir sulcos com sementes de compromisso social e eclesial. Também nos esperava no aeroporto, para viajar conosco, Maximino Cerezo (Mino), claretiano assim como Casaldáliga e amigo seu desde os tempos de juventude.

O Concílio Vaticano II empurrou-os para a América Latina como missionários claretianos. Um deles, depois, viria a ser bispo no Mato Grosso, na Prelazia de São Félix, e o outro faria um grande trabalho de conscientização como pintor (é conhecido como o pintor da libertação) enchendo de murais diversas catedrais e Igrejas do Brasil, Nicarágua, Bolívia e outros países latino-americanos. Casaldáliga, impregnado de um Jesus Salvador que ilumina sua pastoral libertadora, e Cerezo, plasmando, em belas pinturas, caminhos de libertação (...).

Dali nos dirigimos à casa onde mora Pedro com a pequena comunidade de agostinianos: Paulinho, José Luís, agostiniano da Bolívia, e Joan, estudante de teologia que está fazendo uma parada no caminho, um tempo de pastoral e cuidando de Casaldáliga. Funde-se em um abraço terno e acolhedor com cada um de nós. Mostra-se com o encanto do ancião cheio de bondade que desfruta dos seus. Nem sequer o Parkinson lhe tirou a força aos seus braços (...).

Com o barulho de galos ao fundo e o canto dos pássaros começamos a entrevista.

A entrevista a Pedro Casaldáliga é de Avelino Seco e publicada no sítio espanhol Religión Digital, 07-10-2013. A tradução é de André Langer.



Don Pedro Casaldáliga, bispo emérito_Brasil



P - Gostaríamos que nos falasse das Comunidades Eclesiais de Base [CEB]: o que são e que papel têm elas na renovação da Igreja.

R - Começam pela base do povo e são a base da Igreja. Nós dizemos no Brasil que se trata de um novo modo de ser Igreja e eu acrescento: de um novo modo de toda a Igreja ser. O bispo Leonardo [Ulrich Steiner] alarmou-se um pouco. Pedro, disse-me ele, isso é uma ilusão. A CEB seria o modo de ser da Igreja: comunitário, fiel, unindo a fé à vida, com a Bíblia nas mãos do povo, com capacidade de diálogo, tendo em conta o ecumenismo; sempre dissemos que isso acontecerá no diálogo do povo com a cultura. Agora, o desafio é a convivência; a convivência é desafio em todos os campos: na família, na vizinhança, no trabalho, na comunidade eclesial. A convivência é o grande desafio. Os índios Minky dizem que “viver é conviver”. A convivência supõe que nos situemos, na Igreja, numa atitude de igualdade, de igual para igual: com as outras Igrejas, com as outras religiões, com as outras espiritualidades, com a humanidade. Devemos partir dessa visão macro-ecuménica, em vez de partir de uma atitude fechada sobre si mesma. Partir de uma visão aberta em comunhão com todos os outros movimentos, espiritualidades e religiões. Devemos explicitar a nossa fé não impondo uma superioridade, mas contribuindo com a história concreta de Jesus de Nazaré.

P - Na Espanha, as comunidades de base não são maioritárias; são grupos reduzidos com uma consciência especial, com uma consciência crítica, utópica e transformadora; a paróquia é outra coisa. Que papel pode ter a paróquia? Seria o ideal se todas as paróquias fossem comunidade?

R – A paróquia deveria ser toda ela comunidade. Eu digo que não se trata de discutir se são muitas ou poucas; trata-se de que tudo seja comunidade. Gosto de falar de comunitariedade, que tudo seja comunitário - até o Papa - que tudo seja participativo, que, a partir da própria situação de cada um, tudo seja contribuição para o conjunto. As paróquias como “paróquia” não têm futuro. Por esta altura, a CNBB está a discutir: “Comunidade de Comunidades, uma nova Paróquia”. Está comprovado [CLICAR AQUI] que a paróquia como tal transforma-se em burocracia e não estimula a participação real. Mas, por outro lado, compreende-se que seja necessária uma referência jurídica, diríamos canónica. Que as CEB’s sejam grupos pequenos, faz parte da condição de semente, fermento, sal. Eu creio que já se superou a fase mais raivosa da relação entre comunidades e bispos: aprendemos a conviver. Ainda falta muito, mas já há menos episcopalitis aguda. Se o bispo ou o padre não nos aceita, pois muito bem, não nos vamos deixar perder por isso. A indignação há-de ser uma indignação esperançada; de contrário, estamos vomitando bílis por todos os lados e não temos nada que seja boa notícia. O cristianismo é algo mais, não se trata de viver a vida amargurada, fiscalizada. […]

P - Em tudo o que você nos disse há algo muito claro: não há fé sem política, não há fé isolada, mas comunitária, é importante reunir-se para rezar com ou sem padre. Que importância você atribui àquilo que dizia Rahner sobre o cristão do século XXI: que será místico ou não será? Que importância dá à oração, a ser contemplativo?

R - Ganhou-se no mundo em “personalismo”, entendido na linha de Mounier, e esse personalismo autêntico exige interioridade, contemplação. Pode-se fazer, deve-se fazer comunitariamente, por isso devemos estimular as celebrações em pequenos grupos, devemos estimular certos movimentos. Perguntávamos-nos sobre os fundamentos das Jornadas Mundiais da Juventude; são ambíguos. Por um lado, pode-se criticar, nelas, uma certa vontade triunfalista da Igreja, juntar todos os milhões possíveis para encher o espaço. Por outro lado, há elementos positivos. O que dificulta é que temos uma Igreja que é Estado e um Papa que é chefe de Estado e isso, logo à partida, já provoca tropeços insuperáveis. A reforma da cúria deveria implicar, como primeiro passo, o desaparecimento automático do Estado do Vaticano e o Papa deveria deixar de ser Chefe de Estado. Isto deveria ser básico; basta pensar um pouco nas outras religiões. O que significa o fato de que, por ser Chefe de Estado, se coloque todo o país de pernas para o ar?

P - Mino Cerezo: eu não lhe pergunto, pois faço as perguntas para mim mesmo. Digo a mim mesmo que, no fundo, o problema não é crer em Jesus, mas crer como Jesus acreditou; parece-me que ainda não entramos por aí. Para crer como Jesus acreditou é importante o tema da oração, porque Jesus acreditava pensando nos outros, rezava pensando nos outros. Subia ao monte sozinho, deixava os apóstolos, passava a noite inteira em oração, mas voltava a estar com as pessoas, a anunciar o Reino de Deus. Ou seja, colocava a oração no horizonte da práxis, e isso parece-me que é o que nos está a faltar. Os jovens acreditam em Jesus, mas dirijo uma pergunta a todos, jovens e velhos: estamos acreditando como Jesus, e não apenas em Jesus?

R - Pensando nas T-shirts, é fácil levar Jesus no peito; o difícil é ter peito, coragem para seguir Jesus.

IHU - UNISINOS, 14 de Outubro de 2013




D. PEDRO, e a Espiritualidade Clareteana


1ª Parte – D. PEDRO CASÁDALIGA

2ª Parte – D. PEDRO CASÁDALIGA

D. Pedro Csaldáliga e Joseph Ratzinger

CASALDÁLIGA

Profeta da esperança - I

Profeta da esperança -II

D. Hélder Câmara, o Santo Rebelde

O QUE É A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO?

ESPIRITUALIDADE DA LIBERTAÇÃO – J M VIGIL


«O MEDO É TER MEDO DO MEDO» - D. PEDRO


PAULO FREIRE E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO




25 de novembro de 2013

JESUS SACERDOTE? [A. VANHOYE]

O SACERDÓCIO
QUESTÃO ESPINHOSA PARA OS PRIMEIROS CRISTÃOS







[...] Durante a sua vida pública, a pessoa de Jesus provocara uma grande admiração, e levantara muitas questões a seu respeito. Quem era aquele homem? Em que categoria deveria ser ele catalogado? Os evangelhos fazem eco da perplexidade das pessoas e recolhem as opiniões  as mais diversas: Jesus eleito por Deus ou fabricado por Satanás, mestre de sabedoria ou perigoso sedutor, filho de David ou profeta antigo que voltara à terra, etc. É significativo que entre tantas e tão variadas hipóteses nunca se tenha encontrado a ideia do sacerdócio. Aparentemente, parece que ninguém se interrogou se, por acaso, Jesus não seria o sacerdote dos últimos tempos vindo para oferecer a Deus o culto perfeito. Esta ausência de interrogação pode parecer estranha, mas basta recordar a concepção que, à época, reinava acerca do sacerdócio, para que fique esclarecida tal ausência. Era, para todos, evidente que Jesus não era um sacerdote judeu. Era sabido que Jesus não pertencia a uma família sacerdotal e que não possui direito algum a exercer as funções sacerdotais. O sacerdócio excluía outro tipo de pretendentes[1]. O preceituado pela Lei era de uma absoluta severidade: «A Aarão e a seus filhos recomendarás que se encarreguem das suas funções sacerdotais; o leigo que se aproximar será morto»[2]. Era desta forma que se manifestava a “santidade” do sacerdócio: defendia-se uma intransponível separação entre as famílias sacerdotais e as restantes.

Por nascimento, Jesus pertencia à tribo de Judá. Portanto, não era sacerdote segundo a Lei (Thora). A ninguém lhe ocorreu a ideia de lhe atribuir tal título e ele mesmo nunca manifestou a menor pretensão quanto a isso.

A sua actividade nada tinha a haver com sacerdócio, no sentido antigo da palavra: a sua actividade situava-o mais na linha dos profetas. Começara a proclamar a palavra de Deus − aquilo que outrora fizeram os profetas − e a anunciar a proximidade do estabelecimento do reinado de Deus. Por vezes, exprimia-se por meio de acções simbólicas (Mt 21:18-22), nisto, imitando Jeremias, Ezequiel e outros profetas[3]. Os seus milagres recordavam os tempos de Elias e Eliseu: multiplicação de pães, ressurreição do filho duma viúva, cura de leprosos[4]. Num relato de Lucas, o próprio Jesus convida a que se faça esta correlação; em vários momentos, Jesus situou-se implicitamente entre os profetas[5]. Na verdade, muitas pessoas viam nele um profeta e até um grande profeta, «o» profeta esperado[6]. Após a ressurreição, o apóstolo Pedro proclama que Jesus é o profeta semelhante a Moisés, prometido por Deus no Deuteronómio[7].

Como é sabido, os profetas de Israel mantinham as suas distâncias face ao sacerdócio. Criticavam de forma violenta o formalismo que infectara o culto ritual e, pelo contrário, exigiam, no concreto da sua existência, uma verdadeira docilidade face a Deus. A pregação de Jesus ia nesse sentido. Os evangelhos testemunham que Jesus empreendeu uma acção sistemática, não contra a pessoa dos sacerdotes, mas contra uma concepção ritual da religião. Ao negar decididamente conceder importância às regras da «pureza» externa, sem sequer hesitar em colocar a cura de enfermos acima da observância do Sábado, Jesus rejeita a maneira antiga de compreender a santificação[8]. Jesus tomou partido contra o sistema de separação ritual, cujo cume consistia na oferenda sacerdotal das vítimas imoladas, e optava pela orientação contrária: em vez duma santificação conseguida à custa da separação das pessoas, propunha uma santificação que se obtinha acolhendo todos, inclusivamente os pecadores. A palavra thysía, que designa os sacrifícios rituais e que aparece com muita frequência (perto de 400 vezes) no Antigo Testamento, em todos os evangelhos, é colocado apenas em duas ocasiões nos lábios de Jesus, e nessas ocasiões com a finalidade de recordar aos ouvintes que a Deus não lhe agrada esse género de culto[9]. Em Marcos, thysía surge apenas uma vez, dentro duma frase pronunciada por um escriba e aprovada por Jesus, mas mais uma vez na mesma perspectiva: o amor a Deus e ao próximo «vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios»[10]. Sem usar a expressão thysía, há uma outra frase de Jesus que vai no mesmo sentido: Jesus ordena que se procure a reconciliação com o irmão antes de apresentar uma oferenda no altar do Templo.[11]

Por outro lado, os evangelhos referem uma enérgica intervenção de Jesus no interior do Templo[12]. Enfrentando todos aqueles que vendiam animais para o sacrifício, Jesus enfrenta-se com toda a organização do culto sacrificial. João assinala concretamente que Jesus «expulsou do Templo as ovelhas e os bois» (Jo 2:15), ou seja, os animais que iriam ser oferecidos em sacrifício. E Marcos observa que os sumos sacerdotes viram com maus olhos o que acabara de acontecer, por razões que são fáceis de adivinhar.

Há uma certa relação entre esta iniciativa de Jesus e […].

Albert Vanhoye
Exegeta e Professor no Instituto Pontifício de Roma

«Sacerdotes Antiguos, Sacerdote Nuevo – según el Nuevo Testamento», Sígueme, Salamanca 52006, 55-59.64-74.





[1] Ex 28:1; Lev 8:2; Nm 16-17; Sir 45:15.25.
[2] Nm 3:10; cf. 3:38.
[3] 1Rs 22:11; Jer 19:10; Ez 4:1-3.
[4] Mt 14:13-21 e 2Rs 4::42-44; Lc 7:11-17 e 1Rs 17:17-24; Mt 8:1-4 e 2Rs 5.
[5] Lc 4:24-27; Mt 13:57; Lc 13:33.
[6] Lc 7:16.39; Mt 21:11.46; Jo 4:19; 6:14; 7:40; 9:17.
[7] Act 3:22, citando Dt 18:18.
[8] Mt 9:10-13 par.; 12:1-13 par.; 15:1-20 par.; Jo 5:16-18; 9:16.
[9] Mt 9:13; 12:7; nestas duas vezes cita Os 6:6.
[10] Mc 12:33. Para além destes três usos (Mt 9:13; 12:7; Mc 12:33) a expressão thysía só aparece duas vezes mais nos evangelhos: Lc 2:24; 13:1; nenhuma vez em João.
[11] Mt 5:23s. Em grego, a palavra «altar» (thysiastèrion), aparentada com «sacrifício» (thysía) é igualmente muito frequente no Antigo Testamento (perto de 400 vezes) e rara nos evangelhos: 8 vezes. Para além de Mt 5:23s, encontramos-la em Mt 23:18-20 – onde Jesus critica a casuística dos escribas e fariseus – e em Mt 23:25; Lc 1:11; 11:51, com a finalidade de assinalar um determinado lugar.
[12] Mt 21:12s par.; Jo 2:14-16.