A monja e o capitalismo não ético
Irª Teresa Forcades |
Nasceu em Barcelona em 1966. É doutorada em Medicina e em Teologia. Muito
conhecida pelas suas posições feministas e pelas críticas às multinacionais
farmacêuticas, Teresa Forcades é uma monja
beneditina do Mosteiro de Sant Benet de Monserrat.
Conheci-a em Julho de 2011, em Santander, num Congresso de Teologia e
Ética, e a impressão que me ficou foi a de uma mulher séria e agradável,
descontraidamente inteligente e interventiva.
Foi recentemente convidada para a conferência inaugural de um encontro de
empresários, talvez o mais importante da Catalunha, com a presença de umas
seiscentas pessoas.
Ela é absolutamente favorável ao empreendedorismo. Quereria que isso fosse uma
possibilidade para todos, pois isso significa realizar possibilidades e ter
iniciativas próprias. Mas põe em causa o empresariado baseado numa relação
contratual num quadro capitalista sem ética.
Por três motivos.
É uma mentira o
mercado que se diz livre. De facto, ao longo da história, o
mercado nunca foi livre. "Foi sempre regulado a favor de certos
interesses: da realeza, interesses proteccionistas, da classe dominante, do
parente dos governantes de turno." Mercado livre é "uma hipocrisia,
uma falácia".
Depois, a
lógica do capitalismo, no quadro do mercado global, quer "o
máximo lucro". Ora, é aberrante, do ponto de vista
antropológico e humano, pensar que a melhor maneira de incentivar as pessoas, a
sua criatividade, a actividade económica e, em última análise, o crescimento,
seja o lucro máximo. Satisfeitas as necessidades básicas, "o que me estimula não é o
dinheiro", mas a curiosidade intelectual, o desafio de
descobrir potencialidades e encontrar quem ajude a realizá-las, o apreço dos
colegas, a valorização do trabalho que faço, ver que o trabalho das pessoas
transforma de modo positivo as suas vidas. Porque não criar uma sociedade
fundada no que verdadeiramente nos dá gosto e nos realiza? E o direito à
alimentação, à educação, à saúde, à reforma tem de estar acima do mercado e do lucro.
Portanto, o capitalismo não lhe parece ético.
E assume a
crítica marxista da mais-valia, dando um exemplo: no mosteiro, temos
uma pequena empresa de cerâmica e há uma pessoa de fora que lá trabalha; se lhe
pagarmos um euro e ganharmos mil, o capitalismo dirá: que bem! "Mas isto é
indigno, pois vai contra a dignidade do trabalho." Há diferenças
aberrantes: num contrato, "talvez esteja bem que eu ganhe um e tu ganhes
quatro ou até dez, mas mil não pode ser de modo nenhum".
É, pois, claríssimo que temos de pensar e
organizar uma alternativa.
"Quem nos ensinou
a não confiar que não nos podemos organizar melhor, ao constatarmos, como constatamos, que o modo actual é tão claramente
contrário aos interesses da maioria?" O bloqueio da imaginação é um sinal
de alarme. É como se se tornasse não possível para mim, que sou monja e prefiro
esta vida, imaginar para mim própria uma vida fora do mosteiro. "Se já nem
sequer posso imaginar uma alternativa, creio que isso é um sinal de alienação
mental."
O que é e aonde leva a especulação? Eu compro todo o trigo e
guardo-o. As pessoas vão morrendo, mas, quando os preços subirem, vendo pelo
dobro. "Isto aconteceu, e estes senhores do Goldman Sachs sentam-se nas
primeiras filas dos convénios e recebem prémios, mas deviam estar na
cadeia." São responsáveis por mortes. Jean Ziegler,
das Nações Unidas, diz que isto é assassínio organizado. Presentemente,
produzem-se alimentos para 12 mil milhões de pessoas, mas há mil milhões com
fome. Cada dia morrem 26 mil crianças de fome.
A conversão fundamental é, na nossa visão do mundo, a da passagem da relação
sujeito-objecto para uma relação sujeito-sujeito, substituindo assim
uma relação de dominação por uma relação de jogo de subjectividades, no qual
entram dignidades.
Se continuarmos nesta "alienação mental", neste bloqueio da
renovação social, porque os políticos só pensam nas próximas
eleições, sem capacidade para criar uma alternativa, a nossa situação pode
piorar e podemos assistir a um fascismo social e
político e até a uma guerra.
Anselmo
Borges
Diário
de Notícias, 28 Julho 2012.