teologia para leigos

1 de julho de 2012

PLANO MARSHALL OU HECATOMBE EUROPEIA



Entrevista com Costas Lapavitsas

“O debate tem de passar de como resgatar o euro a como gerir a ruptura ordeira do euro


Prof. Costas Lapavitsas

 Foi uma das vozes que se opôs, logo em 2010, ao acordo de resgate à Grécia e tem alimentado o debate europeu sobre a saída do país do euro e o colapso da moeda única. Costas Lapavitsas, professor de economia da SOAS (Escola de Estudos Africanos e Orientais da Universidade de Londres), acaba de publicar o livro Crisis in the eurozone (Crise na zona euro), em parceria com outros colegas do Research on Money and Finance (RMF) - um grupo de economistas, do qual faz parte o português Nuno Teles. Em entrevista por telefone ao PÚBLICO, o autor que tem influenciado as ideias do partido de esquerda radical, o Syriza, explica por que é que considera inevitável a desintegração da zona euro.


PÚBLICO [P] - A Grécia formou um novo Governo. O pior já passou?
COSTAS LAPAVITSAS [CL] - Não, de todo. Evitou-se o pior resultado, que seria uma saída caótica e violenta da Grécia da zona euro, no curto prazo. Mas este Governo, com o programa que tem de seguir, com as pessoas que o vão formar, não vai resolver a crise grega. Este Governo tem um período de vida curto.

P - Porquê?
CL - Em primeiro lugar, porque o programa económico que vai seguir é basicamente o mesmo dos últimos dois anos e meio. É um programa com condições: austeridade, liberalização e privatização. Não correu bem até aqui e não vejo como pode resultar agora. Não vão conseguir nenhuma concessão significativa da União Europeia, no máximo um alargamento do prazo para as metas orçamentais. Se a Grécia continuar a aplicar este tipo de políticas, o caminho que se segue é de contracção e estagnação. Além disso, os políticos que formam este Governo são da velha escola. São os mesmos que colocaram o país nesta situação. Não estão habituados a trabalhar uns com os outros, a formar governos de coligação e a cooperar. Espero luta e fracções neste Governo.

P - O que vai acontecer então?
CL - O Governo vai cair nos próximos meses e o partido de esquerda radical, o Syriza, será chamado a formar Governo e resgatar o país.

P - Mas o Syriza também diz querer manter o país no euro…
CL - É verdade. Oficialmente, são muito defensores da ideia de manter a Grécia dentro da zona euro. Mas o Syriza também reconhece que há um limite até onde os gregos irão para manter o país dentro do euro. Se o que a zona euro lhes pedir para fazer for muito severo, vão recusar-se. Em última instância, isso irá significar a saída da Grécia do euro.

P - Isso acontecerá este ano?
CL - Seria um milagre se a Grécia permanecer no euro no final do ano. Se a Grécia ficar e continuar a aplicar estas políticas, o futuro será muito mau para os gregos. A pobreza vai aumentar, o desemprego vai aumentar, não haverá futuro para os jovens. A economia vai estagnar durante anos. Será uma morte lenta. A Grécia tornar-se-á um país pobre, muito desigual, um país de velhos, pois os mais jovens sairão do país.

P - Se a Grécia sair, segue-se Portugal?
CL - Sim. Não acho que Portugal tenha futuro dentro do euro. Sei que os portugueses acreditam que possa ser diferente com eles, mas estão a iludir-se. Portugal teve 10 a 15 anos de estagnação. A economia é fraca, não pode sobreviver facilmente dentro do euro. Portugal não pode sobreviver na união monetária com algum tipo de dinamismo. O que vale para a Grécia vale para Portugal. E o mesmo para Espanha. A Espanha não conseguirá recuperar facilmente nesta união monetária.

P - Mas, como diz no seu novo livro, a zona euro pode mudar…
CL - Mas não pode mudar rapidamente. Seriam precisas mudanças estruturais dramáticas e profundas. As eurobonds, a intervenção do BCE, todas estas coisas que foram discutidas várias vezes são superficiais. Não podem resolver a crise e não podem ser introduzidas sem mudanças estruturais prévias. A Alemanha e a senhora Merkel estão certos em serem cépticos quanto a isso. O que a Europa precisa é de um plano Marshall.

P - Mas isso é precisamente o que a Alemanha não quer…
CL - Exacto. Mas é o que a Grécia, Portugal e a Espanha precisam, para aumentar a produtividade do trabalho e tornarem-se mais competitivos. A Comissão Europeia e o FMI já entenderam que esse é o problema. Mas a maneira como o estão a tentar resolver é destruindo os custos laborais e os salários. Esta é a maneira mais brutal e menos efectiva de o fazer. Não vai funcionar, não só porque é violenta na destruição dos rendimentos das pessoas, mas também porque os salários da Alemanha permanecem muito baixos. Sem um plano Marshall, a periferia não tem hipótese.

P - O que seria esse plano?
CL - Seria um investimento massivo proveniente de fundos do centro europeu, mas também know-how, profissionais qualificados, novos mecanismos institucionais. Um cenário diferente para criar capacidade produtiva na periferia e aumentar a produtividade do trabalho. Para isso, é preciso uma mudança de política económica e filosofia económica na Alemanha. A Alemanha criou uma economia que é internamente fraca. As pessoas não percebem isso, pensam que a economia germânica é muito forte. Mas não é. A procura doméstica está permanentemente deprimida, os salários são baixos, as pequenas empresas alemãs têm dificuldades em sobreviver. É uma economia que sobrevive contando dinheiro e gerindo-se de uma forma muito apertada. É muito bem-sucedida no que toca às exportações, porque mantém salários baixos. Este modelo pode resultar para os bancos e grandes empresas na Alemanha, mas não funciona para os cidadãos alemães e certamente não funciona para a união monetária.

P - Está a dizer que o euro não é apenas mau para a periferia, mas para a própria Alemanha?
CL - Exactamente. O euro foi muito mau para os cidadãos alemães e eles sabem-no. É por isso que não querem fazer sacrifícios. Os alemães viveram durante 15 anos sob uma forte restrição salarial por causa do euro. Por isso, quando se diz que os alemães têm de pagar, eles zangam-se. A Alemanha tem de mudar o seu modelo económico, fortalecendo a procura interna, deixando de prestar tanta atenção às exportações e reequilibrando assim toda a união monetária. Ou seja, é preciso um plano Marshall para a periferia e um reequilíbrio da economia alemã.

P - Isso bastaria?
CL - Há o primeiro passo essencial: o perdão da dívida. A dívida acumulada na união monetária é enorme, tanto pública como privada. É uma dívida que nunca será paga e um enorme fardo sobre a economia. A Europa precisa de se livrar dessa dívida.duas maneiras de o fazer: uma é através de uma reestruturação, outra é através da inflação, que gradualmente iria diminuir esse fardo. Além disso, é preciso um sistema bancário unificado na Europa.

P - Vê os líderes europeus a chegarem a acordo para essas mudanças?
Cl - Não. Uma vez que se começa a ir tão fundo, percebe-se quão complicada e difícil seria essa transformação. Realisticamente, não vejo estas mudanças a serem implementadas.

P - Então o colapso do euro é inevitável?
Cl - Acho que alguma espécie de ruptura violenta é inevitável. Que forma irá assumir, não sei. Ninguém sabe, porque, até certo ponto, isso dependerá dos acontecimentos. De quem irá sair primeiro e como.

P - Mas não teme também as consequências que uma saída do euro teria na Grécia ou em Portugal?
Cl - Estou muito preocupado com isso e, de certa forma, também estou muito zangado com as pessoas que criaram este incrível mecanismo e puseram as nações europeias nele, sem pensarem no que significaria sair dele. Sair do euro será muito doloroso, para a Grécia, para Portugal, para Espanha, para quem quer que seja. Se o euro colapsar completamente, será uma catástrofe para a Europa. Por isso, se os líderes europeus têm algum bom senso ainda, devem pensar seriamente em como tornar a saída do euro o mais suave possível. O debate na Europa tem de passar de como resgatar o euro a como gerir uma ruptura ordeira do euro.

A Grécia, por exemplo, irá enfrentar grandes problemas se sair: na circulação monetária, nos bancos, que terão de ser nacionalizados, e no comércio, porque não será capaz de comercializar internacionalmente. Irá precisar de ajuda para comprar petróleo, comida, medicamentos. Será um choque enorme. Será um contexto de guerra, mas também já o é neste momento. Se houver algum bom senso, os líderes gregos e europeus têm de começar a falar sobre como organizar essa saída. Mas, infelizmente, acredito que irá acontecer de uma forma violenta e caótica.

P - Em Portugal também?
Cl - Portugal é um pouco diferente. O sistema político é diferente, as pessoas são diferentes, a sociedade portuguesa é diferente. Não é tão de confronto, de oposição como a grega. Mas claro que o problema é fundamentalmente o mesmo. Por isso, se Portugal sair do euro, enfrentará os mesmos problemas. Irá precisar de ajuda. Mas é a única maneira que vejo de estas economias recuperarem. No médio prazo, é a única esperança. Claro que a saída do euro, por si só, não basta. É importante referir isso. A saída é um passo necessário, mas não é suficiente.

P - O que é que os países, que saírem do euro, precisarão?
Cl - Irão precisar, claro, de um default na dívida pública [incumprimento do pagamento]. Mas irão também precisar de um programa amplo de reorganização das suas sociedades, o equivalente de um plano Marshall interno. Terão de reorganizar os seus recursos, reequilibrar as suas economias, terão de controlar os bancos e de lançar uma política industrial. A periferia da Europa precisa de reorganizar o seu sector produtivo, apostar em algumas áreas, ligar a produção à educação, reorganizar o Estado social.

Jornal «PÚBLICO», on-line
29:VI:2012


['hecatombe' - ritual sanguinário de 100 bois na Grécia Antiga...]