teologia para leigos

26 de março de 2012

RESSURREIÇÃO 1/3

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O caminho da exegese crítica
sobre os textos da Ressurreição



Os estudos exegético-críticos acerca dos textos da Ressurreição tornaram-se um mare magnum, a ponto de ser difícil para os próprios especialistas se poderem orientar. O que aqui apresentamos quer ser apenas uma indicação das pistas pelas quais caminha hoje [1996] a exegese, tanto a católica, quanto a protestante. Isso nos ajudará a compreender melhor as várias interpretações atrás arroladas e deverá servir de base para nossas reflexões de ordem sistemática.



Como era a pregação primitiva sobre a Ressurreição?_1

Os exegetas estão de acordo que a pregação primitiva da Igreja sobre a Ressurreição não deve ser buscada nos evangelhos nem em S. Paulo, mas sim nas fórmulas pré-paulinas e pré-sinópticas, que através dos métodos morfo-críticos descobrimos assimiladas em S. Paulo, nos evangelhos e especialmente nos Actos. Nos discursos de Pedro nos Actos 2-5 e em Paulo 1Cor 3-5 encontramos essas fórmulas antigas. Paulo diz expressamente que «transmite aquilo que ele mesmo recebeu» (1Cor 15:3). O próprio estilo literário de 1Cor 15:3-5 trai a antiguidade da fórmula que Paulo já encontrou fixada na comunidade de Jerusalém por volta do ano 35 aquando da sua primeira viagem àquela cidade. A estrutura formal rígida é a mesma nos Actos e em 1Cor 15:3-5:

a)   Cristo morreu… foi sepultado;
b)  Foi ressuscitado (ou ‘Deus o ressuscitou’: Act 2:4);
c)   Segundo as Escrituras;
d)  Apareceu a Kefas e depois aos Doze (ou «E disso nós somos testemunhas»: Act 2:32).

Nos discursos de Pedro nos Actos (2-5) a mensagem pascal é anunciada dentro de duas categorias de pensamento: uma apocalíptica e outra escatológica.

Na apocalíptica, que florescia no judaísmo pós-exílico, havia a ideia do justo-sofredor, humilhado e exaltado por Deus (cf. Sab 5:15ss). Isso tornou-se um leitmotiv das cristologia antiga como em Lucas 24:26 e Filipenses 2:6-11: «Ele se humilhou a si mesmo, por isso Deus também o exaltou». Nos discursos de Pedro encontramos semelhante explicação do acontecimento pascal: «Vós o mataste… contudo foi elevado à direita de Deus» [Act 2:24.33]. Mais adiante: «Deus o exaltou à sua direita como Autor (da vida) e Salvador» [5:30.31; cf. 3:13-15]. Com muita probabilidade esse esquema está ligado ao outro do ocultamento de Jesus [Act 3:21], como ao do profeta Henoc e Elias. Assim como Elias foi «arrebatado» ao céu [2Rs 2:9-11; 1Mac 2:58] da mesma forma Jesus [Act 1:9-11.22; Mc 16:19; Lc 9:51; 1Tm 3:16; 1Ts 4:16.17 e Ap 13:5]. O emprego desta terminologia pôde certamente ser sugerido pelo facto do desaparecimento do corpo de Cristo [Mc 16:6; Mt 28:5; Lc 24:32; Jo 20:2] ao qual os textos dão certa importância. O Jesus de S. João fala a linguagem primitiva do anúncio pascal. A Ressurreição é entendida como elevação, glorificação e ir para o Pai. Essa concepção está ligada ao tema do Messias, do Filho do Homem e do Servo Sofredor que é exaltado. Assim são, nos Actos, interpretados os Salmos 110 [Act 2:34] e Salmo 2 [Act 4:26]. Os factos pascais são vistos como a entronização do Messias-Rei como «Senhor e Cristo» [Sl 2; Act 2:36] e sua elevação como «Senhor e Salvador» [5:31].

A mensagem pascal é ainda interpretada por uma outra categoria de pensamento, a escatológica. Segundo esta, esperava-se, para o final dos dias, a ressurreição dos mortos. Os Apóstolos viram na Ressurreição de Jesus a realização dum facto escatológico. Se falam e anunciam a Ressurreição isso significa, nos moldes das categorias bíblicas, Ressurreição real e corporal. Vida sem corpo – embora glorificado [Mc 13:43] – para um judeu, é impensável. Como as manifestações de Jesus, no uso da terminologia da ressurreição, mostravam um Jesus glorificado era necessário deixar clara a identidade entre o crucificado e o glorificado. Os textos doa Actos (cf, 2:32; 3:15; 5:30) acentuam essa identidade, bem como, mais tarde, o fazem Lucas e João frente aos gregos. Essa terminologia recalcou, em grande parte, a outra de origem apocalíptica. Isso, por motivos óbvios, já que, frente à negação do facto da Ressurreição, devia-se acentuar a realidade da transfiguração da existência terrestre de Jesus. Por aí vemos que os fenómenos das aparições, das falas de Jesus vivo após a crucificação e do sepulcro vazio não foram logo interpretados como Ressurreição da carne, mas como elevação e glorificação do justo sofredor. Esta interpretação parece ter sido a mais antiga. Evidentemente, ela pressupõe também o Cristo vivo e transfigurado e o sepulcro vazio. Mas a isso não se chamou ainda Ressurreição. Mais tarde, devido às polémicas e por motivos querigmáticos, os fenómenos acima referidos foram mais adequadamente interpretados como Ressurreição, no sentido de total transfiguração da realidade terrestre de Jesus. Por isso, a Ressurreição é sempre referida à história de Jesus: à sua morte e sepultamento.

A interpretação dos fenómenos pascais como Ressurreição já vem testemunhada por Paulo em 1Cor 15:3-5, como acima referimos já. A expressão: ‘foi ressuscitado ao terceiro dia’ pode ser uma reminiscência histórica. Mas é também uma expressão oriental para dizer: ‘Cristo permaneceu só temporariamente na sepultura’. Segundo a crença geral, após esse espaço de tempo a vida se separaria definitivamente do cadáver. Quatro dias significaria ‘permanência definitiva’ [Didaqué 11:5]. A expressão ‘segundo as Escrituras’ não precisa de ser referida a nenhuma passagem explícita. Apenas quer exprimir a unidade da acção salvífica: o Deus que agiu outrora no Antigo Testamento (AT) agiu agora maximamente ressuscitando a Cristo. A referência aos testemunhos não precisa ser cronológica. A aparição a Pedro aparece já na seguinte fórmula, uma das mais antigas do Novo Testamento (NT): «Jesus Cristo ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão» [Lc 24:34]. A aparição a 500 irmãos de uma vez só não precisa ser tomada ao pé da letra. Talvez essa aparição seja a mesma indicada por Mateus 28:16ss no Monte da Galileia. A referência de uma aparição a Tiago fala em favor da credibilidade desse testemunho Paulino, porque o grupo de Tiago [Gálatas 2:12] se distanciara desconfiado do evangelho de Paulo acerca da liberdade cristã frente ao culto da Lei do judaísmo bíblico.

As fórmulas de fé em 1Cor 15 e nos Actos 2-5 deixam entrever, pela sua formulação rígida, que a Ressurreição não é nenhum produto da fé da comunidade primitiva, mas testemunho de um impacto que se lhes impôs. Não é nenhuma criação teológica de alguns entusiastas pela pessoa do nazareno, mas testemunho de fenómenos acontecidos depois da crucificação e que os obrigara a exclamar: Jesus ressuscitou verdadeiramente. Esse pequeno credo proclama os magnalia Dei realizados em Jesus e corresponde ao credo do povo judeu no Dt 26:5-11. O sepulcro vazio não é objecto de pregação, mas é antes suposto. As aparições são sempre atestadas como fundamento das duas possíveis interpretações, seja como elevação-glorificação do justo de Deus, seja como Ressurreição no sentido de uma acção de Deus transfigurando em vida nova de glória o Crucificado.

Ecce Homo


Donde veio a convicção dos Apóstolos na Ressurreição de Jesus?_2

Ninguém viu a Ressurreição. O evangelho apócrifo de S. Pedro, descoberto em 1886 (surgiu por volta de 150dC na Síria), narra o modo como Cristo ressuscitou diante dos vigias e dos anciãos judeus. Mas a Igreja não o reconheceu como canónico, porque certamente já a consciência cristã cedo percebeu que assim maciçamente não se pode falar da Ressurreição do Senhor. Possuímos apenas testemunhos que atestam duas coisas: o sepulcro está vazio e houve várias aparições do Senhor vivo a determinadas pessoas. Devemos, portanto, analisar as tradições que falam do sepulcro vazio e aquelas que referem aparições.

Grande número de exegetas, independentemente da sua confissão religiosa, chegou à seguinte conclusão: primitivamente, ambas as tradições circulavam autonomamente, uma ao lado da outra. Em Marcos 16:1-8, onde se narra a descoberta do sepulcro vazio pelas mulheres, temos já trabalho redacional combinando as duas tradições. A ligação, porém, não se ajusta bem. Os textos revelam tensões ocasionadas pelos versículos 5-7 que tiram a unidade ao relato. Se lermos Marcos 16:1-5a.8 a homogeneidade do relato transparece límpida: (1) as mulheres vão ao sepulcro; (2) encontram-no vazio; (3) fogem de medo e nada contam a ninguém. A aparição do Anjo com a sua mensagem (5b-7) seria um acréscimo tirado da outra tradição que só conhece aparições e não o sepulcro vazio. Qual a função do relato do sepulcro vazio, testemunhado pelos quatro evangelistas? Qual o seu Sitz im Leben?

Leonardo Boff
A nossa ressurreição na morte
Ed. Vozes, Petrópolis 2004, 10ª edição, pp-41-55

RESSURREIÇÃO 2/3

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 O sepulcro vazio não deu origem à fé na Ressurreição_3



O sepúlcro vazio
É claro que a tradição do sepulcro vazio se formou em Jerusalém. A pregação da Ressurreição de Jesus ter-se-ia tornado impossível na cidade santa se o povo pudesse mostrar o corpo de Jesus no sepulcro. Além do mais, na antropologia bíblica, qualquer forma de vida mesmo a pneumática, implica sempre o corpo. Os inimigos, seja nos tempos apostólicos, seja nas polémicas rabino-cristãs da literatura talmúdica, jamais negaram o sepulcro vazio. Interpretaram-no de modo diverso, como roubo por parte dos discípulos [Mt 28:13] ou, como recentemente quer D. Whitaker, roubo perpetrado por violadores de túmulos. Exegetas, tanto católicos, como protestantes, afirmam um núcleo central histórico anterior aos evangelhos − as mulheres encontraram o sepulcro vazio.

Esse núcleo histórico foi feito tradição em ambientes cultuais. É sabido que os judeus veneravam os túmulos dos profetas. [J. Jeremias] Assim, semelhantemente desde cedo os cristãos começaram a venerar os lugares onde se realizou o mistério cristão em Jerusalém. Dramatizavam-no em três momentos principais: (1) uma recordação – anamnese – da última noite de Jesus por ocasião do agápe fraternal; (2) uma liturgia da sexta-feira santa na hora em que se celebravam as orações judias; (3) e uma acção litúrgica na manhã de páscoa com uma visita ao sepulcro de Jesus. Por isso, os textos do relato do encontro do sepulcro vazio mostram um interesse especial pelo lugar: «Ele não está aqui. Vede o lugar onde o depositaram» [Mc 16:6b]. Essa tradição, porém, não se preocupou em dar exactamente os detalhes. Basta comparar os paralelos sinópticos e João para se observar as divergências (no número de mulheres; no número de anjos; divergência acerca dos motivos porque as mulheres foram ao sepulcro; diferença de horário; diferença na mensagem do anjo; diferença na reacção das mulheres frente ao sepulcro vazio). O relato, contudo, atém-se ao essencial: o Senhor vive e ressuscitou. O sepulcro está vazio.

O facto ‘sepulcro vazio’, porém, não é transformado em prova da Ressurreição de Jesus em nenhum evangelista. Em vez de provocar fé originou medo, espanto e tremor, de sorte que «elas fugiram do sepulcro» [Mc 18:6; Mt 28:8; Lc 24:4] (a visita de Pedro e João ao sepulcro vazio em Jo 20:8 parece não ser uma reminiscência histórica, mas uma construção teológica do autor do evangelho de João, no sentido de colocar o chefe do grupo joaneu junto do chefe da Igreja, Pedro; cf. Benoît, P., Passion et Réssurrection du Seigneur, (Lire la Bible_6), Cerf, Paris 1969, pp.284-286) O facto ‘sepulcro vazio’ foi imediatamente interpretado por Maria Madalena como roubo [Jo 20:2.13.15]. Para os discípulos, ele não passa de um diz-que-diz-que de mulheres [Lc 24:11.22-24:34]. O sepulcro vazio por si só é um sinal ambíguo, sujeito a várias interpretações. Somente a partir das aparições sua ambiguidade é dilucidada e pode ser lido pela fé como um sinal da Ressurreição de Jesus. As aparições são concedidas a testemunhas escolhidas. O sepulcro vazio é um sinal que fala a todos e leva a reflectir na possibilidade da Ressurreição. É um convite à fé. Não leva ainda à fé.



Aparição a Maria Madalena

Um problema à parte oferece a aparição dos anjos junto ao sepulcro. A interpretação tradicional vê neles, de facto, seres supra terrestres e verdadeiros anjos. Contudo, sem questionarmos a existência dos anjos, deve-se dizer que esta interpretação, mesmo dentro dos critérios bíblicos, não é a única possível. O ‘anjo’ (mal’ak Yahvé) está no lugar de Yahvé cuja transcendência o judeu reafirma absolutamente, de modo que, em vez de dizer ‘Yahvé’ dizia ‘Anjo de Yahvé’ [Gn 22:11-14; Ex 3:2-6; Mt 1:20]. Outra interpretação poderia ser a seguinte: as mulheres encontram o sepulcro vazio e logo atinam com a Ressurreição de Jesus. Esta ideia é interpretada como uma iluminação de Deus. Exprimem-na na linguagem literária da época como sendo uma mensagem do anjo (Deus). Outra interpretação possível, e que se coaduna melhor com a análise que expusemos acima, se articularia da seguinte forma: as mulheres vão ao sepulcro; encontram-no vazio; estão desapontadas e com medo. Nesse entretanto regressam os apóstolos da Galileia, onde tiveram aparições do Senhor. O testemunho deles é unido ao das mulheres. A mensagem dos Apóstolos «O Senhor Ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão» [Lc 24:34, talvez a fórmula, mais antiga] é considerada como uma revelação de Deus e expressa na linguagem da época, colocando-a na boca de um anjo (Deus). A fé na Ressurreição não encontrou sua origem na descoberta do sepulcro vazio e no testemunho das mulheres, mas nas aparições dos apóstolos. Por isso a preocupação de Marcos 16:7 em fazer as mulheres irem a Pedro e aos discípulos e comunicarem-lhes a mensagem do anjo. Eles souberam do sepulcro vazio primeiro pelas mulheres. Por isso eles podem responder às calúnias dos judeus – de que tinham raptado o corpo de Jesus – que por si mesmos nada sabiam do sepulcro vazio. Mt 28:11-16 (o conluio dos vigias com o sumo-sacerdote) revela uma clara tendência apologética de Mateus. Na forma de uma estória, ele quer tornar ridícula a calúnia (dos judeus) do roubo do corpo de Jesus.

Leonardo Boff
A nossa ressurreição na morte
Ed. Vozes, Petrópolis 2004, 10ª edição, pp-41-55

RESSURREIÇÃO 3/3

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 As aparições de Cristo, origem da fé na Ressurreição_4



A profissão de fé na Ressurreição de Jesus é a resposta às aparições. Só elas retiraram a ambiguidade do sepulcro vazio e deram origem à exclamação dos Apóstolos: Ele ressuscitou verdadeiramente! Os evangelhos, ao nível redacional, transmitem-nos os seguintes dados: as aparições são descritas como uma presença real e carnal de Jesus. Ele come, caminha com os discípulos; deixa-se tocar, ouvir, dialoga com eles. Sua presença é tão real que pôde ser confundido com um viandante, com um jardineiro e com um pescador. Contudo, ao lado destas representações maciças, há afirmações que não se coordenam mais com aquilo que conhecemos do corpo: o Ressuscitado não está mais ligado ao espaço e ao tempo. Aparece e desaparece. Atravessa paredes. E nós nos perguntamos: quando isso acontece, ainda podemos falar, com propriedade, de corpo?

Se considerarmos as aparições ao nível da história das tradições (das quais se originaram os evangelhos como os temos hoje), o problema apresenta-se bem mais complexo. Aqui se verifica o seguinte fenómeno: de uma representação espiritualizante da ressurreição como em 1Cor 15:5-8; Act 3:15; 9:3; 26:16; Gl 1:15 e Mt 28, passa-se para uma materialização cada vez mais crescente como em Lucas e João, nos evangelhos apócrifos de Pedro e aos Hebreus. A necessidade apologética obrigou os hagiógrafos a tais concretizações. Para além disso, as aparições, quanto mais recentes são os textos, tanto mais se concentram em Jerusalém e mais se aproximam do tema do sepulcro vazio. Um problema à parte é o das indefinidas tentativas de harmonização entre as aparições relatadas em 1Cor 15:5-8 e as narradas nos evangelhos. Paulo refere cinco aparições do Senhor vivo. Mc 16:1-8 não conhece nenhuma aparição, mas diz claramente que Cristo se deixará ver na Galileia [7b]. O final de Marcos [16:9-20] condensa as aparições relatadas nos outros evangelhos e, com boas razões, pode ser considerado um acrescento posterior. Mateus 28:16-20 conhece uma só aparição aos Onze, na Galileia, «sobre o monte que Jesus lhes indicara». A aparição às mulheres, às portas do sepulcro vazio [28:8-10], é vista pelos exegetas como uma elaboração ulterior sobre o texto de Mc 16:7: as palavras do Ressuscitado são notavelmente semelhantes às do Anjo. Lucas refere duas aparições, uma aos discípulos no caminho de Emaús e outra aos Onze e a seus discípulos em Jerusalém [24:13-35; 36-53]. João 20 refere três manifestações do Senhor, todas elas em Jerusalém. João 21, considerado como um apêndice posterior ao evangelho, refere outra aparição no lago de Genesaré, na Galileia. Contudo, a interpretação desse capítulo é mais coerente se admitirmos que seja a reelaboração de uma tradição pré-pascal acerca do chamamento dos discípulos [Lc 5:1-11], agora recontada à luz da novidade da ressurreição com a clara intenção de relacionar o ministério de Pedro com o poder do Cristo ressuscitado. Os relatos revelam duas tendências fundamentais: Marcos e Mateus concentram seu interesse na Galileia, enquanto que Lucas e João em Jerusalém, com a preocupação de ressaltar a realidade corporal de Jesus e a identidade do Cristo ressuscitado com Jesus de Nazaré. A harmonização, feita geralmente pela exegese católica, afirmando que primeiro Cristo teria aparecido em Jerusalém e depois na Galileia, está sendo abandonada. As dificuldades dos textos, da maneira das aparições e o melhor conhecimento das tradições e do trabalho redacional dos hagiógrafos, induzem a concluir pelo seguinte: as aparições na Galileia têm mais fundamento histórico; as aparições de Jerusalém seriam elaborações de carácter teológico das vivências na Galileia, com a intenção de relevar o significado histórico-salvífico da cidade e da comunidade primitiva aí formada. «A salvação vem de Sião» [Sl 13:7; 109:2; Is 2:3; cf. Rom 11:26]. Isaías 62:11 diz: «Eis que o salvador vem para ti, filha de Sião». A história da salvação atinge em Jerusalém seu termo e sua plenitude. Lucas, tanto no evangelho quanto nos Actos, frisa esse motivo teológico ligado á cidade: Páscoa e Pentecostes é aí que se realizam. O Ressuscitado será anunciado, começando em Jerusalém até aos confins do orbe [Lc 24:47; Act 1:8]. Essa tendência é mais acentuada ainda no evangelho de S. João: o Cristo joaneu age de preferência em Jerusalém por ocasião das festas do povo.

A tradição da Galileia interpretara a Páscoa de Jesus não tanto como Ressurreição da carne, mas como elevação, glorificação e manifestação do Filho do Homem [cf. Daniel 7:13ss], agora sentado à direita de Deus’, utilizando a linguagem do mundo apocalíptico. Mateus 28:16-20, representante da tradição da Galileia, apresenta o Cristo ressuscitado constituído em Poder como Filho do Homem, transmitindo esse mesmo poder à sua Igreja enviando-a em missão. O Reino imperecível [Dn 7:14] é «traduzido» pela presença constante de Cristo na Igreja [Mt 28:19]. A Ressurreição é vista como a Parusia do Filho do Homem agora presente na comunidade [cf. 2Pe 1:16ss].

A pregação e a catequese da Páscoa de Cristo, elaboradas no horizonte da compreensão dos leitores e ouvintes gregos, obrigaram a uma tradução desta interpretação, na linha da Ressurreição da carne. O kerigma fundamental, agora na tradição do tipo de Jerusalém [Lucas e João], soa da seguinte forma: «Eu estava morto. Mas eis que agora vivo pelos séculos dos séculos. Eu tenho as chaves da morte e do inferno» [Ap 1:18; cf. Rom 6:10]. O problema que surge reside em salvaguardar a realidade da Ressurreição. Cristo vive realmente e não é um «espírito» [Lucas 24:39] ou um «anjo» [Act 23:8-9]. Daí a preocupação em relevar a identidade do ressuscitado com Jesus de Nazaré, descrever e tocar as suas chagas [Lc 24:39; cf. Jo 20:20.25-29] e acentuar que ele comeu e bebeu com seus discípulos [Act 10:41] ou que ele comeu diante deles [Lc 24:43]. Os relatos de vivências do Ressuscitado por pessoas privadas, como Maria Madalena [Jo 20:14-18; cf. Mt 28:9-10] ou dos jovens de Emaús [Lc 24:13-35], são cercados de motivos teológicos e apologéticos dentro do esquema literário das lendas (‘legendes’) para deixar claro aos leitores a realidade do Senhor vivo e presente na comunidade. Exemplo clássico de tal preocupação é o relato dos jovens de Emaús. [cf. J. Dupont, Le repas d’Emmaus, in Lumiére et Vie 31 (1957) 77-92]. O modo como os dois jovens chegaram à fé no Ressuscitado é apresentado como modelo para os leitores: deixar-se instruir pelas Escrituras que falam de Cristo e deixar que os olhos se abram pela «fracção do pão», isto é, pela Eucaristia. É o caminho pelo qual nós ainda hoje chegamos à fé na novidade pascal, pela palavra e pelo sacramento. O relato de Emaús [Lc 24:13-35] segue um estilo literário típico de Lucas, utilizado também nos Actos [8:26-39] ao narrar a conversão do camareiro etíope por Filipe. Em ambas as narrações encontram-se os seguintes paralelos: o Ressuscitado ou Filipe inspirado pelo Espírito explica o Antigo Testamento e relaciona-o com Cristo. No final, o camareiro ou os dois jovens externam um pedido. O ponto culminante do relato reside na recepção de um dos sacramentos que, na Igreja primitiva, eram fundamentalmente dois, a Eucaristia e o Baptismo. Assim, a fé na Ressurreição, para os tempos pós-apostólicos, baseia-se na pregação e nos sacramentos da Igreja que testemunham e tornam presente, e visível, o Cristo Ressuscitado.

Mesmo que não houvesse sepulcro vazio e aparições, seria possível e válida a fé na Ressurreição – por causa da Igreja. [pelo facto da Igreja existir viva e vivificada/inspirada pelo Espírito de Jesus de Nazaré] Esse é o sentido último, reforçado pelo relato da dúvida de Tomé em João 20 com a conclusão: «Felizes os que não vêem e apesar disso crêem» [Jo 20:29].



Tentativa de reconstrução dos acontecimentos pascais_5

Do exposto acima, dois factos resultam claros e indiscutíveis: o sepulcro vazio e as aparições aos discípulos. Foram, porém, feitos tradição e revestidos de várias tendências, conforme as necessidades do momento: necessidades de ordem teológica, apologética, catequética e cúltica. Por isso, reconstruir os acontecimentos pascais constitui uma tarefa arriscada com resultados muito fragmentários e questionáveis. Contudo, a fé, que não se baseia num mito, mas numa história, sempre mostrará interesse pelo «como foi», a fim de eruir mais profundamente para «o que isso significa para mim». Os relatos da Ressurreição, tal como os temos agora, teriam, como pano de fundo histórico, os seguintes pontos:

(1)       A prisão de Jesus que fez realizar o que ele prevenira: «todos irão escandalizar-se de mim» [Mc 14:27; Mt 26:31]. Os discípulos fogem [Mc 14:50; Mt 26:56].
(2)       Eles o revêem ressuscitado primeiramente na Galileia [Mc 14:28; Mt 26:32; Mc 16:7; Mt 28:7.16-20]. Muito possivelmente, o relato dos jovens de Emaús está subordinado ao regresso dos discípulos à Galileia, após o fracasso de Jesus em Jerusalém.
(3)       Um dia depois do sábado, as mulheres têm as primeiras vivências pascais. O nome o número das mulheres varia nos quatro evangelhos. Só Maria Madalena ocorre em todos eles. Elas vão ao sepulcro levar aromas [Lc 24:1; Mc 16:1]. Nada sabem da sepultura selada [Mt 27:66]. Encontram o sepulcro aberto e sem o corpo de Jesus [Jo 20:1; Mc 16:4; Mt 28:2; Lc 24:2]. Fogem com medo e vão informar os apóstolos [Mt 28:8; Lc 24:9ss.23; Jo 20:2; Mc 16:7].
(4)       Um facto determinante para a fé na Ressurreição deu-se algum tempo depois (cf. «depois dos seis dias»: Mc 9:2; Mt 17:1 ou «uns oito dias depois»: Lc 9:28)[1] na Galileia [Mc 16:7; Mt 28:7.16-20; cf. Mc 14:28; Mt 26:32]. Cristo ressuscitado deixa-se ver aos seus discípulos. Esses interpretam as aparições como encontros com Jesus de Nazaré agora elevado junto a Deus em vida eterna e em glória. Sobre as circunstâncias especiais de lugar, de modo e de número de discípulos, no actual estado da investigação, pouco se pode determinar, exacta e historicamente. Seja como for, os discípulos viram nos acontecimentos pascais um facto escatológico, como realização plena e acabada da história de Jesus, agora manifestado Messias e Filho do Homem e de toda a História da Salvação. Anunciar Jesus como Salvador e Juiz universal e seu reinado sobre todas as coisas constitui a missão dos Apóstolos e da Igreja.


Essa reconstrução é certamente precária. Porém, ela contém os dados históricos fundamentais a partir dos quais emergiu a fé na Ressurreição de Jesus como escândalo para muitos [1Cor 2:23; Act 17:32; 23:6-9] e a esperança e a certeza de vida eterna para outros tantos [1Cor 15:50ss].

Resta saber o que significa para a teologia e para a existência humana de fé, hoje, a Ressurreição de Jesus.


Leonardo Boff
A nossa ressurreição na morte
Ed. Vozes, Petrópolis 2004, 10ª edição, pp-41-55


[1] Já dissemos que a frase «ressuscitou ao terceiro dia» não contém uma reminiscência histórica, mas é, antes, uma proposição dogmática. Cristo apareceu alguns dias após. A transfiguração de Cristo, colocada no tempo da vida terrestre de Cristo, contém traços claros de ser uma aparição do Ressuscitado retro projectada para o tempo antes da sua morte e ressurreição; agora, como está, revela o processo de catequese da Igreja primitiva ainda em andamento, onde elementos históricos de Cristo são retrabalhados com outros acontecidos depois da Páscoa do Senhor (anúncio da paixão com o convite a seguir a Cristo no caminho da cruz: Mc 8:31-38par).

24 de março de 2012

IDENTIFICAS-TE COM A HIERARQUIA CATÓLICA?

Entrevistas de ‘Redes Cristianas’


Xabier Pikaza


Xabier Pikaza Ibarrondo



Foi presbítero e religioso da Ordem das Mercês, professor de Teologia na Universidade Pontifícia de Salamanca [1983-2003]. Está ‘secularizado’ (expressão de que gosta, pois Jesus também era um ‘secular’). Colabora em algumas tarefas da Igreja e escreve teologia. Labuta por radicalidade e pactos.


P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: O problema não é se me sinto confortável ou não, mas se me comprometo, e de que forma, com a marcha do evangelho, o qual foi e continua a ser um aspecto importante da minha experiência e tarefa humanas. Aquilo a que se refere a tua pergunta importou-me há mais de 25 anos atrás (nos anos 80), quando senti que o caminho que a hierarquia estava a tomar no seu conjunto não era o que eu buscava, nem sequer aquele que a hierarquia e o conjunto da igreja me haviam ensinado nos anos 60.

A minha preocupação não é o que faz hoje a hierarquia, mas o que eu faço, o que fazemos, nós, pela mensagem do Reino. Inclino-me a pensar que esta hierarquia jamais poderá renovar a Igreja, mas nem por sombras a quero desqualificar no seu todo. A reforma terá que acontecer, e já está a acontecer, a partir doutras fontes vitais… E eu bem que gostaria que essa reforma pudesse também refluir sobre a própria hierarquia, a fim de mudar a sua maneira de ser/fazer, a fim de ainda recuperar (se é que é possível) todas as pessoas.


P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: Simplesmente Igreja, comunidade de pessoas que regressassem ao evangelho. Há demasiada história patrimonial, demasiado e bom património, mas esse património (incluindo estruturas, hierarquia, etc.) na maior das vezes é ambíguo (quanto a poderes, violências, imposições…) mas, por outro lado, não tem lastro. Por isso, o que mais importa é começar mais uma vez, livres de fardos e carapaças que fomos construindo…

Aqueles que, de alguma forma, rompemos com essa carapaça (ou que foram obrigados a romper) temos a responsabilidade de mostrar que temos algo que seja mais do que apenas um protesto, uma pateada, uma crítica pela crítica… Às vezes, damos a impressão de que estamos prisioneiros duma instituição da qual, em parte, viemos, mas que da qual continuamos a alimentar-nos (nem que seja à custa do protesto contra ela). Creio que chegou a altura de criar. Temos a responsabilidade de criar, de oferecer outros caminhos.

Por outro lado, a hierarquia, tal como está (o modo como faz as nomeações, o tipo de pessoas que a compõe), não terá futuro: sobrevive inerte! Tem poder, mas está demasiado atada aos seus fantasmas, medos e problemas. Nesse sentido, às vezes dá-me pena…

Mas penso que não podemos deitar as culpas a toda a hierarquia. Todos os que temos uma palavra, algum tipo de influência, uma certa forma de presença, somos hierarquia, no sentido forte do termo. O futuro depende do que fizermos todos.



«La Esperanza»

Comunidad de Base de Logroño


Logroño


P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: Ainda que a hierarquia espanhola promova a ajuda assistencial aos pobres e necessitados (totalmente necessária e reconhecida como tal) através da Caritas, Projecto Homem, Mãos Unidas e outras associações, temos muitas e sérias dificuldades em nos identificarmos com a hierarquia. A imagem que dá não nos parece de todo evangélica.

Mostra, nas suas intervenções ou na ausência delas, uma imagem de preocupada com a defesa do poder, quer doutrinalmente, quer juridicamente, e, até mesmo, politicamente. É monolítica – de pensamento único −, é opressora da liberdade e da investigação teológica. Neste sentido, e em linha com a sua postura doutrinal inflexível, pretende silenciar o trabalho e o pensamento de teólogos, moralistas e peritos que não sejam coincidentes com a chamada linha oficial (Pagola, Masiá, Tamayo, Arregui..).

Dá a impressão que persegue e trata de conservar privilégios de todo o tipo, que outrora, em circunstância sociológicas e políticas tão diferentes, conquistou, procurando, por necessidade, sobreviver, agora, no seio dum estado laico.

Vemo-la como retrógrada, no concreto com uma atitude alheada do espírito do Vaticano II, animando e apoiando grupos de resistentes, tais como os Neo-Catecumenais, os Legionários de Cristo, o Opus Dei, etc., por outro lado, cortando as pernas ao trabalho e à presença dos movimentos de cariz mais renovador, tais como as Comunidades de Base, a Teologia da Libertação, etc.

Quanto à pastoral, quer a hierarquia, quer Roma, os bispos e os sacerdotes, está longe e afastada do povo, dos problemas e necessidades das pessoas, separa os leigos do clero, marginaliza as mulheres favorecendo homens sem qualquer fundamento histórico ou doutrinário para tal.


P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: Gostávamos que nos mostrasse o rosto de Jesus, isto é:

·       Próxima dos pobres, dos seus problemas, das suas inquietações e aspirações; que fosse capaz de escutar as necessidades e estar atenta à sensibilidade da sociedade actual apoiando e trabalhando ombro a ombro com tantas organizações e pessoas simples que dedicam as suas vidas a libertar os mais pobres e excluídos no seio duma sociedade opulenta e injusta.
·       Aberta aos novos movimentos científicos, sejam eles quais forem, sempre a favor do Homem e da Natureza, já que não achamos que a razão se oponha à fé (mesmo que as pessoas não se convertam). Gostaríamos de ver esta hierarquia a publicar textos corajosos e libertadores, tal como o fez com a  Doutrina Social da Igreja desde Leão XIII até hoje; mas também no âmbito de questões que preocupam a nossa sociedade dando-lhes mais difusão com os meios mediáticos de que dispõe e, sobretudo, comprometendo-se para fora a fim de que os incorporar no seu interior.
·       Desejaríamos ver maior participação de todo o Povo de Deus nas decisões da Igreja, abrindo a sua organização a formas mais flexíveis e a estruturas mais democráticas em áreas tais como a gestão económica, a eleição para os cargos dirigentes, a formação dos sacerdotes, a participação da mulher em pé de igualdade com o homem, o celibato, que deveria ser opcional…
·       Preferíamos uma hierarquia mais humilde, com capacidade de autocrítica reconhecendo os seus erros históricos, em permanente renovação e aberta ao mundo, concedendo liberdade de pensamento e de consciência.
·       E sem dúvida que nos agradaria ver uma hierarquia à maneira de Jesus na cruz, despida, sem poder, sem sinais medievais de ostentação, sem privilégios, unicamente serva e profética.






uma Religiosa Auxiliadora

de 74 anos, vive numa comunidade nos arrabaldes de Jerez, colabora em projectos de emigrantes e trabalha com doentes terminais com HIV





P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: É rígida, dogmática e tremendamente moralista, obcecada por achar que tudo o que se refere ao sexo, ao sexto… está pervertido, generalizando tudo em vez de discernir situação a situação.

Anda lado a lado com os poderosos. Atende mais às normas que ao fundo dos problemas. Apoia-se mais nos dogmas do que no Evangelho: vejam-se todos os problemas que arranja com teólogos, a quem marginaliza, ameaça, proíbe… O seu horizonte é o passado!

P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: Aberta, acolhedora, evangélica. Desprendida e com uma clara opção pelos pobres.



Grupo de Jovens de Logroño



P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: A Igreja em Espanha está a perder o apoio e a legitimidade ideológica duma sociedade que muda e que está em permanente evolução na medida em que não é fácil identificar-se com uma instituição cujos postulados e posicionamentos públicos não se coadunam à realidade social actual (celibato, diversidade sexual, etc.), nem tão pouco ao seu discurso litúrgico demasiado alheio, abstracto, mágico, difícil de decifrar e de aplicar ao mundo actual, às pessoas e às suas vidas. A Hierarquia da Igreja continua a ser machista, pois que os seus postos continuam a ser ocupados por homens. Além disso, perdeu o sentido original das tradições e dos actos religiosos, os quais se converteram em folclore e atracção turística.

Apercebemo-nos da existência de uma censura de outros modelos de Igreja, além disso impõe muitos dogmas e borrifa-se para a democracia, pois nunca nos pergunta que queremos ou que pensamos. Há fanatismo religioso assim como também existe uma ideia de que a laicidade é algo mau. Privilegia a condenação da indiferença e menospreza a inclusão. É óbvio que tememos pela liberdade; não é fácil assumir que a Igreja NÃO é a hierarquia.


P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: A igreja deveria colocar a pessoa no centro e deveria situar-se onde estão os jovens, os pobres… Não se entende porque busca multidões, em vez de realizar acções com escala mais pequena, destinar menos dinheiro para grandes montagens espectaculares e, decididamente, deveria procurar a essência do cristianismo. A cada ano, o património da Igreja aumenta, assim como os seus privilégios. Deveria mobilizar-se por aspectos morais de fundo e lutar contra as injustiças humanas e mobilizar-se menos por propaganda. É necessário que exista uma aceitação clara da diversidade e da individualidade em todos os sentidos: sexual, político, de pensamento…

Para que as pessoas se aproximem mais da Igreja seria necessário que esta explicasse a figura de Jesus e a Bíblia de forma menos mágica, deixando de lado uma interpretação frequentemente literalista dos textos e explicando a verdadeira mensagem de Jesus, de modo que se consiga uma mais fácil identificação das pessoas com as palavras, com os ideais, com a forma de pensar e de viver de Jesus, estando tudo isto frequentemente eclipsado pela obscuridade que nos querem transmitir.

A imposição duma visão desfigurada da mensagem de Jesus não ajuda em absoluto, nem a entendê-lo, nem a identificar-nos com ele. Assim, a Igreja deveria olhar para trás e fixar-se na Ekklesía, como reunião dos primeiros cristãos, como celebração de iguais desejosos de partilhar a mensagem de Jesus e deixar de lado as tentações de ingerência e de influência nos assuntos políticos da sociedade, verdadeiras reminiscências medievais.

Em suma, a Igreja deveria adquirir um pouco de sentido público comum para enfrentar os problemas das pessoas.



um Cristão Homossexual



cristão homossexual, de Alicante a viver em Madrid, que pertence a uma comunidade cristã de diversidade sexual (lgtb & heterossexual)


P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: Não me sinto identificado com algumas tomadas de posição no que diz respeito a alguns temas, como por exemplo o tratamento dado à realidade LGTB, o sacerdócio feminino ou o celibato opcional. A Igreja hierarquia está a calar vozes que reclamam a revisão destes temas a partir duma perspectiva da fé e da caridade.


P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: A Igreja deveria ser mais próxima, mais humilde e mais propensa à caridade. Ultimamente, muitas declarações que têm origem na hierarquia vêm numa linha demasiado condenatória em vez de se abeirar de determinadas realidades partindo do paradigma da caridade e da compreensão. Julgo que também subjazem numerosos interesses políticos e económicos que é preciso esclarecer.