Os pobres e os desempregados
que se lixem
(clicar para ampliar) |
No primeiro
trimestre de 2012 entraram na Segurança Social, em média, 12 mil processos de RSI por mês.
Em 2011 esse valor situou-se em cerca de 8 mil processos mensais e, no último
trimestre desse ano, em 9 mil. Nada que surpreenda: por um lado, as «políticas
activas de desemprego» levadas a cabo pela actual maioria PSD/PP
geraram, em apenas um ano, 140 mil novos desempregados; por outro, com a
degradação das condições de acesso ao subsídio de desemprego (em prazos e
montantes), o número de desempregados que perderam o
direito a esta prestação aumentou sem cessar (de cerca de 404 mil para
473 mil entre Junho de 2011 e Junho de 2012). Sendo mais do que
previsível, o acréscimo de processos de RSI entrados não se traduziu, contudo,
num aumento proporcional do número de beneficiários desta prestação (apenas
cerca de mais 15 mil, no mesmo período). Comprometido com cortes substanciais
nas despesas sociais, Pedro Mota Soares viu-se pois a braços com a necessidade
de conter os encargos orçamentais com o RSI, prestação a que a direita dedica um
ódio particular.
Em vez de
reconhecer o que seria expectável, para quem defende a (clicar AQUI) «ética
social na austeridade», isto é, o reforço financeiro da medida dado
o aumento de cidadãos em situação económica que os deveria tornar elegíveis
para a receber, Pedro Mota Soares decide fazer o contrário: aperta ainda mais as
regras de acesso e fiscalização da prestação, esforçando-se
assim - tanto quanto pode - para manter a imagem (e o estigma) de que o RSI é um puro
«subsídio à preguiça» e fonte inesgotável de «fraudes e abusos». Os
dados, porém, desmentem sistematicamente esta (clicar AQUI) « deliberada
mistificação » .
Se olharmos para o
relatório mais recente da CNRSI, de Junho de 2011
(isto é, anterior ao reforço do cerco persecutório e populista montado aos
beneficiários do RSI pelo actual governo), verificamos que dos 642 mil
processos entrados e avaliados no primeiro semestre de 2011, cerca de 40% foram indeferidos ou arquivados (o que demonstra
que o crivo é, logo à partida, muito relevante).
Mas mais
interessante ainda é constatar os motivos
de cessação da prestação no mesmo período:
- a maior parte
ocorre por alteração dos rendimentos
(52%) e restrição dos critérios de acesso
(12%), representando as situações de provável «fraude e abuso» (incumprimento
do programa de inserção, falsas declarações, falta à convocatória do IEFP,
recusa do plano pessoal de emprego ou posse de património mobiliário superior
ao limite) apenas 10% do total de processos cessados (clicar no gráfico para ampliar).
Não, nem o RSI é um
alfobre de «fraudes e abusos» nem o governo se pauta por qualquer espécie de
«ética social na austeridade».
Mas sim, e apenas,
por uma repugnante
e inesgotável miséria moral.
A
SOPA DOS POBRES
«OS POBRES? ATÉ TÊM ESQUENTADOR…»
Adenda: Se ponderarmos o número médio
mensal de cessações fundamentadas em casos de «fraude e abuso» (incumprimento
do programa de inserção, falsas declarações, falta à convocatória do IEFP,
recusa do plano pessoal de emprego ou posse de património mobiliário superior
ao limite) pela média mensal de famílias beneficiárias de RSI no primeiro
semestre de 2011, constatamos que o peso percentual das referidas «fraudes e abusos»
se restringe a uns residuais 3%
(o que desautoriza - de forma inequívoca - a sanha persecutória do ministro Mota Soares).
Nuno Serra
Ladrões de Bicicletas, blog
09:VIII:2912
GOVERNO PSD-CDS/PP:
«O Governo tem como objectivo "manter
uma ética social na austeridade" e isso implica, segundo o ministro da
Solidariedade, "tomar um conjunto de medidas como o aumento das pensões
mínimas, sociais e rurais que está previsto que aconteça no próximo
ano, ao contrário do que aconteceu no passado", contemplando cerca de um
milhão de portugueses.» [17:X:2011, Pedro Mota Soares, “I Convenção Anual da
Plataforma Europeia Contra a Pobreza e a Exclusão Social”, EU, Cracóvia]
Papa JOÃO PAULO II:
Laborem
Exercens (1981),
nº 12: prioridade
do trabalho sobre o capital.
Liberdade
cristã e libertação
– Instrução da Congregação da Doutrina da Fé (1986):
«(…) a solução para a maior parte dos
gravíssimos problemas da miséria encontra-se na promoção duma verdadeira civilização
do trabalho. De certa maneira, o trabalho é a chave
de toda a questão social». «a relação entre a pessoa humana e o trabalho
é radical e vital»
(nº 83).
«(…) todo o homem tem direito a um trabalho
que deve ser reconhecido na prática por um esforço efectivo que vise resolver o dramático problema do desemprego. O facto de este
manter numa situação de marginalidade amplos sectores da população e
principalmente da juventude é algo intolerável.
Por isso, a criação de postos de trabalho é uma tarefa social primordial que
deve dizer respeito aos indivíduos, à iniciativa privada e igualmente ao Estado (…)». (nº 85)
“Centesimus annus” (1991), c. 5:
“Os mecanismos do mercado (…) são
portadores do risco da «idolatria» do mercado,
já que ignoram a existência de bens que, pela sua natureza, não são nem podem
ser simples mercadorias”. (nº 40)
“A primeira incumbência do Estado é (…) que
quem trabalha e produz possa gozar dos frutos do seu trabalho (…). O Estado tem o dever de secundar a actividade das
empresas criando condições que assegurem oportunidades de trabalho,
estimulando onde elas sejam insuficientes ou
sustentando-as em momentos de crise.” (nº 48)
Aos
Bispos do Peru
(Roma, 1984):
“(…) conheceis sem dúvida de perto a
tragédia do homem concreto do campo e das cidades(…). Quanto mais dura é a
situação mais inadmissíveis são as atitudes dos
sistemas que se inspiram em princípios de pura utilidade económica para
benefício de sectores privilegiados”. (…) “É por isso necessário que todos os
pastores da Igreja do Peru (…) trabalhem seriamente
(…) na causa da justiça e da defesa do pobre”
(…) “a Igreja quer manter a sua opção preferencial
por estes”.
Na
Missa, em Santo Domingo (Peru, 1984):
Deus “é o Deus de todos, contudo outorga a sua misericórdia inicial aos deserdados deste mundo”.
(nº 5)
AMARTYA SEN:
«Há
aqui seguramente lições a tirar de John Maynard Keynes, que compreendeu que o Estado e o mercado são interdependentes.
Mas Keynes tinha pouco a dizer sobre justiça social, incluindo os compromissos
políticos com que a Europa emergiu depois da Segunda Grande Guerra. Foi isso
que conduziu ao nascimento do moderno
Estado Providência e dos sistemas
nacionais de saúde - não para
sustentar uma economia de mercado, mas sim para proteger o bem-estar humano.
Embora Keynes não se tivesse envolvido profundamente com estas questões sociais há, na Economia, uma velha tradição, a que combina mercados eficientes com provisão pública de serviços que o mercado não é capaz de assegurar.
Embora Keynes não se tivesse envolvido profundamente com estas questões sociais há, na Economia, uma velha tradição, a que combina mercados eficientes com provisão pública de serviços que o mercado não é capaz de assegurar.
Como
Adam Smith (tantas vezes simplisticamente encarado como o primeiro guru da
livre economia de mercado) escreveu, na «Riqueza das Nações», há «dois objectos
distintos» numa economia:
a) «primeiro, garantir recursos abundantes ou de subsistência para
as pessoas, isto é, mais precisamente, que lhes permitam assegurar
um rendimento ou uma forma de subsistência para elas próprias;
b) e, em segundo
lugar, dotar o Estado ou a
comunidade com uma receita suficiente para
serviços públicos.»
Nuno
Serra, in: «A ESTANTE DOS PASSOS PERDIDOS»