teologia para leigos

28 de agosto de 2012

«A TEIA» - NEGÓCIOS & POLÍTICA

Estilhaços chegaram a Portugal


José Dirceu, a eminência parda – Ex-ministro de Lula da Silva vai insistir na sua inocência e demonstrar que “nunca houve o chamado mensalão”.



Apesar de ter caído do Governo por causa do Mensalão, José Dirceu manteve a imagem de quem manobrava nos bastidores. Mas “a maioria das coisas que se escreve sob a sua influência é mais lenda do que realidade”, diz ao PÚBLICO Ilimar Franco, jornalista veterano do Globo em Brasília. (…) Famoso ex-político na época da ditadura, Dirceu tem histórias como ter feito plásticas para não ser reconhecido ao voltar do exílio. É fundador do PT e geralmente visto como um poder na sombra.

Num documento de 11 páginas divulgado esta semana, ele nega a existência do Mensalão: “A defesa de José Dirceu entregue ao Supremo desmonta ponto a ponto as acusações feitas à sete anos. Os advogados mostram que nunca houve o chamado mensalão. O que de facto existiu foi a prática de ‘caixa dois’ [verbas “por baixo da mesa”, não contabilizadas] para cumprimento de acordo eleitoral, conduta irregular prontamente assumida por Delúbio Soares e o PT sobre a relação com partidos aliados em 2004”. Em entrevista ao Globo, o advogado de Dirceu, José Lima, disse que “dezenas de testemunhas afirmam categoricamente” que o ex-ministro de Lula “não tinha conhecimento” dos pagamentos de 55 milhões de reais a 18 parlamentares da base aliada, que “não existiu a propalada compra de votos” e que “não é verdade que está comprovada a utilização de dinheiro público”.


José Dirceu



Quando a 14 de Maio de 2005 a revista brasileira Veja divulgou um vídeo de Maurício Marinho, então à frente do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, a negociar com um alegado empresário, Joel Santos Filho, contrapartidas ilícitas, em troca de favores, poucos em Portugal imaginariam que o escândalo que atingiu o coração do Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva, chegaria em breve a Lisboa. No vídeo, gravado às escondidas, Marinho revelou ao seu interlocutor (que era afinal um advogado à procura de provas) com minúcia um esquema de corrupção que envolvia políticos, gestores, empresários, advogados.

As investigações das autoridades brasileiras colocaram em cima da mesa provas bombásticas: o principal suspeito era o ministro-chefe da Casa Civil de Lula da Silva, José Dirceu. E, por essa via, os estilhaços chegaram a Portugal.






O caso surgiu em 2005, depois de ter sido tornado público um esquema, alegadamente montado por figuras próximas do Presidente Lula da Silva, de pagamentos a deputados da oposição para que, em troca, ajudassem com o seu voto a aprovar leis no Parlamento. Nos seus depoimentos, o outro arguido, Marcos Valério, revelou que veio a Portugal reunir-se com António Mexia, ministro das Obras Públicas, entre 2002 e 2004, e Miguel Horta e Costa, presidente executivo da Portugal Telecom, entre 2002 e 2006, por sugestão de Dirceu, com o objectivo de arranjar financiamento partidário. E o Banco Espírito Santo foi implicado por ter alinhado num esquema de contrapartidas envolvendo o Instituto de Resseguros do Brasil, um negócio que poderia render ao PT mais de 30 milhões de euros. Mas Valério entrou em contradições e nenhum dos portugueses foi constituído arguido por falta de provas. O que não evitou que Horta e Costa, António Mexia e o banqueiro do BES Ricardo Salgado fossem arrolados como testemunhas de defesa de José Dirceu, de Marcos Valério, do ex-tesoureiro do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Emerson Palmieri e do presidente do PT, Roberto Jefferson. Os portugueses testemunharam em Lisboa, a pedido da justiça brasileira, e nunca mais foram contactados no âmbito do processo.

Independentemente do andamento das investigações, o advogado José Dirceu (José Dirceu Oliveira e Silva) mantém-se no centro da teia dos negócios luso-brasileiros, em especial, dos que necessitam de aprovações políticas.

Apresenta-se hoje como consultor de multinacionais e é bem conhecido das elites portuguesas com interesses do outro lado do Atlântico. No Brasil opera através de três sociedades: a JD Consultores, o escritório de advocacia Oliveira & Associados, ambas com sede em São Paulo, e a JD&S, de Brasília. A JD&S tem à frente Júlio Silva, casado com uma assessora do Palácio do Planalto, e braço-direito de Dirceu. Em Portugal é sócio do escritório Lima, Serra, Fernandes & Associados, chefiado por Fernando Lima, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), actual presidente da Galilei (ex-SNL/BPN).



Nuno Vasconcelos
Rafael Mora


Em Portugal, Dirceu tem muitos amigos. Entre eles está Miguel Relvas, ministro dos Assuntos Parlamentares, filiado na mesma loja maçónica de Fernando Lima, a Universalis. Uma amizade que remonta, segundo o ministro, a 2004. Foi aliás João Abrantes Serra, sócio da sociedade Lima, Serra, Fernandes & Associados, que apresentou Dirceu ao presidente e vice-presidente da Ongoing, Nuno Vasconcelos e Rafael Mora. A Ongoing contratou a namorada de Dirceu para colaborar com o grupo em São Paulo.

Uma das operações que permitem levantar o véu sobre o embrenhado de ligações que se estabelecem à volta dos grandes negócios envolveu a venda à Telefónica de 50% da Vivo, que estava nas mãos da PT, o que deu aos espanhóis o controlo da operadora brasileira. Uma transação que teve como contrapartida a entrada da operadora Oi na PT. Em 2007 e 2008, a Lima, Serra, Fernandes & Associados foi avençada da PT no dossier Vivo, mas a imprensa paulista revelou que a partir daí Nuno Vasconcelos (a Ongoing tem 10% da PT) manteve contactos com os accionistas da Oi que beneficiaram do apoio de Dirceu. Já a espanhola Telefónica contratou o gabinete Oliveira e Silva & Associados, que trabalhava para os vários lados.


Cristina Ferreira [com Alexandra Lucas Coelho, no Rio de Janeiro]
PÚBLICO, 02 de Agosto de 2012.

OUTROS LINKS: