teologia para leigos

27 de agosto de 2012

O «EURO» OU ... A VIDA

Uma economia não é uma família



Confrontado com o desemprego crescente e o colapso da procura interna, impotente face à desaceleração das exportações numa Europa que se instala na recessão, o discurso de Passos Coelho entrou numa nova etapa, a do delírio. Assim, vem agora dizer ao país que no próximo ano teremos a retoma do crescimento. A menos que o primeiro-ministro esteja a contar com uma mudança drástica nas políticas da UE, designadamente a autorização de um elevadíssimo défice destinado a repor os rendimentos retirados aos funcionários públicos e pensionistas, e a lançar um vasto programa de investimento público socialmente reprodutivo, o discurso feito há dias no Algarve é, simplesmente, pura manipulação dos cidadãos através da mentira.

Nenhum chefe de governo dos países da zona euro submetidos à troika foi tão longe na manipulação das expectativas dos seus eleitores. Mais tarde ou mais cedo, os portugueses cairão em si e dirão o que pensam de um primeiro-ministro que lhes mente para esconder o fracasso da sua política de “austeridade expansionista”.

Mesmo quando os governantes e seus acólitos na comunicação social exultam com o quase equilíbrio da balança comercial, pela via da redução das importações de bens de consumo e de investimento, também estão a mentir.

Está nos livros de introdução à economia que as importações são uma função do produto e, portanto, teriam forçosamente de baixar com a quebra da procura interna que foi promovida. Sabendo que este efeito é apenas conjuntural, evidentemente não podem explicar como é que as importações deixam de crescer no dia em que a economia retome o crescimento. A honestidade, intelectual e política, obrigaria a reconhecer que o problema do nosso défice externo não tem uma solução enquanto o país permanecer na zona euro.

Só a desvalorização externa da moeda, encarecendo os produtos importados relativamente aos produzidos no país, permite que na retoma do crescimento a procura interna se redireccione para os produtos que geram emprego em Portugal. Em todos os países que romperam com a política económica do FMI, a desvalorização da moeda foi o principal motor da sua recuperação das contas externas no curto prazo. Esta é a verdade que a (boa) teoria económica e os factos históricos confirmam, mas que a ideologia deste governo e a de alguma esquerda obstinada em manter o país na moeda única impede de reconhecer.

No discurso de Passos Coelho, o endividamento externo vem também associado à ideia de que, a prazo, a política de austeridade é boa para o país. Tal como numa família que viveu acima das suas posses, o despesismo do país levou os especuladores e a banca europeia a suspender o crédito às famílias e ao Estado. Agora só nos restaria empobrecer e ser felizes com menos.

Acontece que a metáfora esconde as interdependências entre os diferentes sectores da economia (famílias, empresas), entre estes e o Estado por via do Orçamento, e entre a economia nacional e as outras economias.

Na realidade, a despesa de uns é, ao mesmo tempo, o rendimento de outros. Por isso, quando o Estado comete o erro de reduzir a despesa pública, precisamente no momento em que famílias e empresas estão a reduzir a sua, gera-se uma espiral de redução dos rendimentos de todos, enquanto o fardo da dívida cresce, em vez de se reduzir. Sabendo-se que esta política está condenada ao fracasso em todas as frentes (financeira, económica, social e até política), então porquê a insistência?

Paul Krugman (“The Austerity Agenda”) dá a resposta: “Esta obstinação com a austeridade não tem nada a ver com défices e dívidas. Trata-se de usar o pânico do défice como uma desculpa para desmantelar os programas sociais.”

Oculta em metáforas que apelam ao senso comum, esta é a agenda ideológica do nosso governo e também a agenda das instituições europeias. Até que o povo decida outra coisa.


Jorge Bateira
Economista
Ladrões de Bicicletas, blog