VIVA O QUEBEQUE REBELDE !
Gabriel Nadeau-Dubois, Léo Bureau-Blouin e MARTINE DESJARDINS |
Percurso imparável – Martine Desjardisn tem 30 anos e dirige, há um ano, a Federação de Estudantes Universitários do Quebeque. Criada na periferia de Montreal. É a mais velha de três irmãos. Estudou no liceu privado Regina Assumpta, um dos mais prestigiados da cidade, que era, na altura, exclusivamente feminino. Formada em Ciências da Educação, o voluntariado em assistência social, a que se dedicava nas férias, pô-la em contacto com novas realidades: trabalhou com gangues de rua e prostitutas. E também trabalhou enquanto fazia o curso. Foi guarda-redes de andebol e joga futebol. E deu aulas na Universidade de Sherbrooke, atividade a que deseja voltar. Está a fazer o doutoramento e casou no Outono passado. No seu escasso tempo livre, gosta de passear nas montanhas.
Martine Desjardins, Presidente da Associação de Estudantes Universitários do Quebeque (FEUQ, que representa metade dos 250 mil estudantes universitários desta província) está plenamente envolvida no conflito estudantil que agita o Quebeque desde fevereiro. É uma figura central do movimento que protesta contra o aumento de 75% no custo das propinas universitárias, que, em cinco anos, as fará passar de 2200 dólares canadianos (1700 euros) anuais para 3800 dólares (3000 euros).
Desconhecida do público antes da “greve dos quadrados vermelhos”, os pedacinhos de tecido que os grevistas e simpatizantes ostentam na lapela, esta jovem depressa se tornou a coqueluche dos meios de comunicação do Quebeque e das redes sociais. E com ela os outros dois porta-vozes do movimento estudantil, Gabriel Nadeau-Dubois, da CLASSE (Coligação Alargada da Associação para a Solidariedade Sindical Estudantil), e Léo Bureau-Blouin, da Federação Estudantil Colegial do Quebeque (FECQ). Alguns internautas foram ao ponto de traçar a árvore genealógica de Martine: será descendente de colonos franceses de Meaux, que chegaram à Nova França em 1620!
Nunca perdeu a calma
Tímida ao primeiro contacto, esta loura de 30 anos, cabelos compridos e rosto redondo foi ganhando segurança ao longo das suas intervenções públicas para explicar ─ com argumentos e números ─ a posição dos estudantes e para comentar as manifestações, o estado das negociações com o Governo ou as decisões tomadas por este, como a aprovação, em maio passado, de medidas especiais como a “Lei 78”, que suspendeu até meio de Agosto os cursos das instituições em greve e limitou o direito à manifestação.
Nunca ninguém a viu perder a calma. Tal como os outros líderes estudantis, conhece bem os dossiês e defende-os com eloquência. Teve um percurso escolar sem falhas, de uma reputada escola secundária privada de Montreal até ao mestrado em Ciências da Educação, com uma bolsa de excelência do Governo de Quebeque. Desde há quatro anos, dedica-se à preparação do doutoramento em Educação e Adaptação Escolar, na Universidade do Quebeque, em Montreal.
Martine casou em 2011. É a mais velha de três irmãos, os pais são técnicos de aeronáutica e de microbiologia e, ao contrário do seu colega Gabriel Nadeau-Dubois, não cresceu num meio ativista. A avó comenta: “Quando era pequena, estava sempre pronta a ajudar os outros, antes de se preocupar com ela própria.”
Dedicou boa parte dos seus verões a trabalhar como auxiliar (assistente) social em bairros problemáticos, junto de jovens delinquentes, antes de se empenhar nos movimentos estudantis. “Envolvi-me na FEUQ apenas para defender a causa do congelamento dos custos da escolaridade”, sublinha Martine. Aumentá-las contribuiria para agravar o já elevado endividamento dos estudantes, que, segundo ela, atinge em média os 14 mil dólares canadianos (11 164 euros) ao nível da licenciatura, sendo que a maioria dos alunos já é obrigada a trabalhar para pagar os seus estudos.
Membro da FEUQ desde 2009, presidente desta federação há um ano, Martine salienta que as mulheres ainda têm de lutar para serem ouvidas. “No Outono de 2011, quando tínhamos reuniões com sindicalistas ou personalidades políticas para falar sobre a causa estudantil, era frequente dirigirem-se ao meu número dois, do sexo masculino, em vez de à presidente. Era chocante.”
Espírito de equipa
Até há pouco tempo, Martine Desjardins ainda praticava desportos de alto nível, primeiro andebol e depois futebol feminino universitário. “Tem um bom espírito de equipa, consegue congregar as forças de cada um e sabe gerar consenso, o que não a impede de tomar decisões quando é preciso”, observa Yanick Grégoire, vice-presidente da FEUQ. A própria Martine descreve-se como pessoa “calma mas persistente”. “Quando tomo uma decisão, é porque tenho os meus argumentos”.
Em abril, quando o Governo tentou dividir o movimento estudantil, afastando das negociações a CLASSE, considerada a mais radical, foi ela quem manteve a coesão e exigiu a presença de todos os representantes dos estudantes. “Manter uma frente unida foi e continua a ser essencial”, insiste Martine Desjardins. Acha que desempenhou muitas vezes “o papel de mediadora entre Gabriel Nadeau-Dubois, mais virado para a ação, e Léo Bureau-Blouin, mais idealista”.
Ao terceiro dia de uma ronda de negociações com o Governo, que não estavam a registar progressos, Martine não hesitou em denunciar este bloqueio perante a comunicação social. No regresso à mesa das negociações, o tom do lado do Executivo foi diferente. Ainda assim, as conversações acabaram por fracassar, no final de maio. O seu veredicto: “Orgulhoso, casmurro e sobranceiro, o Governo diz que mantém a porta aberta às negociações mas rejeita o diálogo. Nós reclamamos o congelamento das propinas e uma auditoria à gestão das universidades; o Governo só propõe medidas paliativas, como a diluição dos aumentos ao longo de vários anos”.
Após a aprovação da lei especial, a 18 de maio, Martine afirmava que “a via negociada seria a melhor saída para a crise”. “Quando eu trabalhava com jovens delinquentes, aprendi a criar distância, a controlar as emoções, a manter a calma e a pôr-me em modo de procura de soluções”, conta. “Mas, então, o Governo sabotou as negociações, o que foi para mim um verdadeiro balde de água fria”.
Que pensa Martine sobre o futuro do movimento, com a partida dos estudantes para as férias ou para os empregos temporários de verão? “Há fortes possibilidades de a greve recomeçar ainda com mais força em agosto. Não vamos desistir da mobilização estudantil e continuamos a preparar o terreno, tendo em vista a possibilidade de eleições antecipadas no Quebeque, no próximo outono. Vamos mobilizar os jovens para irem votar e organizar reuniões com o maior número possível de pessoas, para fazer da nossa causa um objectivo eleitoral, sem tomarmos posição a favor de qualquer partido mas decididamente contra o Partido Liberal.”
É o partido de Jean Charest, primeiro-ministro do Quebeque. Até agora, Martine afirmava ser “totalmente apolítica”.
Anne Pélouas, em Montreal
Le Monde, 17:VI:2012.
In Courrier international, edição portuguesa, Agosto 2012 (pp. 13-15).
(Tradução : Isabel Fernandes)
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