Para que tudo fique na mesma
Numa sociedade marcada por uma cidadania fraca e debates incipientes, o mais pequeno apelo ao aumento do coro de críticas é imediatamente saudado.
O mentor do movimento Indignez-vous! é Stéphane Hessel, um ex-combatente da Resistência francesa e um dos redactores da Declaração Universal dos Direitos Humanos. As figuras de Reacciona [‘Reage’ – movimento em Espanha] têm grande envergadura intelectual. É difícil contraditá-las sem passar por mercenário a soldo do sistema.
«Et pourtant…» (e no entanto…) A indignação é uma virtude cívica, necessária, mas insuficiente. Não nos falta indignação, muito pelo contrário. Indignação há por todo o lado: basta fazer um bocadinho de zapping e encontramos pessoas indignadas (sobretudo, nas rádios de extrema-direita).
Estão indignados os que acreditam que o Estado-Providência está a recuar, mas também os que consideram que faz de mais.
Os que pensam que há demasiados imigrantes.
Os fanáticos de todos os tipos.
Aqueles cujo medo é estimulado pelos outros, que aspiram a controlarem.
As nossas sociedades estão cheias de pessoas «do contra», ao mesmo tempo que há poucos «a favor» de algo concreto e identificável. O que hoje é mobilizador são as energias negativas da indignação e da vitimização.
O problema é como lhes fazer frente.
É o que Pierre Rosanvallon apelidou de «era da política negativa». Quem se opõe já não o faz como os rebeldes de ontem. A sua atitude não deixa entrever nada no horizonte, nem sequer um programa de acção. O problema é distinguir entre cólera regressiva e indignação. E colocar a indignação ao serviço de movimentos eficazes e transformadores.
Revolucionário seria romper com o populismo
E se o público, que ouve extasiado estas imprecações, não fosse parte da solução, mas parte do problema?
Pedir às pessoas [apenas] que se indignem é dar-lhes motivo para continuarem a viver como até agora, numa mistura de conformismo e de indignação estéril. Revolucionário seria romper com o populismo e imediatismo que estão na origem das nossas piores regressões.
Este tipo de apelo oferece explicações simples para problemas complexos. A indignação deixa de ser uma reacção incapaz de modificar as situações intoleráveis que a suscitaram quando passa a ser acompanhada por uma análise dos porquês. Quando identifica problemas em vez de se contentar em procurar culpados.
E se a indignação for contraproducente?
Se, em última análise, jogar a favor dos responsáveis pelo estado das coisas contra as quais nos indignamos? Estas explosões de descontentamento podem ser menos transformadoras da realidade do que analisar a realidade para tentar mudar algo.
Poderíamos falar de uma função conservadora da indignação: válvulas de segurança do sistema. Ou equipará-las às infidelidades passageiras, tão convenientes para manter o status quo afectivo.
M. Castells |
Se precisamos de alguma coisa, não é da dramatização do nosso descontentamento. É de uma teoria que nos ajude a entender o mundo, sem sucumbir à tentação de escamotear a sua complexidade. Só a partir daí poderemos formular modelos de exercício do poder que conduzam a uma intervenção social eficaz, coerente e susceptível de seduzir uma maioria, não composta só por pessoas enraivecidas.
Daniel Innerarity
Professor de Filosofia na Universidade de Saragoça. Editou, em português, O Futuro e seus Inimigos (Teorema, 2011).
Site na internet: unizar.es/innerarity
[tradução de Ana Marques para Courrier International, ediç. em português, nº 185, Julho 2011, p.47]