teologia para leigos

12 de julho de 2011

A JOGADA ALEMÃ É ARRISCADA

Desunião europeia




A Alemanha, que agora quer dar lições de moralidade em relação aos défices, esquece que também tem culpas na situação actual.

As medidas de austeridade em curso por toda a União Europeia, mas com especial violência nas suas periferias, põem em causa a recuperação económica, aumentam o desemprego, aprofundam a fractura social e não resolvem, longe disso, o problema dos desequilíbrios nas relações económicas entre países com profundos desníveis de desenvolvimento. A crise estimula toda uma narrativa preconceituosa sobre as origens dos problemas europeus, misturando moralismo com uns pós de psicologia dos povos, que nas mãos menos subtis se transformam em xenofobia aberta: há uma grande economia competitiva - a alemã -, composta por uma força de trabalho produtiva e disciplinada e por uma população que partilha as virtudes burguesas da poupança e da disciplina orçamental.

Esta narrativa destina-se a esconder as estruturas e as políticas que são responsáveis pelo desastre europeu em curso. A competitividade alemã foi nos últimos anos conseguida graças à imposição de uma duradoura compressão do poder de compra dos salários, que cresceram muito abaixo do medíocre crescimento da sua produtividade (inferior ao dos países da periferia, na realidade).

 Esta aposta da burguesia alemã gerou brutais excedentes comerciais, mas comprimiu o mercado interno alemão e foi responsável por níveis de crescimento económico decepcionantes. É isto que explica que a Alemanha também tenha violado o "estúpido" Pacto de Estabilidade e Crescimento que o governo alemão pretende agora irracionalmente reforçar.

A economia social de mercado alemã é cada vez menos social e isso vê-se nas estatísticas da pobreza e das desigualdades. Os excedentes alemães foram canalizados pelos bancos germânicos para especulação no mercado habitacional dos EUA ou para a bolha imobiliária em Espanha e financiaram, de forma mais geral, os défices em países como Portugal.

Uma estrutura produtiva frágil não aguentou a abertura irrestrita às forças do mercado global, num quadro de moeda forte e com a economia alemã apostada em comprimir a sua procura interna. A receita alemã da compressão salarial, injusta e contraproducente numa economia avançada com salários mais elevados e um Estado social apesar de tudo mais forte, nunca poderia ser aplicada em Portugal, dados os níveis salariais baixos num país dos mais desiguais da UE.

A política alemã enfrenta uma contradição insanável: salvar os seus bancos impondo um brutal ajustamento estrutural na periferia, ao mesmo tempo que pretende continuar um modelo exportador que requer défices comerciais nestes países.

Esta jogada alemã é arriscada e irrealista. A perspectiva de uma década de deterioração económica na periferia, garantida por uma política económica errada, cria as condições para o fim de um euro que tão bem tem servido a burguesia financeira e industrial alemã...

João Rodrigues,
Economista e co-autor do blogue «Ladrões de Bicicletas»

JORNAL i, Publicado em 21 de Junho de 2010