teologia para leigos

30 de novembro de 2010

3.ECONOMIA - PENSAMENTO DOMINANTE

Esquecer os «Nobel», vencer o desemprego
3. Beneficiários do “Rendimento Mínimo” procuram emprego

«Como é que a política económica pode lutar contra o desemprego?» «Porque é que tantas pessoas estão no desemprego quando há empregos disponíveis?»[1]

Esses estudos[2] concluem, pelo contrário, que entre os que recebem o Rendimento Mínimo de inserção (RMI), muitos são os que procuram activamente emprego, mesmo em casos em que o emprego não seria acompanhado de vantagens financeiras. Por muito que desagrade a Jacques Rueff e aos seus herdeiros, o efeito desencorajador dos subsídios de desemprego não é, portanto, nada evidente. Assim, países como a Suécia e a Dinamarca conseguiram obter os níveis de emprego mais elevados da Europa combinando subsídios de desemprego elevados e despesas públicas consequentes em matéria de emprego − incluindo medidas ditas «activas», que garantem aos desempregados ajuda, aconselhamento e formação. Infelizmente, as «reformas» introduzidas nos últimos anos pelos governos de centro-direita, ali como noutros países, endureceram os critérios de indemnização, reduziram o montante dos subsídios e reforçaram as exigências em relação aos desempregados, designadamente no que respeita às ofertas de emprego consideráveis como «aceitáveis»[3].

A segunda razão do desvario dos laureados está relacionada com o facto do pensamento dominante, que é dotado de uma formidável capacidade de filtragem das observações do real, ter ocultado sistematicamente, desde há trinta anos… a própria possibilidade das crises financeiras, bem como os mecanismos de formação da procura nas economias capitalistas. Outros economistas, certamente menos eminentes, têm contudo alertado para esta realidade.

O americano Hyman Minsky (1919-1996), por exemplo, sublinhou o carácter inelutável das crises numa análise que poderíamos resumir como se segue. Durante os períodos de calma e de crescimento, os actores dos mercados financeiros tendem a esquecer as crises precedentes. Desviam-se progressivamente dos investimentos poucos arriscados mas razoavelmente rentáveis, em proveito de investimentos cada vez mais aventureiros, cuja rentabilidade esperada é muito superior. Aumentando o risco que correm, os investidores acabam por assumir posições financeiras que só poderão ser financiadas por novos empréstimos. Quando o nível de dívidas se torna insustentável (em desfasamento com os rendimentos esperados), o conjunto do sistema acaba por colapsar. É durante estes períodos de secagem da liquidez que o ciclo económico se inverte: não podendo a economia real continuar a financiar-se, o crescimento baixa, as empresas despedem, o desemprego explode.

Esta primeira explicação deve ser combinada com uma segunda, desenvolvida na linha dos trabalhos do economista polaco Michal Kalecki (1899-1970). As políticas de moderação salarial adoptadas desde o início dos anos 1980 provocaram uma grande redistribuição do valor acrescentado − dos salários para os lucros −, da ordem de 5 a 10 pontos de produto interno bruto (PIB) consoante os países… Um facto que não tem precedentes. A fraqueza relativa dos salários levou as famílias a endividarem-se junto de intermediários financeiros, que consideraram oportuno transferir a carga do risco destes empréstimos para os mercados financeiros «titularizando-os», alimentando assim uma dinâmica que desembocou na crise financeira de 2007. Este círculo vicioso foi reforçado e agravado pelo facto de uma grande parte do valor acrescentado novamente afectado aos lucros ter abandonado os investimentos produtivos, em proveito dos investimentos nos mercados financeiros. No conjunto, a deformação do valor acrescentado penalizou fortemente o crescimento e o emprego, visto que, nas economias capitalistas desenvolvidas, a procura global continua a ser sustentada pelos salários e não pelos lucros.

Tais análises conduzem a recomendações de políticas económicas muito diferentes das que avançam os economistas distinguidos pelo Banco da Suécia. Eis as suas grandes linhas.

Para lutar contra o desemprego, os governos deveriam regular as práticas financeiras e fazer com que os lucros alimentem antes de mais o investimento.
Seria necessário reforçar o papel dos sindicatos, consolidar o direito do trabalho, lançar um processo de negociações salariais e trabalhar para uma melhor repartição da carga fiscal entre as classes médias e as classes ricas[4].
Felizmente para a comissão do Banco da Suécia, que não atribui o seu prémio a título póstumo, Minsky e Kalecki foram há muito enterrados… pelo pensamento dominante.

Dany Lang [Centro de Economia da Universidade de Paris XIII]
e
Gilles Raveaud [Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Paris VIII]
Docentes, Membros da Associação Francesa de Economia Política

[Le Monde Diplomatique – edição portuguesa, Novembro 2010, p.11, 3ª e última parte]


[1] Comunicado de imprensa da Academia Real das Ciências da Suécia, 11 Outubro 2010.
[2] «Os inquéritos que se dão ao trabalho de questionar os desempregados indicam claramente que as motivações que os animam quase não entram no molde da fria racionalidade calculadora dos «Nobel» 2010» [do post 2.]
[3] Jean-Pierre Séréni, «As zonas sombrias do paraíso dinamarquês», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Outubro de 2009.
[4] http://atterres.org/ «Manifesto dos Economistas Aterrorizados» [trad. de Nuno Serras em www.arrastao.org/]