teologia para leigos

5 de novembro de 2010

ESTADO SOCIAL SOB ATAQUE NEO-LIBERAL

regras de ortografia…


 
Estamos mergulhados num verdadeiro «atordoamento mediático» [Sandra Monteiro] – por todos os lados, chovem as afirmações as mais díspares. Por exemplo: «andámos a gastar acima das nossas posses; agora, bem feita…»; «o Estado distribui o nosso dinheiro para comprar votos aos beneficiários do ‘rendimento mínimo’»; «ponham os presos das cadeias a trabalhar – cama e comidinha de borla: era bom não era?»; Alberto João Jardim dizia: «o Estado é um ladrão»; em rodapé, na RTP-1, telejornal das 13h, dia 05:XI:2010: «mais de 2000 beneficiários ficaram, em 2 meses, sem prestações sociais por se recusarem a aceitar emprego» (rigorosamente, foram 2.100). Aquando do ataque às Torres Gémeas (11 Set.), ouvi a uma colega de trabalho o seguinte: «Já andavam a merecê-las…». Depois explicou-me que se referia a G. Bush Jr..., mas nada mudou no verbo.
O diagnóstico parece ser: ‘está tudo perdido; anda tudo de cabeça perdida…’, mas, afinal, toda a gente parece saber perfeitamente o que se passa e onde está a causa de tanta angústia – doutro modo, não avançariam com um diagnóstico tão inciso. Alguém me disse que, por trás disto tudo, existiria uma estratégia oculta: dividir para reinar! Não creio, mas a existir deve ser ultra-minoritária e inconfessável (como certas divindades babilónicas? deuses chamados «mercados?»). De resto, julgo que existe, sim, um pântano lodoso, donde a multidão tenta despegar os sapatos para saltar para um sítio mais firme, onde possa respirar fundo e conseguir perceber o que se está a passar. A minha explicação para tantas afirmações desconexas é de natureza psicológica: ao contrário de José Gil, que diz que «voltou o medo de existir», eu digo que voltou simplesmente o medo sob a forma de pânico… Há um odor a morte, no ar da minha cidade! Depois de ouvir os telejornais ou ao acabar de ler os jornais, ficamos mergulhados num atordoamento de trevas. Verdadeira paisagem «de cristal» (parafraseando a tenebrosa noite berlinense…).

A TSF escolheu para o seu Fórum da manhã de hoje (05:XI:2010) a notícia: «De há dois meses a esta parte, 2.100 beneficiários das prestações sociais perderam os benefícios». Ou seja, após a implementação das novas regras de atribuição das prestações sociais, em Agosto (2010), começou uma verdadeira avalancha de casos de ‘excluídos do sistema’. E os telefonemas de imediato começaram a chover, na TSF.
Manuel Castelo (54 a.), 50% de incapacidade física, cirurgia cardíaca, oficial de electricista, desempregado, procurou 3 vezes trabalho. Em primeiro lugar, na Mota-Engil, que lhe explicou que ele não tinha as condições físicas para o lugar; depois foi a uma outra empresa, a qual procurava, não um ‘oficial’, mas um simples ‘ajudante de electricista’; depois, numa outra que sim, que precisava de alguém para instalação de cabos aéreos: Impossível, face às suas incapacidades físicas. Por ter sido ele a recusar esta proposta de trabalho ficou sem o subsídio social. Foi mendigar à Cruz Vermelha (na Parede), onde esteve a trabalhar um mês a troco de algum dinheiro para comida – no fim do mês, já sabia, voltava à estaca zero. Moral da história: por ter recusado um emprego, foi excluído.
David Moreira (VN Gaia), casado, 2 filhos, auferindo 314,81 euros/pessoa/mês, viu cortado o rendimento de inserção. Foi reclamar à Segurança Social – as novas regras são «cortar a quem aufira 324,00 Euros ou mais/mês/pessoa». Resposta: «Tem razão: tem 10 dias, no máximo, para apresentar queixa». Apresentou a reclamação. Passaram-se 3 meses: a Segurança Social AINDA NÃO RESPONDEU… Está sem ajuda económica desde há 3 meses.
Isabel Teixeira Bastos criou o «Movimento Ser Positivo» para enfrentar situações de «pobreza envergonhada» e para «ajudar a viver com o que se tem». Não dá dinheiro: oferece vales de compras (de Jerónimo Martins), material escolar, roupas, medicamentos, fraldas, passes, etc., mas exigem que os beneficiários regressem à instituição, com o talão da caixa, a fim de verificar em que gastaram o ‘vale de compras’. Se incluíram um refrigerante,  tabaco, álcool ou alimentos que não sejam de primeira necessidade, perdem o direito a posteriores ajudas.
Diogo Rodrigues, empresário de construção civil, disse: «Precisei de um servente – propunha-me pagar 500 Euros/mês líquidos; apareceu uma pessoa que esteve a trabalhar 1 dia e depois pediu para se despedir. Motivo? Por 430 Euros/mês (rendimento mínimo), mais uns biscates por fora, sem recibo, preferia ficar em casa…». Comentário de Diogo Rodrigues: «E tá certo! Eu faria o mesmo… A culpa é do Estado».
José Costa, agente comercial, diz: «As prestações sociais deveriam ser entregues a agentes locais: ao sr. abade, ao presidente da junta de freguesia, gente que conheça a realidade. Há muita disparidade: há quem não precisa e recebe e há o inverso…». Um outro ouvinte, disse: «Na minha terra existe um emigrante reformado que recebe da Suíça uma reforma de alguns milhares de euros, e aqui, em Portugal, recebe o rendimento mínimo. É que ele dá-se bem com o presidente da junta e, à conta da influência que tem cá na terra, angaria muitos votos…».
Uma senhora, por não dispor de 4 Euros/dia para os transportes, não continuou no curso de formação, condição sine qua non para continuar a auferir do RSI. Moral da história: excluída.
José Costa (outro), viúvo (a mulher morreu com a ‘doença dos pezinhos’), tem 2 filhos; um filho é casado, está muito doente (com a mesma doença-dos-pezinhos) e espera um segundo transplante. Recorreu à Segurança Social onde lhe foi dito que não tinha direito a prestações. O filho acabou por perder, para o banco, a casa onde vivia por não ter rendimentos (mínimos) próprios e por a mulher não ganhar que chegue para pagar o crédito à habitação. Quase a chorar e em directo na TSF, gritou ao telefone: «Como é que hei-de viver, diga-me!? Este Estado que vá pr’á puta que o pariu…». E mais não disse (ainda que quisesse): a locutora da TSF cortou, justificando que, num espaço como aquele, não são permitidos certos tipos de linguagem, nomeadamente obscenidades ou insultos. «Podem dizer o que bem entenderem, mas dentro de certas regras». [curiosamente, o meu corrector ortográfico está-me a assinalar que ele, também, não conhece aquele termo…]
Pedro Mota Soares (CDS-PP) veio dizer-nos que: «quem recebe o rendimento mínimo não deve fazer disso um modo de vida…».
Cecília Honório (Bloco de Esquerda) disse que a realidade é muito mais complexa. Vejamos: 40% dos beneficiários do Rendimento Mínimo têm menos de 18 anos de idade; em Portugal, a taxa de pobreza infantil atinge os 23%; a crise fez somar mais 600.000 pessoas ao bolo dos 2.000.000 de pobres que já existiam antes da crise; «os mercados» pouco se importam com esta imensidão de miseráveis [nota: ontem, Francisco Louçã disse, na RTP-1,”a Judite de Sousa” - ou seja, a mim, a ti e a todos os que lerem isto - que «os mercados» são instituições “com nome”; por exemplo: «são os bancos alemães, o BES e outros, que pedem dinheiro a 1% e emprestam ao governo português a 6%». Portanto, não são os fantasmas que o Calvin imagina debaixo da cama dele…não senhor! É gente que anda por aí, ao nosso lado, nos passeios das ruas e se senta, ao nosso lado, nos restaurantes do shoping]
Outro ouvinte disse: «Há que moralizar as pensões sociais, sim senhor, mas às vezes até parece que estamos, não contra a pobreza, mas contra os pobres…».

Fiquemos por aqui (quanto ao Fórum da TSF), ainda que agora é que devesse começar o Forum: “acham que Isabel Teixeira Bastos tem o direito de fazer o que faz – conferir o talão?»; «3 meses para a segurança social responder, não é um insulto?»; «que acham que sobra a Manuel Castelo? Se fosse a si, o que faria a seguir?»; «o viúvo José Costa insultou alguém, em concreto?»; «porventura Pedro Mota Soares não terá ‘insultado’ todos os utentes do RSI, com a afirmação que fez?»; «o rodapé da RTP-1 não será, ele, em si muito insultuoso também, ao mentir?»; «a PT, ao distribuir dividendos pelos seus accionistas AINDA em 2010, não estará a insultar Teixeira dos Santos?»; etc. etc.

Curiosamente, durante 2 horas, ouvi muito poucos dizerem tão mal do Rendimento Mínimo, como aqui há meses atrás ouvira num outro fórum. Por que será? Boa pergunta, não é? Dá que pensar… Já agora, só mais uma coisinha: daqui a três quatro meses, alguém virá à TSF a esbracejar que «tá farta de ver os utentes do RSI a passar tardes inteiras a comer bolas de berlim e galões de café nas confeitarias, em vez de irem trabalhar…»? Aceitam-se apostas.

®

«As medidas [de austeridade] agora apresentadas, para Portugal, são conhecidas. Elas vão do aumento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), iniquamente regressivo porque os mais pobres consomem todos os seus rendimentos, às reduções salariais na função pública (que a seguir contagiam o sector privado), passando pela violência das reduções das prestações sociais e pelo congelamento generalizado das pensões (que afectam dramaticamente quem já estava mais fragilizado e deixam intocadas as pensões milionárias). No seu conjunto, as medidas apresentadas parecem negar qualquer ambição de conter (e ainda menos, reduzir) as desigualdades socioeconómicas que, já antes da crise, constituíam o maior problema em que deviam concentrar-se as políticas públicas em Portugal.
Mas a injustiça dessas medidas – e não apenas a sua admitida «dureza», como se fosse socialmente neutra na escolha dos seus alvos – só pode ser realmente aferida quando se procura em vão, desgraçadamente em vão, aquelas que pudessem afectar de forma proporcionalmente justa os que já concentram o grosso da riqueza. Com efeito, não se encontrarão, por exemplo, aumentos de impostos para os mais elevados rendimentos nem uma regulação e taxação efectiva do sistema bancário, onde no entanto se concentram os lucros mais imorais e socialmente insustentáveis, bem como as causas da instabilidade sistémica que tem vindo a repercutir-se sobre toda a economia, sob a forma de crises. Apenas há uma declaração de intenção de actuar em sincronia com a regulação do sistema financeiro que a União Europeia estaria a preparar.
E, mesmo assim, só a hipótese de cobrança de uma taxa à banca levou já o Presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Faria de Oliveira, a afirmar que tal medida seria imediatamente repercutida… nos clientes (‘Público’, 1:X:2010). […] O sinal fica dado para todo o sistema bancário português.» (a banca pretende escapar à parte do seu esforço) «Até agora, aparentemente, o presidente da CGD não foi obrigado a retratar-se, nem muito menos foi demitido por uma tutela que considerasse inaceitável a promessa de boicote, organizado, tão claro…» [«Restaurar que confiança?», por Sandra Monteiro, Le Monde Diplomatique – edição portuguesa, Outubro de 2010, p.13]


Quando deixarmos de ter informação independente e crítica [como é o caso do português jornal mensal Le Monde Diplomatic, http://pt.mondediplo.com/; 30-40 euros/ano] a quem havemos de recorrer para sair do atoleiro vertiginoso que sobre nós lançam os meios de (des)informação, que nos enleiam e não nos ajudam nada a ler a realidade?
A realidade, de facto, é muito mais complexa do que à primeira vista parece. Mais complexa e mais revoltante. De facto, é mesmo chegada  a hora de REVER CERTAS REGRAS DE ORTOGRAFIA e certas atitudes.
Está na hora de começarmos a apedrejar montras de bancos, de monitores de televisão e de telefonias sem fio com o único vocabulário que nos resta, mesmo que isso choque certos ouvidos. Que palavrão para Faria de Oliveira? E para o envolvimento de Cavaco Silva e sua filha nos negócios sujos do BPN? E para a Igreja Católica Diocesana do Porto: não estará ela, também, suja?
Cheira-me que vai chover muita pedrada por aí…