«nunca os limites foram tão estreitos»
− 16 poemas sob penumbra
−1.−
Os que ouvem
as notícias
batem palmas
o aplauso
ensurdecedor
ressoando na eterna pergunta
de cascalho
−2.−
Os filhos
foram esmagados
na encruzilhada da hora
Os escravos
extirpam da terra
a placenta do muco
A roupa
fala, no acre do bidé
um estrépito de prostituta
alçapão tábuas e rolamento
E
o povo nu
na vergonha do rei que o vendeu
−3.−
Vendemos
o inesgotável
A abundância
do saque
assusta-nos
e os filhotes não podem fazer nada
A reserva
é uma água que
nos escapa
um covil, vil
−4.−
Os cavaleiros
vertiginosos
tomam de assalto
o carro
Os rios
se precipitam
por ruas e vielas
O gemido
é aí abundante
mais agudo
que o tilintar da sílica
No vórtex
não há quem não golpeie
as águas da dor
−5.−
As pombas
pararam a forma do ar
e o voo do vento
No peito
habita
uma vergonha pública
O consolo
é uma presa
um exército vergado
Ninguém
sai para cuidar da cria
O cerco
vigia,
cansado
−6.−
Até
a vingança
apodreceu no parapeito
esquecida na noite
quente
A aflição
aniquilou
a aflição
e o jugo rasga
a dispersão dos aflitos
daqueles
que se consomem
em enxergas
de palha seca
Vigiar
os acessos,
para quê?
−7.−
É hora
de prestar contas
das agressões persistentes
É hora
de libertar vítimas
e castigar carrascos
Os rios da justiça são
um grito de poeira
que se ergue e deposita,
convulso
−8.−
O emaranhado
das imagens
empurra à treva
Em festins de morgue
se consome a angústia
assaltada por uma réstia
de cerco
E as forças redobram
seu percurso de açafrão…
O vale
enche-se de vítimas e serpentes
Tropeçamos
nas próprias pernas
enlouquecidos
sem volta atrás
Nunca os limites foram tão estreitos…
−9.−
O suplemento
é uma plenitude
um despojo por chegar
Predomina
a impressão de contemplar
o irremediável
−10.−
O lixo
te expõe
e enobrece
Ó meu povo
na rua de camões…
−11.−
O coro
dos submetidos
é irrepetível
A história
tantas vezes
o aplauso da derrota
Ó palavra
encerra-te no teu continente
e funde a estrela
até que o senhor sol
nos devolva
e crave
−12.−
Buscarás
a argila esmagada
entre teus próprios
dedos
A cozedura
devora o gafanhoto
enquanto os isensatos
cochilam
Tua ferida
é incurável
Di-lo a multidão
dos fugidios
−13.−
As montanhas hão-de tremer diante do Senhor
−14.−
E aqui
estou eu
contra ti
Sempre contra ti
Sempre
−15.−
Penetrando
a penumbra da manhã
irrompe o formidável
Não há remédio
- a invasão dum incêndio
múltiplo e devorador.
Sentinela, que vês?
−16.−
Lamentação do profeta Miqueias, 7
terminada a vindima:
nem um cacho para comer,
nem figos temporãos de que tanto gosto.
não há ninguém íntegro.
Todos espreitam a hora de se lançar sobre o outro,
cada um arma laços ao seu irmão.
Peritas são, no mal, suas mãos;
o príncipe exige,
o juiz julga sobre a mesa do suborno,
aquele que é grande manifesta abertamente sua cobiça
O melhor dentre eles é como um tojo.
Mas eu estou alerta
aguardando Quem me escuta.
«Agora começa o julgamento deste mundo…»