Esquecer os «Nobel», vencer o desemprego
2. Um rasgo de génio… que nos faz voltar a 1931
«Como é que a política económica pode lutar contra o desemprego?» «Porque é que tantas pessoas estão no desemprego quando há empregos disponíveis?»[1]
«As recomendações dos autores em matéria de política de emprego vão beber essencialmente à fonte liberal. «Consideremos o caso de um aumento dos subsídios de desemprego», explica muito pedagogicamente o Banco da Suécia. «Este aumento faz aumentar o ganho ligado ao desemprego e reduz o ganho ligado à obtenção de um emprego; favorece portanto uma subida dos salários [para atrair os candidatos], o que reduz o número de postos de trabalho disponíveis, faz crescer o desemprego e aumenta os salários.»[2] Os aumentos de salários, alimentados por rendimentos de substituição que reforçam o poder de negociação dos trabalhadores (com a ajuda dos sindicatos) representam um acréscimo de custos para as empresas, que se vêem constrangidas a reduzir o número de postos de trabalho. Ao fim de oitenta anos de evolução do pensamento neoclássico, reencontramos aqui o refrão enunciado em 1931 pelo economista Jacques Rueff: a protecção do desemprego seria a principal causa do desemprego.
Todavia, para que a explicação do desemprego «cole» com as teorias do acasalamento e da procura de emprego, seria necessário que nos convencêssemos de que, na sequência da falência do Lehman Brothers, em Setembro de 2008, os subsídios de desemprego aumentaram subitamente (dando força às pretensões salariais dos trabalhadores) e de que, paralelamente, a perspectiva de uma «bela crise redentora» entusiasmou de repente os trabalhadores, fazendo-os perspectivar ofertas de emprego mirabolantes. De tal forma que oito milhões de trabalhadores americanos se teriam de repente posto à procura de melhores oportunidades de «acasalamento», abandonando empregos mal pagos. Seriam oito milhões de trabalhadores em férias de emprego, muito animados, impropriamente considerados «desempregados» visto que se teriam posto a especular sobre um futuro melhor «investindo» racionalmente num período prolongado de procura de emprego.
O Banco da Suécia, que não pode deixar de ignorar totalmente a crise, julga contudo necessário sustentar a sua posição. Dedica-se, então, a uma defesa e ilustração do acerto das teses recompensadas − que outros podem considerar que se aproximam perigosamente das fronteiras da desonestidade intelectual. A abordagem do Banco assume a forma de um gráfico que relaciona a taxa de desemprego e o número de postos de trabalho por preencher nos Estados Unidos desde 2000. Conclusão? O documento de apoio científico sugere que, «durante a crise actual, observou-se uma nítida deslocação da curva», mas admite que «as razões desta deslocação não estão ainda bem compreendidas».[3] Isto bem merecia um «Nobel».
Existem, contudo, explicações para este fenómeno. Como a que afirma que não há deslocação da curva, mas apenas deslocação ao longo da curva. Segundo esta lógica, o gráfico mostraria claramente que a taxa de postos de trabalho por preencher se afunda nos Estados Unidos entre Junho 2008 e Dezembro de 2009 − enquanto que o desemprego, por seu lado, explode −, contradizendo a tese da comissão do Banco da Suécia. Mas esta versão parece não ter chamado a sua atenção. Nem, de resto, o facto de, na realidade, os salários terem baixado muito no período considerado. Obviamente, isso teria constituído uma segunda invalidação das análises dos «Nobel».
A primeira razão do desfasamento entre a tese do acasalamento e a realidade provém da definição que ela dá do desemprego. Nas nossas sociedades, onde o trabalho é simultaneamente um meio essencial de integração social, uma obrigação moral e uma fonte potencial de desenvolvimento pessoal, fazer equivaler a procura de emprego ao resultado de um simples cálculo racional é negligenciar as motivações reais dos que procuram emprego. Os inquéritos que se dão ao trabalho de questionar os desempregados indicam claramente que as motivações que os animam quase não entram no molde da fria racionalidade calculadora dos «Nobel» 2010.»
Dany Lang [Centro de Economia da Universidade de Paris XIII]
e
Gilles Raveaud [Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Paris VIII]
Docentes, Membros da Associação Francesa de Economia Política
[Le Monde Diplomatique – edição portuguesa, Novembro 2010, p.11]
Segue-se, nos próximos dias, a última parte do Artigo:
3. “Beneficiários do Rendimento Mínimo procuram emprego”