teologia para leigos

7 de novembro de 2010

TUA LÍNGUA JURA, TUA MÃO TE CONDENA

as grandes fortunas são suspeitas…

Durante onze anos, João, apodado de Crisóstomoboca de ouro») pela sua eloquência, reúne em Antioquia uma multidão ávida de escutar suas pregações e catequeses baptismais. Nomeado bispo de Constantinopla no ano de 397, converte-se em defensor dos pobres e denuncia os açambarcadores.
Chega a suscitar a questão da origem das riquezas. Admite a honestidade de bens adquiridos pelo trabalho e pela criação de gado. Jacó recebera a recompensa dos seus esforços. Também Abraão fora enriquecido pelo próprio Deus.
Porém, a acumulação de bens procede muitas vezes da injustiça. De facto, no princípio Deus criou a terra para todos. Hoje, alguns possuem imensas propriedades ao passo que muitos outros não têm nada; e isto é inadmissível. João Crisóstomo reprova as fortunas consideráveis que não se ergueram com critérios justos, as quais se tornam impedimento para que o pobre possa, ao menos, possuir um pequeno lote de terra. Condena a propriedade que se baseia no roubo e não na bênção de Deus. Bem pelo contrário - dia a dia se renova a espoliação dos pobres.
Ambrósio, antigo governador de Milão, estava bem colocado para saber que era assim. Nomeado bispo, quando ainda era apenas catecúmeno, trata de começar a estudar para poder ensinar aos outros. Independente face ao poder, toma a defesa dos pequenos contra as imposições dos poderosos. O seu opúsculo Nabot, o pobre, comenta a passagem do 1º Livro dos Reis (cap. 21) - a história de Nabot assassinado pelo rei Acab, porque desejava possuir a sua vinha. O começo da obra dá o tom: «A história de Nabot é velha no tempo, mas também é uma história dos dias de hoje.» O Bispo de Milão socorre-se da escola de Basílio de Cesareia; inspira-se nele para descrever os apuros do pai de família que já não sabe que há-de vender primeiro para pagar as suas dívidas. [Ambrósio, Nabot,  o pobre, 5, 21-24: PL 14,736-737]
Ambrósio defende aqueles que, apesar das suas posses muito escassas, atraem, mesmo assim, os olhares cobiçosos dos poderosos. Procura proteger os pequenos proprietários contra aqueles que acumulam terras e não se cansam de açambarcar.
Aos ricos deste mundo, o bispo de Milão recorda-lhes que, pelo contrário, deveriam repartir os seus recursos pelos pobres, já que não são mais do que administradores dos mesmos: «Não distribuis os vossos bens aos pobres – apenas retribuis aquilo que lhes pertence! Pois vós sois os únicos a aproveitarem-se daquilo que foi destinado ao uso de todos. A terra pertence a todos e não aos ricos…»

«Não vos contentais em possuir alguns bens úteis, como também enxotais os outros. Estais mais ocupados em despojar o pobre que com as vossas vantagens. Considerais uma injúria pessoal que o pobre possua alguma coisa que possa parecer digna de ser possuída pelo rico. Pensais que qualquer posse por estranhos é prejuízo vosso. Por que será que atraem tanto as riquezas da natureza? O mundo foi criado para todos e vós, os ricos, apesar de serdes um número pequeno, esforçai-vos por ficar com tudo
Ambrósio de Milão, Nabot, o pobre, Livro II

«Agrada-vos certificar-vos do pedigree da raça dos vossos cães como se de uma árvore genealógica de ricos se tratasse. Proclamais a nobre descendência dos vossos cavalos, como se se tratasse de cônsules… Agasalhais pedras e despojais seres humanos… Um homem pede-te um pão enquanto o teu cavalo terrinca freios de ouro.»
Ambrósio de Milão, Nabot, o pobre [13, 54-56: PL 14,748]

«Que irás responder ao juiz, tu que revestes a ouro as paredes e não vestes o ser humano? Tu, que adornas os cavalos e desprezas teu irmão coberto de farrapos? Tu, que deixas que apodreça o trigo e não alimentas os famintos? Tu, que enterras o ouro e abandonas o oprimido? (…)
«Diz-me: para que servem as camas de ouro e as mesas de prata, as liteiras e os carros de marfim, impedindo que as riquezas passem à casa dos pobres que, sem dúvida, se amontoam aos milhares à tua porta e te fazem ouvir suas vozes de miséria? Porém, negas-te a dar-lhes dizendo que te é impossível ajudar a todos quantos te pedem. Tua língua jura-o, mas tua mão te condena, pois, ainda que te cales, a tua mão proclama a tua mentira, iluminada pelos reflexos dos diamantes da tua bracelete. A quantos devedores teus poderias livrar com o valor da tua bracelete? Quantas casas em escombros tu poderias erguer com ela? Tua arca cheia de vestidos poderia cobrir a todo um povo que tirita de frio!, e tu atreves-te a despedir o pobre de mãos vazias sem temor do justo castigo do juiz. Não tiveste piedade – não se terá piedade para contigo. Não abriste as portas da tua casaserás excluído do reino. Não deste do teu pão – não receberás a vida eterna.»
Basílio de Cesareia, Homilia 7 contra os ricos, 4