teologia para leigos

24 de maio de 2011

PADRES, SACERDOTES, PONTÍFICES, PRESBÍTEROS

Homilia
5º Domingo Páscoa, 22 Maio 2011





 «Não gosto da palavra Padre dita simplesmente com o artigo definido: o Padre: Vou falar co’Padre!, o padre isto, o padre aquilo… No plural, os padres!, pior ainda: não quero nada com os padres, os padres assim, os padres assado… Claro que Padre tem a ver com Pai (latim). Em espanhol, Padre quer dizer Pai. Mas Na terra, não chameis “Pai a ninguém”, porque um só é o vosso “Pai”, aquele que está no céu (Mt 23,9) - recomendou-nos Jesus.
Mas não é por isto que não gosto de o Padre. É que a palavra padre tem hoje, sobretudo na comunicação social, uma grande carga pejorativa e ainda anti-clerical. E depois há os padres que traficam armas, e os que vão atrás das virgens ou os que violam crianças. Coisas de padres, ou dos padres! Não gosto da palavra padre dita simplesmente com artigo definido, singular ou plural. De Sacerdote também não, mas aí é por uma questão de rigor histórico e teológico. A Carta aos Hebreus explica porquê: O filho de Deus é que é o sacerdote por antonomásia, único e para sempre (Hb 7,3). E de pontífice a mesma coisa.

Sacerdote e pontífice são palavras provenientes das antigas religiões. Sabendo distantes os mundos do divino e do humano, as religiões tentaram abater essa lonjura, criando figuras capazes de trazer o divino ao humano (é o que quer dizer a palavra sacerdote - sacer + doths -, o que dá o sagrado [ao homem]) ou o que faz pontes (pontífice) entre o mundo de Deus e o dos homens.

É que “Deus nunca ninguém o viu” (Jo 1,17-18 e 1 Jo 4,12). O homem não podia ver a Deus (Ex 33,20); morreria, se isso acontecesse: Tu não podes ver a minha face, não podes contemplar-me e continuar a viver, disse Deus a Moisés (Ex 33,20). Portanto, eram necessários os sacerdotes e os pontífices, escolhidos para revelarem aos homens o rosto de Deus. Sacerdotes e pontífices eram verdadeiros mediadores entre Deus e os homens. É neste sentido que a Carta aos Hebreus chama muitas vezes mediador a Jesus, o enviado do Pai: ele é mediador de uma nova Aliança (8,6 e 12,24, bem como de um Novo Testamento (9,15). Também o autor da 1ª Carta a Timóteo utiliza esta linguagem: mediador entre Deus e os homens (2,5).





No entanto, nós, os cristãos, já não precisamos nem de pontífices nem de sacerdotes nem de demiurgos pois que tanto o Pai como o seu enviado, Jesus, virão a cada um de nós e em cada um farão a sua morada (Jo 14,23). Mas só “os puros de coração verão a Deus”  (Mt 5,8).

Portanto, nem Padre, nem Sacerdote, nem Pontífice: presbítero, palavra da nossa melhor tradição que, desde os tempos apostólicos, refere o servidor ministerial que é fundamentalmente um colaborador do Bispo (PO 2) ao serviço do Povo de Deus (PO 4). Embora o vocábulo presbítero se tenha perdido com os séculos, o Vaticano II reencontrou-o.

Presbítero é uma palavra de origem judaica que quer dizer ancião. Nas sociedades antigas, os idosos, possuidores de uma sabedoria apreendida e aprendida ao longo da vida, gozavam de uma especial consideração e ocupavam com frequência altos lugares na escala social. Os anciãos do antigo Israel, por exemplo constituíam já como que a nobreza do povo ou da tribo (Ex 3,16; Nm 11,16; 1Sam 30.26). Como não possuíam nenhum poder executivo, a sua autoridade, mais que efectiva, era moral. Mas, depois do exílio, foram admitidos no Conselho Supremo, juntamente com os Príncipes dos Sacerdotes e os Escribas (Mt 27,41; Mc 11,27; 14, 43-53; Lc 22,66). Por isso, ao Conselho se chamava presbitérion (Lc 22,26; Act 22,5: 1 Tim 4,14). Foram estes presbíteros que, de passo em passo, deram pelo menos nome aos presbíteros cristãos.

Digamos que, ao mesmo tempo que nas comunidades cristãs de origem judaica, se impunham os presbíteros, nas gregas, afirmavam-se os epíscopoi, palavra que deu as nossas episcopado ou episcopal. A palavra epíscopos, à letra vigilante, designava o detentor de um cargo que, nas sociedades gregas, se podia de algum modo comparar ao nosso governador civil. A palavra aparece por quatro vezes no Novo Testamento (Act 20,28; Flp 1,1; 1Tim 3,2; Tit 1,7), mas sempre com significação indeterminada.

De todo não sabemos da evolução destes presbíteros e epíscopos até chegarmos ao que hoje entendemos por presbíteros e bispos, até porque não foi uma evolução uniforme. Vamos de qualquer modo visitar esta história.

Os discípulos de Jesus não receberam dele qualquer norma concreta de como deveriam organizar as comunidades dos seus seguidores. Atenderam foi aos ensinamentos que dele receberam - entre vós, o que quiser fazer-se grande seja como aquele que serve (Mt 23,29), o ministério presbiteral não é poder é serviço às comunidades -, e [atenderam também] ao que o Espírito ia dizendo às igrejas (Ap 2 e 3), o que muitas vezes acontecia no meio de muita confusão e controvérsia bastante viva (Act 15,2). Apesar disso, era tudo muito simples: Sempre que dois ou três se reunirem em meu nome, estarei no meio deles (Mt 18,20). Não consta, por exemplo, que, para que Ele estivesse no meio deles, um haveria de ser presbítero! Pouco a pouco, porém, conforme os distintos modelos culturais em que as comunidades cristãs se configuravam e atendendo às necessidades da missão, começaram a surgir funções e figuras distintas na organização das comunidades.

Ao longo da História, porém, e sobretudo depois do Concílio de Trento, séc. XVI, entendeu-se que um sacerdote era aquele que tinha o poder de fazer a Eucaristia. Mas o Vaticano II entendeu que a tarefa principal do presbítero não é essa mas sim a de fazer a missão, a pregação e ensino do Evangelho. Só os que o receberem e nele forem iniciados chegarão à Eucaristia, centro e cume da vida da Igreja. Claro que a missão de Cristo compete a todos os baptizados mas, de modo especialíssimo aos apóstolos e seus sucessores, os bispos; esta tarefa que, antes de mais, é dos bispos é depois compartilhada por presbíteros, seus colaboradores. Ou seja: na perspectiva de Trento, havia sacerdotes que cuidavam especialmente da Missa e dos outros sacramentos; destes sacerdotes, alguns eram escolhidos para bispos e para tal sagrados, assim se dizia; no Vaticano II há bispos e há presbíteros, estes são colaboradores daqueles, numa missão que aos mesmos bispos impende primeiramente. E uns e outros são sacramentalmente ordenados para tal.

As consequências desta teologia são claras. Enquanto que, na linha Trento, se entendeu a tarefa dos Doze a de “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19) ou seja a de fazerem o corpo eucarístico; com o Vaticano II passou-se a um presbiterado-servidor do Corpo de Cristo que é a Igreja. O sacerdote não é mais [nem apenas nem sobretudo] o homem do culto e do altar, mas - bispos e presbíteros - são os que, na Igreja, assumem na Igreja uma tríplice missão: a profética, a cultual e a pastoral.

Finalmente, segundo o Vaticano II - e isto é fundamental -, tanto o bispo, como o presbítero, como até o diácono, não são mais o centro da Igreja; no centro da Igreja está o Povo de Deus na sua totalidade. De uma eclesiologia piramidal a uma outra em que se desenha prioritariamente o Povo de Deus. Isto foi uma verdadeira revolução copernicana!»


Comunidade Cristã da Serra do Pilar