teologia para leigos

13 de maio de 2011

QUE TIPO DE IGREJA QUEREMOS? 2/7

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Colégio dos Jesuítas - Brasil



2. Os grandes modelos herdados do passado

Feitos estes esclarecimentos de corte metodológico, queremos aprofundar quatro práticas eclesiais com as suas consequências eclesiológicas (latentes ou explícitas) que ocorrem na América Latina, perguntando-nos pela sua significação no confronto com os desafios que são próprios do nosso continente e que futuro se pode esperar de semelhantes práticas eclesiais.


a) Igreja como civitas Dei: totalidade ad intra

Persiste ainda na América Latina, embora com cada vez menor intensidade, uma prática de Igreja voltada quase exclusivamente para dentro. A Igreja vê-se como a exclusiva portadora da salvação para os homens; actualiza o gesto redentor de Jesus mediante os sacramentos, a liturgia, a meditação bíblica, a organização da paróquia ao redor de tarefas estritamente religioso-sagradas. O Papa, o bispo e a estrutura hierárquica da Igreja, em geral, constituem os eixos organizadores da compreensão da Igreja; ela é essencialmente clerical, no sentido de que sem o clero, ordenado no sacramento da ordem, nada de decisivo pode acontecer na comunidade. Cultivam-se a tradição, a exactidão das fórmulas ortodoxas oficiais e a fixação canónico-jurídica da liturgia com os fiéis. O mundo não possui consistência teológica e deve ser convertido, pois somente na mediação da Igreja acede a ordo gratiae.

Como o seu campo de actuação é o campo estritamente sagrado, este tipo de igreja mostra-se insensível aos problemas humanos que ocorrem fora dos seus limites, no mundo e na sociedade. O político constitui a dimensão do «sujo», que deve ser evitado o mais possível. Mais do que neutralidade, neste modelo vigora uma indiferença face às realidades «mundanas». Por detrás destas práticas funciona a eclesiologia da Igreja-sociedade-perfeita, paralela à outra sociedade perfeita do Estado. Esta compreensão foi um expediente teológico de afirmação do poder da Igreja, ainda que ele diga respeito à gestão do religioso. O poder religioso não é entendido como uma forma de leitura de toda a realidade, um «espírito» com o qual se abordam as coisas todas, mas uma região delimitada da realidade, cuja competência cabe à Hierarquia.

Não existe uma articulação com a realidade do Reino e do mundo.
Praticamente, nesta visão a Igreja identifica-se com o Reino, pois é somente nela que ele encontra historização. A respeito do mundo, a Igreja está completamente alheada, porquanto se sente fora dele, embora em função dele. Isto não implica que a Igreja não se organize no mundo. Pelo contrário, dado que somente por ela passa a salvação e o sobrenatural, criam-se obras que surgem sob o título explícito de «católico»: sindicatos cristãos, escolas católicas, imprensa religiosa, universidades católicas, etc. Através dessas obras garante-se a presença de Deus dentro do mundo. Como se depreende, a Igreja constrói-se à parte do mundo, duplicando os serviços.

Que futuro possui este modelo de Igreja?

Teologicamente, está vastamente superado pela teologia do Vaticano II. Entretanto, as práticas tradicionais não se desmontam facilmente mediante uma nova teologia. Na medida em que outras práticas eclesiais ganham hegemonia, este modelo de Igreja, civitas Dei sobre a terra, vai-se marginalizando e tornando-se abertamente reaccionário e não apenas tradicionalista.

O futuro está ligado à sorte dos próprios bispos que com o seu desaparecimento permite acertar o passo da história. As chances de recuperação são mínimas.

Leonardo Boff
Igreja – Carisma e Poder
Ed. Vozes, 1981