teologia para leigos

10 de maio de 2011

QUE TIPO DE IGREJA QUEREMOS? 6/7

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3.b) Uma Igreja que nasce da fé do povo


É aqui que se torna importante a verificação de como o povo faz a passagem do religioso ao político. Geralmente, para o povo, as duas realidades vêm unidas. Começam pelo religioso. Então o povo dá-se conta das injustiças que são o pecado que Deus não quer. Depois, passa para a compreensão das estruturas reais que produzem essas injustiças. Importa, como consequência, mudar as estruturas para que não produzam mais o ‘pecado social’.

O compromisso político nasce da própria reflexão da fé a qual exige mudança. Mesmo quando se fazem análises sobre os mecanismos da opressão, a fé nunca está ausente, como horizonte de compreensão, como ‘mística-para-a-acção’ poderosa e como ponto de chegada de todo o agir humano. A Comunidade não se transforma numa célula política. Ela é aquilo que é: lugar da reflexão da fé e lugar da sua celebração. Mas, ao mesmo tempo, é lugar onde se ajuízam, eticamente, à luz de Deus, as situações humanas. A comunidade cristã e a comunidade política não são dois espaços fechados, mas abertos, por onde circula o cristão: na comunidade cristã, o cristão celebra e alimenta a sua fé; aí ele ouve a palavra de Deus que o envia para o compromisso com os seus irmãos. Na comunidade política age e actua ao lado de outros, realizando, no concreto, a fé e a salvação; aqui, na comunidade política, ele escuta a voz de Deus que o chama a expressar-se na comunidade cristã. Tanto um espaço como o outro estão recobertos pela realidade do Reino de Deus que se realiza, embora sob signos diferentes, num e noutro espaço.

Antes de tudo, a Comunidade Eclesial de Base é mais do que um instrumento mediante o qual a Igreja atinge o povo e o evangeliza. Ela é uma nova e original forma de se viver a fé cristã e de se organizar a Comunidade ao redor da palavra, dos sacramentos (tanto quanto é possível), bem como ao redor dos novos ministérios exercidos por leigos (homens e mulheres). Há uma nova distribuição do poder na Comunidade, um poder muito mais participado, evitando-se toda a centralização e dominação a partir dum centro de poder.

As unidades ‘fé-vida’, ‘Evangelho-libertação’ acontecem sem o artifício de difíceis mediações institucionais; propiciam o surgimento de uma rica sacramentalidade eclesial (a Igreja, toda como um sacramento) com forte criatividade nas celebrações, com um profundo sentido do sagrado que é próprio do povo. Está em curso uma verdadeira eclesiogénese – a Igreja nascendo da fé dos pobres.

Por um lado, a Comunidade é o lugar do exercício da democracia real do povo, onde tudo é discutido e decidido em conjunto e onde se cultiva um espírito crítico. Um povo secularmente submetido, ao qual sempre se retirou a palavra, a simples ‘tomada da palavra’ já significa um momento de tomada do poder e um momento de elaboração do seu próprio destino. O significado da Comunidade eclesial extravasa o seu sentido religioso e assume, assim, um alto significado político.

Por trás destas práticas surge uma eclesiologia que encontra nas categorias ‘Povo de Deus’, koinonia, ‘profecia’, diakonia os seus eixos estruturadores. Este tipo de Igreja pressupõe aquilo que se cristalizou em Puebla: uma opção preferencial pelos pobres.

Importa compreender o exacto sentido desta opção.
Trata-se de privilegiar os pobres (sem exclusivismo) como o novo sujeito histórico emergente que vai, preferentemente, realizar o projecto cristão no mundo. Os pobres aqui não são compreendidos, apenas, como aqueles que possuem carências: eles têm-nas, mas têm também força histórica, capacidade de mudança, potencial evangelizador. A Igreja acede a eles directamente – a Igreja não passa pela mediação do Estado ou das classes hegemónicas. Portanto, não se trata mais de uma Igreja para os pobres, mas de uma Igreja de pobres e com os pobres.
A partir desta opção e inserção nos meios pobres e populares é que a Igreja define a sua relação para com os demais estratos sociais. A Igreja não perde a sua catolicidade: dá-lhe um conteúdo real e não retórico, dirige-se a todos, mas a partir dos pobres, a partir das suas causas e lutas.

Eis porque a temática essencial desta Igreja é a mudança social no sentido duma convivência mais justa, no sentido dos direitos humanos interpretados como direitos das grandes maiorias pobres, no sentido da justiça social, da libertação integral, passando principalmente pelas liberdades socio-históricas e pelo serviço concreto aos deserdados deste mundo, etc.

Leonardo Boff
Igreja – Carisma e Poder
Ed. Vozes, 1981