teologia para leigos

13 de maio de 2011

QUE TIPO DE IGREJA QUEREMOS? 3/7

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2.b) Igreja como mater et magistra: o antigo pacto colonial

A América Latina foi missionada dentro de um determinado modelo de Igreja, o do padroado [‘padroado’, direito de protecção adquirido por quem funda uma igreja; direito de conferir benefícios eclesiásticos]. Segundo este modelo, a Igreja faz-se presente no mundo mediante um pacto com o Estado, o qual provê a todas as necessidades da Igreja e lhe garante o respectivo funcionamento. Trata-se duma relação entre hierarquias - a civil e a religiosa. Nesta acepção, a Igreja é simplesmente sinónimo de Hierarquia [‘hierarquia’, palavra que se refere, quer à dignidade e poder do sumo-sacerdote, quer à graduação de diferentes categorias de funcionários].

Com a queda do Regime do Padroado e a emergência dos vários Estados Republicanos, o modelo reajustou-se e ganhou nova versão. A Igreja aproximou-se das classes dominantes, que controlam o Estado e organizou as suas obras no seio ou a partir dos interesses das classes dominantes: é assim que surgem os colégios, as universidades, os partidos cristãos, etc. Evidentemente, trata-se dum poder sagrado que se vê a si próprio naturalmente articulado ao poder civil. A interpretação que a Igreja dá a este pacto é a seguinte: ela quer servir o povo e as grandes maiorias pobres; estes, por seu turno, são carentes, não têm meios, instrução ou participação. Para os ajudar, a Igreja aproxima-se daqueles que efectivamente têm condições de ajudar e que são as classes abastadas. A Igreja educa-lhes os filhos para que, imbuídos de espírito cristão, libertem os pobres. Sendo assim, surge uma vasta rede de obras assistenciais. A Igreja aparece como uma Igreja para os pobres e não tanto com os pobres e dos pobres.

Ao nível doutrinário, este tipo de Igreja mostra-se conservador e ortodoxo.
Suspeita de todas as inovações. A dogmática é rígida e a visão é jurídica, sendo ambas próprias de quem ocupa os lugares de mando na Igreja (Hierarquia). A referência à autoridade, especialmente, ao Papa, está sempre presente; o discurso é sacerdotal, sem nenhum laivo profético. O edifício da fé é apresentado como compacto e perfeito; dele não se há-se tirar nada, nem a ele acrescentar nada. Mas existem consequências para a prática social. A Igreja emerge, fundamentalmente, como mater et magistra: sobre todas as questões, ela possui uma lição que tira do seu depósito, o qual é constituído pela Escritura, pela Tradição, pelos ensinamentos do Magistério e por um certo tipo de leitura da lei natural.

Em termos da articulação Reino-mundo-Igreja nota-se, efectivamente, uma certa funcionalidade no que diz respeito ao mundo. A relação realiza-se com os poderes estabelecidos e não com os movimentos históricos emergentes (reformadores, inovadores, revolucionários), porque a própria Igreja se entende a si própria a partir de uma visão jurídica e de poder (potestas sacra, comunicada mediante o sacramento da ordem). No que diz respeito ao Reino, este modelo de Igreja continua a vê-lo ser realizado exclusivamente na Igreja ou no mundo mediado pela Igreja.

Que futuro possui este modelo?

Ele possui uma respiração longa, porque goza de um substrato histórico muito forte. Além do mais, a concentração, em poucas mãos (corpo hierárquico), do poder na Igreja facilita a relação com os outros poderes deste mundo. O entendimento entre os «poderosos» é muito fácil assim, e, assim, eles decidem e fazem arranjos, geralmente, por cima das cabeças do povo, o qual, no Continente Latino-americano, é ao mesmo tempo oprimido e religioso. Interessa à política centralista romana este tipo de Igreja fundado sobre o poder sacerdotal, magisterial e sobre a autoridade sagrada da Hierarquia. Contudo, este modelo entra em crise na medida em que os Estados se tornam autoritários e até totalitários, começando a oprimir o povo para além dos limites suportáveis pela ética. Nesses momentos prevalece o transfundo evangélico da Igreja (Hierarquia), busca-se a isenção e a neutralidade. É nesses momentos que se ouve o discurso sobre o carácter não-político da Igreja e sobre a sua especificidade religiosa irredutível. De resto, este tipo de Igreja afina-se com os regimes políticos autoritários; nunca faz uma crítica de fundo sobre a legitimidade desses regimes, mas apenas sobre os seus abusos.

Nos países latino-americanos, onde predomina este modelo de Igreja, nota-se, sem surpresas, que os respectivos episcopados se mostram desprovidos de espírito profético e da parrhesia evangélica. A luta pelos direitos humanos não se faz publicamente, mas mediante contactos secretos entre as cúpulas militares e as cúpulas hierárquicas. Qualquer outro tipo de caminho é visto como intromissão na vida política, considerada da estrita competência do Estado ou dos leigos. Este modelo agrada ao poder dominante, porque reduz o campo de actuação da Igreja à sacristia. Supõe uma sociologia funcionalista em que cada corporação é bem definida e possui suas práticas próprias sem interferência de uma corporação na outra.

Assim, segundo este modelo, a Igreja não deve imiscuir-se na política.

Evidentemente, a Igreja não é uma instituição política, mas possui uma relação com a política na medida em que a política, por um lado, é uma dimensão objectiva do ‘Reino’ e, por outro, possui um carácter ético. À Igreja cabe pronunciar-se sobre o carácter ético e/ou religioso das práticas políticas; tal é uma derivação da sua missão evangelizadora. Este modelo de Igreja está demasiadamente comprometido com os poderes seculares, para, normalmente, poder assumir uma atitude crítica face às opressões que amarguram a vida do povo.


Leonardo Boff
Igreja – Carisma e Poder
Ed. Vozes, 1981