teologia para leigos

25 de maio de 2011

BAPTISMO - UMA MUDANÇA DESCONCERTANTE

Jesus
um judeu que mudou de vida








O baptismo como mudança de vida para Jesus

Para os evangelhos, o baptismo, que Jesus recebeu das mãos de João Baptista, é o ponto de partida da vida de Jesus. Como é bem sabido, de facto os evangelhos de Marcos [Mc 1:9] e de João [Jo 1:31] começam directamente com o baptismo de Jesus por João [Baptista]. A vida de Jesus prévia ao seu baptismo não lhes interessa para nada. (…) O baptismo representou, de facto, para Jesus, uma mudança radical de vida. (…) Para a Igreja nascente, o que lhe interessava de Jesus era o que havia sucedido depois do baptismo que recebera das mãos de João. (…) Ou seja, depois que fora baptizado por João, Jesus começou a ser outro homem e pôs-se a viver de uma maneira tão nova e surpreendente, que nem a sua própria família entendia o que se estava a passar. Por isso, o evangelho de Marcos começa o seu relato com estas palavras: «Princípio [Archê] da boa nova de Jesus, o Messias Filho de Deus» [Mc 1:1]. E estas palavras conectam-se estreitamente com o baptismo que João administra e que Jesus recebe [Mc 1:2-11].

Em que mudou a vida de Jesus?

(…) Será que se pode afirmar que o baptismo, para Jesus, foi a passagem de uma vida «profana» a uma vida «sagrada» ou «con-sagrada»? Terá consistido nisso, realmente, a mudança que se produziu na vida de Jesus, a partir do baptismo? A resposta parece bastante clara e não oferece muitas dúvidas.

A partir do momento em que Jesus foi baptizado por João, Jesus não se dirigiu para o templo, não se dirigiu para o lugar sagrado por excelência. Nem muito menos passou a viver num convento do género dos que então já existiam no deserto do Mar Morto. Nem organizou um grupo de sacerdotes, com um templo específico e rituais próprios, com cerimónias, leis sagradas e observâncias particulares. E, claro está, ele não se tornou num «sacerdote», no sentido que essa palavra tinha de óbvio naquele tempo, e que ainda agora continua a ter para o comum dos mortais: ‘sacerdote’ como homem consagrado ao culto do altar.

Nada disso surge nos evangelhos. Jesus viveu como vivia toda a gente, vestia-se como o resto dos homens do seu povo, ia a casamentos e banquetes, comia e bebia como qualquer um, era amigo de pecadores e de pessoas de conduta duvidosa, ensinava coisas que punham nervosas as pessoas e os grupos mais observantes e os religiosos do seu tempo, foi mal visto pelos sacerdotes e, em geral, pelos funcionários do templo. Além do mais, era motivo de escândalo para alguns com aquilo que fazia e dizia [Mt 11:6; 13:57; 26:31].

É óbvio que a vida de Jesus não mudou no sentido de ter passado de uma vida «profana» a uma vida «sagrada» ou «con-sagrada».

Então, em que consistiu essa mudança?
Pelo que contam os evangelhos, está claro que a vida de Jesus mudou na medida em que deixou a sua casa e o seu povoado, abandonou a sua família e o seu trabalho, reuniu um grupo de pessoas que o acompanhavam, às quais chamava «discípulos» [Mc 3:7; Mt 5:1; Lc 6:20; etc] ou «apóstolos» [Mt 10:2]. Nesse grupo iam também «muitas» mulheres, algumas delas vinculadas a enfermidades e demónios [Lc 8:2-3], aspectos que naquela sociedade tinham conotação muito negativa. Com este tipo de gente, Jesus ia de lugar em lugar e de cidade em cidade anunciando a chegada do Reino de Deus [Mt 4:23-25; Lc 8:1]. Curava os enfermos, desencadeava uma intensa atracção por parte do povo simples o qual o seguia entusiasmado, interessava-se pelos pobres e gente marginal e, regra geral, as suas palavras eram bem recebidas pelos pobres, pelos ignorantes e pelas pessoas mal vistas por parte da sociedade daquele tempo.

Pelo contrário, o seu ensino irritava os mais religiosos e os ricos, sobretudo quando se tratava de pessoas revestidas de autoridade. (…) Não há dúvida que, a partir do baptismo, a mudança de vida foi evidente, quer para Jesus, quer para todos os que o conheciam.

Uma mudança desconcertante.

(…) Como é lógico, a pergunta que ocorre a qualquer um é muito clara: que se passou, naqueles que melhor conheciam e que mais amavam a Jesus, para que eles pensassem que ele estava louco? Seguramente, a resposta está no tipo de gente que se apinhava na sua casa. Do relato conclui-se que não era gente importante, nem pessoas religiosas e educadas, nem gente de boas famílias e com cultura. Nada disso. Marcos, para referir-se àquela massa de gente, utiliza o termo óchlos [Mc 3:20]. Esta palavra indica que se tratava dos últimos daquela sociedade, não apenas pela sua ínfima condição socioeconómica, mas também pela sua situação cultural e, inclusivamente, religiosa, já que, dessa classe de pessoas, os dirigentes religiosos pensavam que «não conheciam a Lei e eram malditos» [Jo 7:49]. (…) Só um indivíduo que perdeu a sanidade mental pode actuar de modo que entusiasme semelhante chusma de gente, pois a palavra óchlos, tal como a utilizavam os gregos, designava gente que não estava capacitada nem sequer para emitir opinião que merecesse ser escutada. Ouvir esse tipo de gente seria ridículo… [Platão, Leg. 2, 670b] (…)

Sem dúvida que esse tipo de gente percebeu que ele se interessava pela sua situação e pelos seus problemas e, além do mais, ele curava as suas penas e desgraças. (…) Naquele tempo, fazer o que Jesus fazia, era, antes de mais, dar mostras evidentes de que quem entusiasmava e atraía tanto aquelas pessoas tinha que ter ideias religiosas e sociais que não encaixavam no que era considerado «normal». Era como se agora víssemos um pregador a quem acorressem, a ouvi-lo, loucos, mendigos, imigrantes, aqueles que nunca vão à missa, nem sabem nada de religião, etc. Um indivíduo assim levantaria inúmeras e «razoáveis» suspeitas. Naquele tempo, teria sido tomado por louco. Compreende-se que os seus familiares procurassem deitar-lhe a mão e retirá-lo de circulação. (…) Sem dúvida, porque, naquele tempo, tal como ainda agora, as pessoas estão convencidas de que o facto de se abandonar um trabalho que permite ganhar a vida e dedicar-se a uma tarefa em prol dos outros, é uma «cagada», uma «trampa» [sentido literal do termo grego skándalon – cf. J. Guhrt, Escândalo, em DTNT, II, 97] ou «motivo de ruína», em sentido figurado.

Enfim, há demasiada gente que se sente mal, que estranha e se escandaliza por haver outros que, em vez de cumprirem com as suas obrigações costumeiras, se dedicam a fazer feliz outras vidas. Provavelmente por isso, após ter dito aos emissários de João Baptista que ele se dedicava a aliviar o sofrimento alheio [Mt 11:2-5], Jesus concluiu: «Ditosos os que não se escandalizam de mim» [Mt 11:6]. O cumprimento mudo das tarefas de todos os dias é sinal de gente cumpridora e honrada. A dedicação a fazer outros felizes ou, pelo menos, a aligeirar-lhes a vida, isso (por estranho que pareça) é, com frequência, motivo de escândalo. A sociedade está montada de tal maneira que isto se passa com demasiada frequência. (…) O mais normal é cada um dedicar-se às suas coisas e aos seus próprios interesses. (…) O facto é que o regresso de Jesus à sua terra natal resultou num desastre [Lc 4:28; Mc 6:4-6].


José Maria Castillo
“Víctimas del pecado”, Ed. Trotta 2007, pp. 19-27

Nota: ex-professor convidado de teologia na Universidade Gregoriana de Roma, ex-professor na Faculdade de Teologia de Granada, membro da Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII; doutor honoris causa da Universidade de Granada (2011).