teologia para leigos

30 de novembro de 2012

CLASSE MÉDIA: O QUE É?

A magreza da classe média em Portugal

Sem os serviços públicos e as prestações sociais que têm sido garantidos pelo Estado, que protecção terão as classes médias portuguesas na privação e na miséria? Basta caracterizar estas classes a partir dos seus níveis de rendimentos para se perceber o colapso anunciado pela austeridade e pelo desmantelamento do Estado Social.





É interessante verificar que num país profundamente desigual, como Portugal, se convoque de forma tão parcimoniosa para o debate público o conceito de classe social. Em alguns casos, tal dever-se-á ao entendimento de que as classes sociais são um instrumento de análise desadequado para ler as sociedades actuais, noutros devido à aversão política a uma linguagem maldita conotada com o marxismo[1].
                                                   
O aparente carácter anacrónico ou profano do conceito de classe social implica que se utilizem outras noções para identificar conjuntos de indivíduos que partilham certo tipo de atributos sociais. As noções de «grupo» ou de «segmento» populacional, de «ricos» e «pobres» são algumas das ferramentas de categorização social de serviço. A sua neutralidade simbólica assegura que se possa falar acerca da estrutura social e das desigualdades sociais sem que o proletariado incendeie o Parlamento.

Apesar de o conceito de classe social ser normalmente proscrito dos exercícios de nomeação e interpretação da estrutura e dos processos sociais, tal já não acontece com o de classe média. Toda a gente fala de classe média. Políticos, jornalistas, comentadores, académicos, membros da classe média e membros de outras classes sociais. Nomear enquanto classe o conjunto de indivíduos que se encontram no topo e na base da estrutura de classes é uma prática fora de moda ou herética. Pelo contrário, qualificar a zona intermédia dessa hierarquia social abstracta recorrendo ao seu nome próprio faz parte da normalidade vocabular. (…)

No ano de 2008, o rendimento monetário disponível por adulto equivalente em Portugal do 3º decil era de 477 euros mensais. No caso do 5º decil esse valor cifrou-se em 648 euros e no 8º decil um pouco acima dos 1000 euros[2]. Este indicador é ponderado pela dimensão do agregado doméstico e baseia-se em vários componentes monetários. Como forma de complementar esta informação interessa convocar os dados relativos aos ganhos salariais médios dos trabalhadores por conta de outrem. Neste caso os trabalhadores que se integram no 2º quintil auferiam, em 2009, 577 euros mensais, os do 3º quintil 719 euros e os do 4º quintil 999 euros.

Não só a porção do rendimento detido pelas classes médias em Portugal continua a ser comparativamente mais baixa do que o verificado em termos médios nos países da EU-27, como os seus recursos económicos são manifestamente escassos.(…)

Penso que este tipo de dados não são surpreendentes para o cidadão comum. Há uma dura consciência de que a maior parte da população residente em Portugal consegue na melhor das hipóteses «remediar-se», comprar o necessário e pouco mais. Pão, educação, saúde, uma vida com dignidade. Se pensarmos na base da classe média, isto é, no subconjunto da população que designámos por «classe média baixa», o limiar da pobreza e as privações materiais associadas a esta condição estão à distância de quase nada. E essa distância, esse espaço que separa uma vasta camada da população portuguesa da miséria e da privação, tem sido garantida pela acção do Estado Social através das transferências monetárias que promove para as famílias mais pobres, mas também por um conjunto de serviços que presta à população.(…)

Não ter em linha de conta o impacto do Estado Social em Portugal na melhoria das condições de vida das pessoas e na garantia de uma vida condigna para todos é politicamente irresponsável e lamentável do ponto de vista social.(…)

Frederico Cantante
Investigador do CIES-IUL e do Observatório das Desigualdades.

Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Maio de 2012, p. 10.


LINK:


[1] Sugeri, em Setembro de 2012 [«OS BISPOS E A CRISE»], esta hipótese interpretativa para compreender a ausência, na linguagem dos bispos católicos portugueses (bem como na do Vaticano), do conceito de «classe social». Cf.: a Igreja Oficial «faz uso dum subterfúgio para evitar o uso de categorias sinalizadas pela ortodoxia vaticana (de presumível proveniência marxista e ateia, tais como «estratos sociais», «classes sociais», «luta de classes»)»;
[2] Sobre a Pobreza, as Desigualdades e a Privação Material em Portugal, Instituto Nacional de Estatística (INE), Lisboa, 2010.