CIDADANIA:
PALAVRA MALTRATADA, ESPERANÇAS INTACTAS
A democracia, extraordinária conquista num século XVIII monárquico, assemelha-se a um monumento inacabado cujo arquitecto tenha desaparecido. A representação política torna-se vazia, a abstenção nas eleições aumenta, a crise social fragiliza o cidadão… Uma revisitação da história e de alguns conceitos fundamentais permite identificar as fendas, na perspectiva de obras de renovação.
Alienada pelo «triângulo de ferro»[1] formado pela aliança dos dirigentes políticos, económicos e mediáticos; dividida por esse «ódio à democracia»[2] que separa os cidadãos que se mantêm no interior do «círculo da razão» liberal daqueles que dela estão excluídos; limitada pelas Constituições mas também pelos «constrangimentos externos» da globalização ─ a soberania popular parece já não ser mais do que uma fonte de legitimidade entre outras. Se este desapossamento democrático foi possível, foi porque as formas instituídas de cidadania ─ esse instrumento de soberania ─ já não estavam suficientemente armadas para se lhe oporem. A delegação de poder constitutivo das democracias só permite que os cidadãos controlem os seus representantes a priori, no programa político, e a posteriori, no balanço. Entre os dois termos do mandato, a delegação de poder é um desapossamento.
Como controlar a acção dos representantes se não há mandato imperativo? Como exprimir a revolta se o voto em branco não é levado em conta e se «a rua não governa»?
O controlo da eleição é, ele próprio, mais do que limitado, de tal forma a liberdade do cidadão parece estar pré-determinada por um conjunto de dispositivos cujo objectivo é orientar a sua escolha. O apelo ao «voto útil», apoiado pelo peso de sondagens que enfeitam manipulações com as roupagens da cientificidade, tende assim a anular a possibilidade de se romper o círculo fechado do campo político. Em democracia, o que o povo faz, o povo pode (…)»
Allan Popelard
Geógrafo no Instituto Francês de Geopolítica da Universidade de Paris VIII.
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