teologia para leigos

20 de novembro de 2012

«DIREITO DO TRABALHO» COMO MERCADORIA

«SOCIEDADE DA AUSTERIDADE
E
DIREITO DO TRABALHO DE EXCEÇÃO»

Prof. António Casimiro Ferreira





Lido por Hugo Dias


Esta obra, da autoria de António Casimiro Ferreira, elabora uma análise sociojurídica crítica das transformações ocorridas no actual período «austeritário».
A reflexão parte de uma «incomodidade cidadã» e «uma interpelação ética» perante o «fatalismo de uma perspectiva de sociedade alimentada pela crise e pela austeridade» (p. 15), e divide-se em duas partes: a primeira concentra-se na análise da chamada «sociedade da austeridade», a sua lógica de estruturação da organização social e formas de articulação entre indivíduos, instituições, direitos e poder. Num segundo momento, detém-se na variável jurídica, com particular ênfase nas mutações ocorridas no direito do trabalho.

O autor utiliza a noção de austeridade como elemento mediador entre os problemas sistémicos e a realidade concreta. Para além de incorporar uma lógica de naturalização das desigualdades, trata-se «de um modelo político-económico punitivo em relação aos indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro, enquanto procede à implementação de um arrojado projecto de erosão dos direitos sociais e de liberalização económica da sociedade» (p. 13).

A ética social da justa repartição dos sacrifícios esbarra no entanto com a dúvida de que «uma sociedade económica e socialmente muito desigual seja vantajosa não para o maior número mas para os mais favorecidos» (p. 46).

Se a Declaração de Filadélfia da Organização Internacional do Trabalho, de 10 de Maio de 1944, constitui um marco da construção do Estado-providência e da relação salarial fordista, a falência de Lehman Brothers, a 14 de Setembro de 2008, marca o início da crise económica e da sociedade de austeridade. A primeira «estabelece um entendimento amplo acerca da importância do social e, muito particularmente, do valor do trabalho e dos seus direitos» (p. 19). Mas, desde então, e sobretudo a partir da década de 70 do século passado, assistimos a uma reversão dessa visão, com o Consenso de Washington e a consolidação da agenda neoliberal.

O «processo de austerização» mantém o legado politico-jurídico neoliberal, mas constrói uma lógica de justificação, ou «narrativa de conversão», na difusão da mensagem da culpa e do medo social. A austeridade constitui uma política de «requisição civil» (p. 12) e «está a moldar um novo habitus, um novo modo de vida que se cria a partir do medo e da insegurança subjectiva (…) a situações de insegurança que são toleradas ou suportadas pelos indivíduos dado não terem alternativa possível» (p. 61).

O Estado assume um papel central neste processo.

A transformação neoliberal tinha já conduzido ao seu desvinculamento em relação ao cidadão, assente no primado da liberdade individual, desequilibrando a sua relação com a promoção da igualdade. O liberalismo, que concebe a sociedade como um aglomerado de indivíduos movidos pelo seu interesse racional, tem como isomorfismo sociojurídico o contratualismo. «A força da dualidade contrato-indivíduo recombina diferentes níveis da realidade social: ao nível estrutural converte o Estado, o direito, as instituições e as organizações em entidades axiologicamente neutras, enquanto, ao nível individual, atribui a responsabilidade das mudanças verificadas às decisões individuais» (pp. 37-38).

Segundo o autor, estamos a assistir «a uma forma de produção do poder e do direito, tendo por fonte a combinação estratégica entre actores governamentais e actores não-governamentais com o objectivo de implementar, ou mesmo institucionalizar, o modelo de austeridade utilitarista» (pp. 66-67). Actores não-governamentais, como os da Troika, produzem uma jurisprudência da austeridade, interpelando o Estado de Direito, ao procurar substituí-lo por normas pretensamente naturais e técnicas, intervindo na produção do direito com base na normatividade do estado de excepção».

A intensificação da experiência do tempo presente é também uma característica actual, «rompendo com o tempo histórico enquanto alteridade em relação ao presente» (p. 80). A temporalidade de excepção relativiza a história e a memória, e o conflito natural entre diferentes temporalidades possíveis. A aceleração do tempo jurídico, com o aumento da velocidade das alterações políticas e legislativas, transforma o princípio da segurança jurídica em insegurança jurídica e ontológica, provocando instabilidade político-social e pressão imediatista para a revisão da Constituição e das Leis.

Exemplo disso é o ocorrido na esfera do direito do trabalho. Os princípios do Espírito de Filadélfia, de uma dada articulação entre trabalho, direito e sociedade, começam a ser transformados, sob o signo do princípio do mercado. As relações de poder são reorganizadas em benefício da parte mais forte, bem como a função económico-instrumental do direito do trabalho de equilíbrio da relação entre statu e contrato.

O neoliberalismo inaugura o que define como «direito do trabalho subversivo», e o «direito do trabalho de excepção» desequilibra determinantemente em benefício do contrato. O direito do trabalho torna-se ele próprio uma mercadoria, factor competitivo na atracção de capital, e as alterações operadas no contexto da crise cristalizar-se-ão institucionalizando «um modelo neoliberal de regulação jurídica das relações laborais» (p. 117).

Num momento final, desenvolve uma reflexão teorico-analítica que possa constituir um guião alternativo à sociedade da austeridade:

1.   a recuperação do conceito de dignidade e de uma sociedade decente assente na liberdade real com segurança socioeconómica;

2.   a democracia laboral, enquanto condição necessária para o aumento da autonomia e controlo dos trabalhadores no local de trabalho;

3.   e a urgência de uma sociologia da vulnerabilidade, que identifique «os limites de um processo de teorização sobre a realidade desconectado dos contextos sociais e das dinâmicas individuais e colectivas do acontecer social,

4.bem como das consequências materiais e subjectivas» (p. 134) dos princípios basilares do neoliberalismo.

in Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Setembro de 2012.



BIOGRAFIA

António Casimiro Ferreira é Doutorado em Sociologia do Estado e do Direito pela Universidade de Coimbra, sendo actualmente professor auxiliar da Faculdade de Economia e investigador do Centro de Estudos Sociais da mesma Universidade. Em 2006, foi distinguido com o Prémio Agostinho Roseta. Em paralelo é coordenador do Núcleo de Sociologia da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e co-coordenador do Programa de Doutoramento Direito, Justiça e Cidadania no séc. XXI. Entre 1999 e 2002 foi assessor do secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional e do ministro do Trabalho e Solidariedade Social.



ENTREVISTA AO AUTOR

MANIFESTO – POR UM TRABALHO DIGNO PARA TODOS

TEXTO – «MANIFESTO» [seguido de vídeo c/ 6 Depoimentos]


O LIVRO:

Este livro resulta da reflexão desenvolvida pelo autor sobre temas marcados pelo atual momento de crise em que vivemos.

Identificam-se algumas das consequências sociológicas associadas à implementação das medidas de austeridade, prestando-se especial atenção às alterações introduzidas na esfera laboral. Partindo de uma discussão geral em torno da noção de sociedade da austeridade, o autor desenvolve uma análise crítica centrada nas questões do medo social e do poder.

Estrutura da obra:
- Do espírito de Filadélfia ao modelo da austeridade
- Como é possível a ordem social?
- O sacrifício e a injustiça social
- Medo social e narrativas de conversão
- O poder dos eleitos, o dos não eleitos e o direito de exceção
- Direito do trabalho e aceleração do tempo jurídico
- Revisitando as funções do direito do trabalho de austeridade
- O direito do trabalho como mercadoria
- Do princípio da precaução ao contrato leonino

  • Autor(es): António Casimiro Ferreira
  • ISBN: 978-972-788-502-2
  • Peso: 0.2 Kg
  • Data de Edição: Abril 2012
  • Editor: Grupo Editorial Vida Económica
  • Idioma: Português
  • Medidas: 15x23 cm
  • Nº de páginas: 160

FONTE: