A classe média
e o futuro da política
Um horizonte de expectativas que se vê reduzido e uma incapacidade de controlo sobre o futuro passaram a fazer parte da experiência de vida das classes médias. No centro da construção de futuros alternativos estará necessariamente a libertação do trabalho e das condições de vida da crescente precariedade.
(…) Num estudo desenvolvido no âmbito do Observatório das Desigualdades sobre a precariedade laboral nos jovens, em que tive a oportunidade de participar, verificou-se que o significado da precariedade ultrapassa claramente o âmbito estritamente laboral; ela expande-se pelas várias dimensões da vida social, transformando-se num modo de vida.
Uma das dimensões em que isso é particularmente vincado identifica-se na forma como os jovens projectavam o seu futuro. Como se refere, para muitos «o futuro é um horizonte fechado a partir do qual não conseguem perspectivar um caminho ou possibilidades alternativas para alterar o presente»[1]. Embora parte destes jovens não integre propriamente as classes médias (alguns são operários e a maior parte aufere salários abaixo da média nacional), não estarei a forçar demasiado o argumento se inferir que este tipo de sentimentos face ao futuro se generaliza a muitos dos estratos sociais intermédios. Esta ideia de que o futuro deixou de ser o resultado de uma escolha, de um plano, de uma vocação… está a tornar-se num dos traços mais marcantes das sociedades contemporâneas e transversais a diversas camadas sociais, deixando de se cingir somente às populações mais desfavorecidas.
A ausência de futuro tem também um enorme significado político. No fundo, esta significa uma limitação à própria liberdade ─ no sentido de poder dispor da liberdade para viver o tipo de vida que se tem razões para valorizar, como defende Amartya Sen[2].
Em última instância, a precarização do trabalho e das condições de vida representam um problema de liberdade, porque o futuro se apresenta como incerto e completamente fora do controlo individual e colectivo. Perante esta inversão de uma narrativa que deixou de apontar para um futuro progressivo e progressista, gerou-se um vazio político que aos poucos se vai conformando a inexistência de alternativas ou, dito de outra forma, à ausência de futuros possíveis. Um vazio que deve alertar a esquerda.
Num recente texto intitulado «The Future of History: Can Liberal Democracy Survive the Decline of Middle Class?»[3], o autor da direita liberal, Francis Fukuyama, alerta para os efeitos que a crise poderá provocar nas democracias ocidentais, visto que, segundo a sua análise, dificilmente um regime democrático poderá (…).
Renato Miguel do Carmo
Investigador auxiliar do CIES-IUL e do Observatório das Desigualdades.
[1] Nuno de Almeida Alves, Frederico Cantante, Inês Baptista e Renato Miguel do Carmo, Jovens em Transições Precárias. Trabalho , Quotidiano e Futuro, Mundos Sociais, Lisboa, 2011, p.110.
[2] Amartya Sen, O Desenvolvimento como Liberdade, Gradiva, Lisboa, 2003.
[3] Foreign Affairs, vol. 91, nº 1, 2011.