NAS ORIGENS DA SOCIEDADE CIVIL
(«ESPAÇO SOCIAL»: PARAÍSO OU ANTAGONISMO?)
O conceito de «sociedade civil», remetido para as profundezas do léxico político ocidental durante o século XX, está a reaparecer no debate sobre a crise da democracia representativa. Esta recuperação de popularidade não deixa de estar ligada, contudo, a um importante deslocamento semântico do sentido «moderno» original do termo, que corresponde à transformação mais geral da vida política contemporânea. (…)
Foi daqui que partiu Karl Marx (e por extensão o marxismo). «A anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política»[1], escreve ele.
Nas sociedades humanas, com efeito, os indivíduos tecem relações necessárias e independentes da sua vontade (as relações de produção), que correspondem a um determinado nível de desenvolvimento das «forças produtivas materiais», com as quais concordam «formas determinadas da consciência social», bem como relações jurídicas e políticas determinadas.
A sociedade civil, portanto, ─ a esfera da vida económica e social em que todos os homens são desiguais em termos de condição, profissão e educação ─ não se recompõe no Estado; pelo contrário, é ela que lhe dá a sua forma. O que quer dizer também que ela se torna o palco do conflito político, o espaço onde se confrontam as classes sociais e as visões do mundo de que elas são portadoras.
Confrontos políticos
É justamente esta dimensão polémica que parece ter desaparecido na recente renovação do conceito de sociedade civil.
Esta, ter-se-ia tornado outra vez, como nos começos da modernidade, um espaço liso, unitário, sem ser atravessado por qualquer contradição nem diferença, e que pode, por isso, opor-se a uma esfera política institucional distinta e distante.
O mesmo vale para o conceito de «sociedade civil global» de que se apropriaram hoje os grandes organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mundial (BM), (…).
Raffaele Laudani
Universidade de Bolonha