teologia para leigos

6 de novembro de 2012

POUPAR: O MORALISMO DA LANCHEIRA

POUPEM-NOS




Ontem foi o dia da poupança, uma oportunidade ímpar para todos os moralismos. A DECO, pela voz de uma das suas responsáveis, prestou-se a um lamentável papel com os conselhos das lancheiras e das marcas brancas. O Jornal de Negócios, por sua vez, fez uma edição gratuita cheia de dicas para poupar e acumular e de publicidade a instituições financeiras mortinhas por captar uma parte dos rendimentos da minoria que tem o privilégio de ter sobras. Como leitor regular do jornal, dispenso bem este tipo de número.

A ideia utópica é mesmo a de transformar o perdulário cidadão, que acede a serviços públicos e à segurança social em regime de repartição, no quadro de um Estado social relativamente frágil no nosso país, como sublinha [Clicar] Mariana Vieira da Silva, num intrépido especulador que poupa e consome serviços financeiros, preparando a sua velhice por capitalização, cuidando da sua saúde com seguro ou enfrentando sabe-se lá que incerteza.

A realidade é a da [Clicar] expropriação financeira dos trabalhadores, que terão parte dos seus rendimentos torrados no casino financeiro ou em serviços de saúde caros e relativamente medíocres. Os EUA mostram o caminho para todas as ineficiências e desperdícios lucrativos, obtidos à custa das assimetrias de informação e de poder que marcam estes sectores, onde uma parte da população até se tem de endividar para pagar por serviços necessários e tudo.

Anda a dar-se corda à ideia, difundida por um estudo encomendado pelas seguradoras, segundo a qual não há nada melhor do que desmantelar o Estado social para promover a poupança. Nem consigo pensar em ilusão que mais agrade ao capital financeiro e que seja melhor receita para aumentar a [Clicar] depressão e a desigualdade, uma combinação tóxica.

O sistema de insegurança social por capitalização só tem desvantagens, não tendo nenhum mecanismo para enfrentar com mais sucesso os problemas com que qualquer sistema de pensões está confrontado – da demografia ao problema central que é o desemprego de massas, a crise permanente, como argumentam [Clicar] João Ferreira do Amaral ou [Clicar] Maria Clara Murteira [e AQUI]. De resto, a pequena história dos fundos de pensões da banca é ilustrativa.

O esforço para aumentar a poupança no actual contexto é parte dos [Clicar] paradoxos da depressão em que se assiste a uma quebra da procura, do investimento, que atrofia os rendimentos e mina a prazo a possibilidade da própria poupança, que é o que sobra, isto quando para cada vez mais nem sequer chega para fazer face a todos os encargos.

De resto, os desequilíbrios externos acumulados, a dívida externa, são a expressão da inserção dependente de Portugal nos circuitos económicos e financeiros internacionais liberalizados, no quadro de um euro forte, gerador de estagnação, seguida de recessão e, na melhor das hipóteses, de mais estagnação no futuro, fragilizando financeiramente o país e sendo a expressão do preço que os países que se querem continuar a desenvolver pagam por abdicar de instrumentos de desenvolvimento, da política cambial ao controlo de capitais. Nenhum problema se resolve aqui sem recuperação de instrumentos de política económica.

Quando não existem instrumentos para combater a crise abunda o moralismo imoral da promoção da poupança, um paternalismo atroz, um pretexto ideológico para dar ainda mais poder ao capital financeiro.

Por que é que se insiste em consolidar os mecanismos que foram responsáveis pela crise?

João Rodrigues
Ladrões de Bicicletas [blog]
1 Nov 2012