POUPEM-NOS
Ontem foi o dia da poupança, uma
oportunidade ímpar para todos os
moralismos. A DECO, pela
voz de uma das suas responsáveis, prestou-se a um lamentável papel com os
conselhos das lancheiras
e das marcas
brancas. O Jornal de Negócios,
por sua vez, fez uma edição gratuita cheia de dicas para poupar e acumular e
de publicidade a instituições financeiras mortinhas por captar uma parte dos
rendimentos da minoria que tem o privilégio de ter sobras. Como leitor regular
do jornal, dispenso bem este tipo de número.
A ideia utópica é mesmo a de transformar o perdulário cidadão, que acede a serviços
públicos e à segurança social em regime de repartição, no quadro de um Estado
social relativamente frágil no nosso país, como sublinha [Clicar] Mariana Vieira da Silva, num intrépido especulador que poupa e
consome serviços financeiros, preparando a sua velhice por capitalização,
cuidando da sua saúde com seguro ou enfrentando sabe-se lá que incerteza.
A realidade é a da [Clicar] expropriação
financeira dos trabalhadores, que terão parte dos seus rendimentos torrados
no casino financeiro ou em serviços de saúde caros e relativamente medíocres.
Os EUA mostram o caminho para todas
as ineficiências e desperdícios lucrativos, obtidos à custa das assimetrias de
informação e de poder que marcam estes sectores, onde uma parte da população
até se tem de endividar para pagar por serviços necessários e tudo.
Anda a dar-se corda à ideia, difundida por
um estudo encomendado pelas seguradoras,
segundo a qual não há nada melhor do que desmantelar o Estado social
para promover a poupança. Nem consigo pensar em ilusão que mais agrade ao
capital financeiro e que seja melhor receita para aumentar a [Clicar] depressão
e a desigualdade, uma combinação tóxica.
O sistema de
insegurança social por capitalização só tem desvantagens, não
tendo nenhum mecanismo para enfrentar com mais sucesso os problemas com que
qualquer sistema de pensões está confrontado – da demografia ao problema
central que é o desemprego de massas, a crise permanente, como argumentam
[Clicar] João
Ferreira do Amaral ou [Clicar] Maria
Clara Murteira [e AQUI]. De resto, a pequena história dos fundos de pensões da banca
é ilustrativa.
O esforço para aumentar a poupança no
actual contexto é parte dos [Clicar] paradoxos
da depressão em que se assiste a uma quebra da procura, do investimento, que
atrofia os rendimentos e mina a prazo a possibilidade da própria poupança, que
é o que sobra, isto quando para cada vez mais nem sequer chega para fazer face
a todos os encargos.
De resto, os desequilíbrios externos
acumulados, a dívida externa, são a expressão da inserção dependente de
Portugal nos circuitos económicos e financeiros
internacionais liberalizados, no quadro de um
euro forte, gerador de estagnação, seguida de recessão e, na melhor das
hipóteses, de mais estagnação no futuro, fragilizando financeiramente o país e
sendo a expressão do preço que os países que se querem continuar a desenvolver
pagam por abdicar de instrumentos de desenvolvimento, da política cambial ao
controlo de capitais. Nenhum problema se resolve aqui sem
recuperação de instrumentos de política económica.
Quando não existem instrumentos para
combater a crise abunda o moralismo imoral da
promoção da poupança, um paternalismo atroz, um pretexto ideológico
para dar ainda mais poder ao capital financeiro.
Por que é que se insiste em consolidar os mecanismos que foram
responsáveis pela crise?
João Rodrigues
Ladrões de Bicicletas [blog]
1 Nov 2012