UM SECTOR FINANCEIRO SUICIDA
Dr. Paul Jorion |
.Em 29 de Setembro, um tribunal de Washington declarou inválidas as medidas tomadas pela Commodity Futures Trading Commision (CFTC, o regulador norte-americano do mercado de produtos derivados), que tinham por objectivo estabelecer um teto para o volume das posições que um interveniente pode reunir no mercado de futuros de matérias-primas, para que esse interveniente não possa, por si só, desequilibrá-lo. Os profissionais do sector tinham manifestado a sua oposição àquelas medidas, inundando a CFTC com uma vaga de pareceres desfavoráveis, garantindo em seguida – graças ao Partido Republicano − que o orçamento do organismo de controlo previsto não fosse votado e, por último, levando a CFTC a tribunal.
.Cinco dias antes, a International Organization of Securities Commissions (organismo mundial que congrega os reguladores nacionais do mercado de matérias-primas), à qual o G20 tinha confiado a missão de regular o mercado do petróleo, rendera-se. Durante a reunião que acabava de realizar, a Agência Internacional de Energia, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e as companhias Total e Shell tinham formado uma frente unida de rejeição. As companhias petrolíferas afirmaram que, em caso de regulamentação do sector, deixariam de comunicar aos respectivos organismos de supervisão os dados relativos aos preços praticados.
.Em 22 de Agosto, a Securities and Exchange Commission (o regulador dos mercados bolsistas norte-americanos), que tinha elaborado um conjunto de medidas destinadas a impedir que o descalabro dos mercados de capitais de curto prazo voltasse a repetir-se, não conseguiu que o seu comité directivo as aprovasse, uma vez que um dos membros − muito ligado ao sector financeiro – recusou o seu aval.
A lógica destas três bem sucedidas manobras de obstrução é fácil de perceber: o sector financeiro beneficia de um acesso fácil ao dinheiro e utiliza aquele de que dispõe para impedir que o regulamentem, mesmo que as medidas previstas se destinem, como nos casos descritos, a impedir a repetição de acontecimentos susceptíveis de provocar… o seu colapso total.
Os reguladores conseguem impor multas consideráveis aos bancos responsáveis por abusos, como os 550 milhões de dólares (425,9 milhões de euros) exigidos ao Goldman Sachs por ter organizado apostas sobre produtos concebidos para se desvalorizarem, ou os 453 milhões de dólares (350,6 milhões de euros) que o Barclays teve de pagar por ter manipulado os dados das taxas interbancárias da Libor.
Mas um banco tem meios para evitar sofrer as consequências económicas dos seus delitos:
− pode reduzir os dividendos que paga aos accionistas;
− pode fazer recair sobre os clientes a totalidade ou parte das perdas, aumentando o custo dos seus serviços;
− e, se for classificado como “sistémico” − com uma dimensão tal que a sua queda arrastaria todo o sistema financeiro − será, em nome do interesse geral e como temos visto nos últimos cinco anos, automaticamente salvo pelos contribuintes, em caso de insolvência.
O sector financeiro dispõe, portanto, de meios para neutralizar qualquer tentativa de diminuir o grau de nocividade das suas práticas. Imunizou-se contra os esforços desenvolvidos pela comunidade para o proteger de um novo cataclismo − esforços motivados pela preocupação de se precaver contra as consequências económicas e sociais de tal catástrofe. Qualquer medida para evitar um novo desastre é sistematicamente travada, pelo que este se torna inevitável… Apesar de os mecanismos através do quais o mundo financeiro põe em prática este comportamento suicida serem conhecidos, a sua motivação continua, no entanto, a ser problemática.
No seu livro intitulado «Colapso: ascensão e queda das sociedades humanas» (Gradiva, 2008), o biólogo Jared Diamond refere, entre as razões pelas quais as civilizações antigas morreram, a incapacidade das elites e dos governos respectivos para compreenderem o processo de desmoronamento em curso ou, quando tomaram consciência dele, a incapacidade de o evitar, devido a uma atitude de defesa “de curto prazo” dos seus privilégios.
Arnold J. Toynbee, ilustre filósofo da história, advertiu: “As civilizações não morrem assassinadas, suicidam-se”. Só nos resta desejar que não seja simplesmente a isso que estamos a assistir.
Paul Jorion
Economista, doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Livre de Bruxelas. Trabalhou no sector financeiro norte-americano e francês. Tem vários livros publicados.
O seu blog:
FONTE: Courrier internacional – edição portuguesa, Novembro de 2012.