teologia para leigos

16 de novembro de 2012

ENDIVIDAR PARA ESTUDAR_3/3

Porque está a generalizar-se
o aumento das propinas

- trabalho de sapa ideológico contra a gratuitidade


[EDUCAÇÃO ESCOLAR – A NOVA MERCADORIA]


O aumento das propinas no ensino superior está a ser promovido por think tanks e organizações internacionais. As mobilizações que se observam em diferentes países testemunham uma recusa em aceitar que o ensino superior seja transformado numa mercadoria e que os estudantes caiam na armadilha da dívida. O símbolo do quadrado vermelho surgido na «Primavera dos estudantes» no Quebeque alerta para que os estudantes se recusam a estar «no vermelho», afogados na dívida, e que lutam por um direito colectivo.


QUÉBEQUE - Le carré rouge...



«Pouco depois de chegar ao Ministério do Ensino Superior e da Investigação, em 2007, Valérie Pécresse lançou a si mesma um desafio: concluir a reforma neo-liberal da universidade. «Até 2012, terei emendado os danos causados pelo Maio de 68», proclamou ela ao Les Échos de 27 de Setembro de 2010. Chegada a hora dos balanços, ela pode gabar-se do seu belo êxito. A lei sobre as liberdades e responsabilidades das universidades (LRU), aprovada no Verão de 2007, será aliás aquela de que o presidente cessante Nicolas Sarkozy «tem mais orgulho», segundo Claude Guéant[1].

A passagem para o regime de responsabilidades e competências alargadas (RCA), que devia libertar as universidades da opressão estatal, colocou oito destes estabelecimentos (em oitenta) numa situação de «autonomia vigiada» sob tutela dos reitores, enquanto as outras estão agora a conhecer as alegrias da procura de financiamentos próprios. Contactar empresas, mendigar doações junto das redes de antigos estudantes, aumentar propinas, isto é, venderem-se: esta é, no essencial, a nova competência adquirida pelas universidades.

Mas, o que têm elas para vender?
Como os saberes emancipadores, considerados como bens comuns, já não fazem sucesso, o que elas agora têm de fazer é transformar a investigação científica em produtos patenteáveis e os docentes em percursos individualizados e «profissionalizantes» que dêem origem a diplomas rentáveis. As formações universitárias, empacotadas, mercantilizadas, calibradas para públicos solventes, certificadas por normas ISO (International Organisation for Standardisation)[2] e classificadas em palmarés, tendem a ser concebidas como mercadorias, ou mesmo «marcas», no caso das instituições mais prestigiadas e já rodadas na recolha de fundos privados.

Os estudantes (e as suas famílias) são assim seduzidos por brochuras, salões, encartes publicitários, guias e classificações comparativas; são incitados a decidir a sua orientação como se estivessem a fazer uma escolha de investimento. Nesta perspectiva, financiar os próprios estudos é investir para constituir um capital negociável no mercado de trabalho. Assim se explica a exortação à «transparência» e à «mobilidade» num espaço europeu ou até mundial do ensino superior, no qual os estudantes, ou os estudantes-clientes, empreendedores de si próprios, são convidados a negociar. (…)»


(CLICAR SOBRE A FOTO)



«(…) esta relação mercantil dos estudantes com a instituição universitária ameaça generalizar uma atitude utilitarista em relação ao saberes ensinados. A partir do momento em que o pagamento dos estudos por endividamento seja associado pelos estudantes a um investimento, submetido a um imperativo de rentabilidade, o conformismo vai sobrepor-se à vontade de aprender.

Os estudantes, obrigados a ser estratégicos e materialistas para poderem pagar os empréstimos contraídos, estarão muito atentos à conversão rápida do seu investimento. Esta tendência é já observável no Reino Unido, onde os professores da famosa London Schools of Economics (LSE) estão a perder a esperança da transmitir um espírito crítico a uma geração obcecada com o poder e o dinheiro[3].

Quando se sabe que só metade de uma geração acede ao ensino superior, podia ser-se tentado a reduzir a dimensão do problema do aumento das propinas à «juventude dourada»: no fim de contas, não será justo que «sejam os ricos a pagar»? Mas isso seria o mesmo que retirar do debate democrático uma questão de sociedade tão fundamental quanto, por exemplo, a das pensões de reforma. Com a alternativa entre uma «educação por capitalização» e uma «educação por redistribuição»[4] prolonga-se o combate a favor de uma solidariedade inter-geracional que garanta a partilha dessa riqueza colectiva que é o saber



Isabelle Bruno

Docente e investigadora em Ciência Política (Universidade Lille II – Ceraps), autora de À vos marques@, prêts… cherchez! La stratégie européenne de Lisbonne, vers un marché de la recherche, Éditions du Croquant, Bellecombe-en-Bauges, 2008 ; e, com Pierre Clément e Christian Laval, de La Grande Mutation. Néoliberalisme et éducation en Europe, Syllepse, Paris, 2010.

LE CARRÉ ROUGE AU QUÉBEC







[1] France Inter, 19 de Janeiro de 2012.
[2] ISO [Organização Internacional para a Estandartização]
[3] Financial Times, Londres, 3 de Dezembro de 2009.
[4] Retomando o título do artigo de David Flacher e Hugo Harari-Kermadec publicado no Le Monde de 6 de Setembro de 2011 como reacção às propostas do grupo Terra Nova.