Laboratórios de “resgate”
- o caso Letónia
«Na sequência da austeridade imposta pelo FMI, um terço dos jovens emigrou, o PIB caiu 23%, o serviços públicos estão destruídos. Directora do FMI [Christine Lagarde] elogia: “Vocês indicaram o caminho”» (Jornal La Guardia , Barcelona)
Reportagem chocante das condições de vida em Riga, feita pelo jornalista Andy Robinson, em Julho de 2012. Segue-se parte do texto. (acesso ao texto integral mais a baixo)
Riga [Letónia] |
«Diante de uma fotografia gigante das torres medievais pontiagudas e das pontes de aço soviético de Riga, Christine Lagarde dirigia-se a uma sala repleta de executivos e funcionários de fatos cinzentos. O slogan utilizado para anunciar a conferência, ‘Letónia: against all odds” (Letónia: contra todos os prognósticos), fazia lembrar um filme de Rambo. Efectivamente, a directora do Fundo Monetário Internacional (FMI) viera à Letónia para proclamar “missão cumprida”, três anos depois de ter assinado o acordo sobre o resgate da economia letã. “Quem poderia imaginar, em 2009, que estaríamos hoje aqui, a festejar o sucesso da Letónia, depois de um percurso tão difícil? É um tour de force. Vocês indicaram o caminho à zona euro…”, declarou Christine Lagarde.
Qual a razão de tantos elogios a um pequeno país pós-soviético de dois milhões de habitantes, no Mar Báltico, cujo principal produto de exportação é a madeira cortada nas florestas sombrias que se estendem desde a capital até à fronteira com a Rússia? Pois é: porque “somos a experiência em laboratório da desvalorização interna”, ironizou Serguei Acupov, ex-assessor do Governo, que, depois de ter gerido a transição relâmpago para a economia de mercado, em 1990, parece muito menos convencido pela ideologia do short, sharp shock. “Querem um exemplo para a Grécia, Portugal… e Espanha.” Ao dizer desvalorização interna, Acupov refere-se à política de ajustamento através de cortes nos salários e na despesa pública. Apesar de não ser membro da zona euro, a Letónia recusou-se a desvalorizar a sua moeda, o lats, e tornou-se a cobaia da terapia de choque, mais ou menos como o Chile nos anos que antecederam a chamada revolução neoliberal no Reino Unido e nos Estados Unidos. “Escrevemos um novo capítulo nos manuais”, disse um dos participantes na conferência do FMI.
Depois do rebentamento da sua própria bolha imobiliária e da crise de financiamento da dívida, a Letónia assinou, em Dezembro de 2008, um acordo de resgate com a União Europeia e o FMI.
Em troca de créditos no montante de 7,5 mil milhões de euros, o Governo pôs em marcha a mãe de todos os ajustamentos orçamentais, equivalente a 17% do valor da sua economia, em apenas dois anos. A Letónia sujeitou-se à pior recessão económica jamais verificada na Europa, só igualada pela Grande Depressão nos Estados Unidos. O PIB caiu 23% em dois anos. Os salários baixaram entre 25 e 30%. Entretanto, o desemprego aumentava de 5 para 20%, mas o subsídio de desemprego foi reduzido para apenas 40 lats (57 euros) por mês. Quatro em cada dez famílias ficaram em situação de pobreza, mas a taxa única de imposto sobre o rendimento (25%) foi aplicada até mesmo aos rendimentos mensais de 60 euros.
Nem mesmo a Grécia destruiu um quarto da sua economia como fizeram os letões. Contudo, a desvalorização interna está agora a dar os seus frutos, argumentam Lagarde e outros responsáveis pelo ajustamento. A Letónia vai ter, este ano, um crescimento de 6%, mais do que qualquer outra economia europeia, e eliminou os défices externos, passando assim a ser o modelo europeu. “Fizemos aquilo que tínhamos de fazer”, afirmou Ilmars Rimsevics, o severo governador do Banco da Letónia. “Eu diria que cortámos o mal pela raiz, mas os meus assessores aconselharam-me a falar em podar a árvore”, acrescentou, com um sentido de humor muito letão.
30% dos jovens opta por emigrar
A cerca de 12 Km do centro de Riga, Diana Vasilane entende o que sente alguém que é podado. “A minha filha foi para Roma há três meses, quando a empresa onde trabalhava, a Statoil (Noruega), lhe reduziu o salário de 600 para 400 lats. O meu filho foi para a Suécia. O filho do vizinho foi para a Austrália. Aqui, rezamos para não vivermos até muito tarde, porque não haverá ninguém para cuidar de nós”, disse.
O êxodo dos jovens para o estrangeiro já tinha começado após a queda do comunismo. Mas, (…)»
Andy Robinson,
[tradç. de Fernanda Barão]
Andy Robinson, nascido nos arredores de Liverpool (1960), viveu em Londres, Sabadell, Barcelona, Nova Iorque e Madrid. É licenciado em Ciências Económicas e Sociologia pela London School of Economics e em Jornalismo pelo El País UAM. Foi correspondente do diário La Vanguardia em Nova Iorque. Trabalhou em Espanha para Cinco Dias, Business Week, The Guardian, The New Statesman, Ajoblanco. Agora escreve para os jornais La Vanguardia e The Nation (Nova Iorque).