Há 50 anos - 11:OUT:1962
Abertura Solene do Concílio Ecuménico Vaticano II
OS PRESBÍTEROS QUE O CONCÍLIO QUIS
(…) O Concílio, no que respeitava à teologia do ministério ordenado, ficou-se pela ambiguidade e não teve a coragem e a lucidez para ir até à radicalidade.
Ambiguidade ao elaborar uma teologia que pretendeu harmonizar a «consagração» (com as suas exigências sacrais) e a «missão» (com as suas exigências evangélicas). O Concílio não chegou à radicalidade que Jesus exprime quando envia os seus discípulos em missão (Mt 10:5-15; Mc 6:7-13; Lc 9:1-6). Daqui resultou uma teologia da missão que entusiasmou os renovadores e uma espiritualidade da consagração que, zelosamente, os conservadores defenderam com unhas e dentes.
Era inevitável que surgisse crispação por todos os lados. O mais grave é que a ambiguidade prevaleceu, bem como prevaleceu o respectivo mal-estar, mal-estar não apenas na confrontação de uns com os outros, mas no íntimo de cada sacerdote.
Muitos abandonaram o ministério, porque não viam sentido na vida que nele levavam, enquanto os outros se firmaram ainda mais nas práticas do passado. Para a Igreja, o mais nefasto de tudo isto foi que a maior parte dos leigos, e também dos clérigos, perderam as esperanças que o Concílio havia despertado neles.
Hoje, as últimas gerações de jovens que saem dos seminários dão a impressão que o Concílio não lhes diz nada, nem muito menos parece que tentem organizar as suas vidas de acordo com a renovação que o Concílio Vaticano II pretendeu.
Bem pelo contrário, não é raro encontrar jovens clérigos que parece que lhes agradaria regressar à «dignidade», à «distinção» e ao «status» que é próprio dos homens «sagrados» e «consagrados».
Com fortes razões somos levados a suspeitar que nem sequer meteram bem dentro de si as severas proibições de Jesus quanto ao vestir-se e apresentar-se de modo diferente do comum dos mortais (Mt 12:38 par), quanto a serem reverenciados em público (Lc 20:46; 11:43 par), a ocupar os primeiros lugares (Mc 12:39 par), a ser tratados como respeitáveis pessoas dos estratos mais altos (Mt 23:7), a deixar-se tentar por interesses económicos (Lc 16:14 par) e a carregar com pesados fardos as costas dos outros (Mt 23:4 par).
Se hoje existem jovens clérigos com tendência para este tipo de coisas não é porque sejam menos generosos ou dados dos que, nos anos sessenta e setenta, corriam fugindo dos ‘cinzentos’ nas manifestações contra a ditadura.
O que se passa é que os clérigos jovens dos anos do Concílio punham a sua generosidade e a sua entrega na luta pela liberdade. Eles viam nisso uma parte essencial da missão da Igreja, ao passo que, agora, são muitos os jovens clérigos que põem a sua generosidade e entrega a reconstruir um sistema religioso e sagrado. Eles vêem nisso uma parte essencial da consagração da Igreja e do mundo a Deus.
Valerá a pena voltar a tentar harmonizar ambas as tendências? Suponho que, por esse caminho, ainda nos afundaríamos mais na ambiguidade sem nunca alcançar a autenticidade do Evangelho.
José Maria Castillo
‘La Iglesia que quiso el Concilio’
PPC, Madrid 22002, pp. 109-116
[7 pp.]