teologia para leigos

9 de outubro de 2012

DEUS DEMASIADO HUMANO [CASTILLO]

Deus e a felicidade dos seres humanos





(…) A aspiração mais funda e fundamental do ser humano é, sem dúvida, a aspiração a viver feliz, a gozar daquela limitada felicidade que é possível usufruir neste mundo. Ora, se Deus em Jesus assumiu a condição humana e se fundiu com ela, seria absurdo imaginar Deus em conflito com a ânsia de sermos felizes. Nem é legítimo sequer imaginar que Deus constitua «de facto» um problema para a nossa felicidade. (…) Não é, portanto, verdadeiro o Deus idealizado e descrito pelos filósofos, pelos teólogos e pelos velhos catecismos. É importante nunca esquecer isto: o critério mais válido duma fé verdadeira no Deus de Jesus Cristo consiste no compromisso, decidido e sério, em aliviar o sofrimento humano, em proporcionar a todos o máximo de felicidade já nesta vida, em fazer com que todos se sintam felizes por terem nascido.

Significa isto que a ortodoxia da fé em Deus não se reduz à crença, firme, em determinadas verdades pomposamente proclamadas nas proposições de fé. Na nossa cultura ocidental, a tendência do predomínio do saber produziu, por ricochete, a atrofia do agir. Pelo menos na teologia foi isto que sucedeu. Mas a prova da autenticidade da nossa fé não consiste tanto na aceitação intelectual de certas verdades, como na humanização do nosso comportamento. (…) Daqui resultam três consequências.


1.    A primeira é eliminar a ideia de que o «nosso» Deus é o único Deus verdadeiro.

2.    A segunda é a de eliminar, sem contemporizações, a ideia de Deus como uma ameaça, coisa que acontece sempre que associamos Deus a penas e castigos.

3.    A terceira é eliminar a ideia dum Deus responsável pelo sofrimento. É o eterno problema do Mal − por mais voltas que lhe dêem, problema sem solução para a nossa limitada capacidade de entender. «O Mal não tem justificação nem para o homem nem tão-pouco para Deus e tentar conciliar Deus e o mal implicaria legitimar o mal», disse Juan Antonio Estrada [‘La imposible teodicea’]. Absurdo é tentar convencer a vítima que o sofrimento a possa favorecer. As denominadas «teologias da cruz», do «sacrifício», da «dor», bem como as espiritualidades da «mortificação» e das «privações» baseiam-se todas em formas de pensar que, de qualquer maneira, tentam relacionar o sofrimento com a vontade de Deus.



Repensar os critérios da moral cristã

Se o ponto de partida para a sistematização da moral cristã é um Deus Transcendente e distante do ser humano, os critérios dessa moral não terão por base a felicidade das pessoas, mas serão antes determinados pelo princípio da vontade de Deus, a qual, se não é cumprida, gera o pecado. (…) Uma ética baseada na felicidade da vida tem que ser alicerçada na felicidade de todos. Por conseguinte, será uma ética de luta para que neste mundo haja menos sofrimento e mais respeito pelo homem, seja qual for a sua origem, o seu modo de pensar ou o seu estilo de vida. (…)

Um sistema moral baseado em preceitos e proibições, que cada vez se vão tornando mais insuportáveis para qualquer pessoa normal, nem condiz com o Deus revelado por Jesus, nem respeita a condição humana como Deus criou. (…)


José Maria Castillo

[«Deus e a nossa felicidade», Ed. Franciscana, Braga 2004, ISBN 972-784-181-3]



[6 pp.]