HISTÓRIAS
EXEMPLARES
A Igreja e os bens
O tolhido
da Porta Formosa: não tenho ouro nem prata (Act 3:1-10). A
partir deste contexto queremos recuperar a tão paradoxal quanto central palavra
de Pedro, nos começos dos Actos dos Apóstolos. Lucas havia acabado de dizer que
os crentes tinham tudo em comum (Act 2:43-46). Ora, à entrada da Porta Formosa
do rico Templo (de Jerusalém), por onde passam muitos bens deste
mundo (o imposto do sistema sacral
de Jerusalém), jaz um homem tolhido, um coxo, que aguarda a esmola. Passam Pedro e João, que bem lhe podiam
ter dado parte do que partilham a partir da caixa
comum da igreja, destinada aos pobres do mundo. Ora, Pedro e João
não o fazem, não dão como esmola algo que lhes sobejasse, tal como faz o bom
sistema religioso que lava a consciência com ajudas marginais enquanto edifica
o seu grande Templo (não admira que nada lhe sobre).
Pedro olha o pobre
e, então, diz: «Nem
prata nem ouro: o que tenho te dou. Em nome de Jesus Cristo,
o Nazareno,
anda!» (Act 3:6) Isto quer dizer que a igreja não
veio para resolver, no plano da lei e da transformação económica (no plano do sistema),
o problema económico dos pobres. Veio para lhes oferecer a sua palavra de libertação, a qual os capacite para
«andar» e dialogar a nível comunitário (na linha de Mc 2:1-12, que lemos ao
estudar a história de Jesus). O grande sistema económico-sacral do Templo, que Jesus
definiu como covil de ladrões (cf. Lc 19:46), deixa do lado de fora da porta os tolhidos-pobres,
indignos de andar como pessoas. Eis a razão porque a igreja não pode
tornar-se um sistema, edificando novamente um Templo rico, com portas
formosas, para manter à sua porta, por «caridade», os tolhidos (como muitas
vezes fez), mas deve apresentar-se como caminho
partilhado. É assim que deve definir-se: caminho (hodos) aberto
a todos que queiram assumi-lo como seu e percorrê-lo (cf. Act 9:2; 19:9;
22:4; 24:14.22). Eis porque não se dá esmola ao
tolhido: a esmola faria com que permancesse ali, à margem, no exterior
do templo para sempre tolhido. Há que abrir para ele um lugar no caminho dos
bens e da vida partilhada, lugar que o texto anterior evocava (Act
2:43-47; «Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum»; «Como se
tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas
casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração») e o texto seguinte
evoca (Act 4:32-37).
Eis a vocação da igreja: (…)
Xabier Pikaza