teologia para leigos

29 de outubro de 2012

CASTO, OBEDIENTE E POBRE [CASTILLO]

Há 50 anos - 11:OUT:1962
Abertura Solene do Concílio Ecuménico Vaticano II


RENOVAÇÃO OU CRISE DA VIDA RELIGIOSA?



O que dissemos dos presbíteros, agora quiçá com mais razão, deve ser dito dos religiosos, porque, se é certo que o Concílio Vaticano II coincidiu com o início duma crise muito séria do sacerdócio na Igreja, não é menos verdade que as religiosas e os religiosos de todo o mundo, por causa do Concílio, sofreram uma tão forte abanadela que ainda são muitas e muitos os que ainda não se recompuseram. Muitos mais, ainda, foram os que abandonaram a vida religiosa, isto para não falar já da quantidade de cristãos, sobretudo entre os jovens, que não vêem nenhum sentido nesta forma de vida. Isto chega ao ponto de serem muitos os mosteiros e, inclusivamente, institutos religiosos inteiros que, ou irão desaparecer ou ficarão reduzidos a grupos minoritários, a não ser que a situação mude profundamente e já, o que não parece provável que venha a acontecer.

Não se trata de analisar a crise que a vida religiosa está a atravessar, até porque não é este o tema deste livro. Pretendo, por agora, apresentar o ensinamento fundamental que o Concílio ofereceu acerca da vida religiosa na Igreja, bem como evidenciar os problemas que tal ensino suscitou, no nosso tempo, na Igreja em geral e, mais concretamente, colocou diante de muitas mulheres e homens que assumiram esta forma de vida.

O Concílio começa por dizer que a vida religiosa é «um dom divino que a Igreja recebeu do Senhor e que com a sua graça perpétuamente se conserva» (LG 43,1). Especificando, o Concílio acrescenta que a vida religiosa, «ainda que não pertença à estrutura hierárquica da Igreja, pertence, sem dúvida, de uma maneira indiscutível, à vida e à santidade da Igreja» (LG 44,4). Trata-se, portanto, de uma forma de vida que não é essencial na Igreja, já que não faz parte da sua estrutura fundamental, entendida esta a partir da apostolicidade e da sucessão apostólica. Do ponto de vista da história, isto é mais que evidente, já que a origem da vida religiosa surge apenas no século IV, o que quer dizer que a Igreja, durante três séculos, viveu sem vida religiosa, tal como ela é entendida actualmente e tal como ela é apresentada pelo Concílio.

Por outro lado, o próprio Concílio pretendeu dizer que a vida religiosa, em sentido estrito, não se funda no ensino do Novo Testamento. É curioso que o capítulo sexto da Constituição Dogmática sobre a Igreja, todo ele dedicado à vida religiosa, não cite um único texto do Novo Testamento. Nesse capítulo, fala-se dos «conselhos evangélicos», mas não se aduz nenhuma passagem evangélica no qual se possa basear tais conselhos. É certo que no decreto Perfectæ Caritatis, que trata d’ «a adequada renovação da Vida Religiosa», citam-se alguns textos do Novo Testamento (cf. PC 1, 5, 6, 8, 12, 13, 14, 15 e 25). Porém, é evidente que qualquer exegeta competente que analise estes textos dirá que nenhum deles se refere àquilo que hoje chamamos vida religiosa, entre outras razões, porque, quando tais textos foram redigidos, ainda não existia esta forma de vida na Igreja e, portanto, ninguém poderia pensar no que hoje, a partir do que vemos e vivemos, nos ocorre, quando lemos estas passagens bíblicas. Claro que, nos Evangelhos, existem palavras de Jesus que os religiosos podem aplicar a si próprios, mas também é verdade que essas mesmas palavras podem ser aplicadas a si próprios pelos cristãos em geral. Neste sentido, a teologia da vida religiosa frequentemente se auto-justificou de maneira insuficiente e, não raro, manipulando textos evangélicos que pouco ou nada têm a ver com o que pretendia demonstrar. Por exemplo, falar de obediência de Jesus ao Pai, citando Jo 4:34; 5:30; Heb 10:7 (PC 14,1), é algo que fica bem, não só a religiosos, mas a todos os cristãos. Porém, nunca devemos esquecer que o voto de obediência que os religiosos fazem não é obediência a Deus, mas sim aos superiores da própria ordem ou do próprio instituto. Tanto quanto saibamos, o Novo Testamento, a esse respeito, nada diz.

Dito isto, há que tirar a primeira conclusão. (…)


José Maria Castillo
‘La Iglesia que quiso el Concilio’
PPC, Madrid 22002, pp. 117-123.

[6 pp.]