Há 50 anos - 11:OUT:1962
Abertura Solene do Concílio Ecuménico Vaticano II
O PAPA QUE O CONCÍLIO QUIS
(…)Se a razão de ser do Papa na Igreja é esta, isso quer dizer que, antes de tudo, a existência do Papa na Igreja não é justificável a partir do princípio jurídico, mas a partir do fundamento teológico. Se a existência do Papa fosse de natureza jurídica, a função do Papa seria a de exercer o poder e a de exigir submissão a ele. Mas se a existência do Papa tem um fundamento teológico, o específico do Papa é viver e actuar de tal maneira que o conjunto dos crentes se mantenha unido na fé e na comunhão de vida. Dito por outras palavras: se na Igreja existe um Papa, isso não se destina a que quem exerce o cargo submeta os demais, mas que fomente e torne possível a comunhão entre as pessoas. Compreender isto, é determinante. Seja em que instituição for, consegue-se um elevado nível de submissão e, inclusivamente, uma notável uniformidade de comportamentos vistos de fora,[1] mas tudo isso pode ser conseguido sem que haja comunhão de vida entre as pessoas. O que pode acontecer em qualquer instituição também acontece na Igreja, frequentemente mais vezes do que possamos imaginar.
Obviamente, em qualquer instituição, composta por seres humanos, são precisas leis. E, por isso, são igualmente precisas autoridades que estabeleçam essas leis e se preocupem com o seu cumprimento. Mas, quando essa instituição é a Igreja, nunca podemos esquecer que, por definição e princípio, a Igreja é uma comunidade de crentes, ou seja, uma comunidade de pessoas que coincidem na fé e na comunhão de vida. Ora, nem a fé no «Evangelho do Reino» (Mc 1:15), nem a comunhão de vida que tal exige são coisas que se conseguem mediante leis ou mediante o poder de alguém que obriga os indivíduos a submeterem-se ao mandado. Se há algo muito claro, no grande relato que o Evangelho é, é que Jesus «deu início» à Igreja (initium fecit) «pregando a Boa Nova, isto é, o Reino de Deus» (LG 5,1), e não emitindo decretos, impondo normas, proibições ou fixando os Seus poderes para submeter os súbditos à fé a e à comunhão. Porque a fé e a comunhão não brotam do jurídico: são acontecimentos e experiências de carácter estritamente teológico.
É certo que, na eclesiologia do capítulo terceiro da Constituição sobre a Igreja, o «jurídico» (o poder e o seu exercício) coincide com o «teológico» (a natureza do e o exercício do papado). Isto está patente em Lumen Gentium 22 e na Nota explicativa prévia que o papa Paulo VI mandou juntar à Constituição. Tudo isso ficou patente, sobretudo, nas sessões do Concílio, as quais, aliás, foram as mais longas, por terem ocasionado as mais acesas discussões entre as duas eclesiologias que estiveram na base do «debate determinante» entre eclesiologia jurídica e eclesiologia de comunhão.
É claro que uma eclesiologia, na qual o mais importante é o poder do Papa e não a razão de ser de tal poder − o qual visa a unidade da fé e a comunhão de vida − tal eclesiologia sofreu (…)
José Maria Castillo
‘La Iglesia que quiso el Concilio’
PPC, Madrid 22002, pp. 86-95
[10 pp.]
[1] Uma unidade fabril, um exército, um partido estalinista, uma família burguesa, uma igreja autoritária, etc. [Nota do tradutor]