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«O apóstolo S. Pedro era casado, vivia em Cafarnaum e era pescador…
…no lago de Tiberíades, na Galileia. Num momento da sua vida encontrou-se com Cristo, ficou subjugado pela sua pessoa e pela sua doutrina, e a sua vida posterior ficou marcada por este acontecimento. Os bispos de Roma até ao actual, Bento XVI, sempre defenderam que são seus sucessores, que herdaram todas as atribuições que Cristo lhe concedeu e que mantêm a sua especial autoridade sobre a Igreja.» (…)
«As vidas dos papas não constituem a história do cristianismo, embora estejam localizadas dentro da mesma. A experiência religiosa cristã, continuamos a encontrá-la em Jerusalém, onde a maioria dos cristãos são pobres e marginais, sem poder, porque vivem em terra estranha, embora seja a sua. Ao passo que em Roma, misturada com uma história belíssima de martírio, santidade e generosidade, descobrimos a limitação das mediações, as misérias do poder e da ambição, a mesquinhez das inteligências, a força da rotina e do formalismo, a repugnância pela mudança. Às vezes pode dar a impressão de que em Jerusalém ficou a coroa de espinhos e em Roma a tiara.» (…)
«O protestante Ranke escreveu no prólogo à sua clássica História dos Papas: “Quão insignificante aparece um grande mortal perante a história universal!”» [da Introdução a “História dos Papas”, Juan María Laboa Gallego, A Esfera dos Livros, Lisboa 2010, p. 9.11]
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Juan María Laboa Gallego é licenciado em Filosofia e Teologia e doutor em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma. Foi professor durante quinze anos na faculdade de Ciências Políticas da Universidade Complutense e professor ordinário da Universidade de Comillas durante trinta anos. Foi professor convidado de diversas universidades europeias e americanas. Fundador e director da revista XX Siglos de Historia de la Iglesia, é autor de vários livros dos quais destacamos: La Larga Marcha de la Iglesia (1985), Atlas Histórico del Cristianismo (2000) e Atlas Histórico del Monacato (2003). É dele o ‘óleo’ que abaixo se emoldura do Papa João Paulo II. Cada vez mais devíamos seguir a sabedoria de G. Faus: substituir os ‘devocionários’ pela ‘liturgia das Horas’ de uma boa História da Igreja…
«Novos Movimentos, Nova Evangelização?» |
Carol Wojtyla...
a Espiritualidade dos extremos... |
João Paulo II (1978-2005), o primeiro papa polaco da história depois de uma tradição de quatro séculos de papas italianos, nasceu no dia 18 de Maio em Wadowice. O seu pontificado foi complexo, exuberante, contraditório, de um protagonista que influiu na marcha da Igreja como poucos antes dele e que ocupou com frequência os espaços informativos. Foi o papa mais universal e mais conhecido de todos os tempos. Pelas suas viagens, encontros, discursos e documentos esteve presente tanto no campo eclesial como no moral, cultural, social e político. De carácter inconformista, pródigo em gestos pouco convencionais, desmitificou o pontificado, como antes o fez João XXIII, convencido de que o carisma pontifício não depende de gestos nem de ritos teatrais nem de aparências sobre-humanas e pouco convincentes.
A Igreja actual é mais aberta e mais livre do que antes, mas esta atitude complicou e ampliou os seus próprios problemas. Saiu da reclusão em que se encontrava, do estado de auto-satisfação provocado pela convicção de que só ela possuía a verdade, e pôs-se a caminho lado a lado com os demais mortais. Esta mudança é meritória, mas o que ganhou em universalidade perdeu em tranquilidade interior. Num mundo tão inter-relacionado, os problemas alheios acabam por ser também os próprios.
Em 1978, depois da morte inesperada de João Paulo I, os cardeais decidiram uma viragem histórica, um pouco por necessidade e, sobretudo, porque consideraram que os tempos estavam maduros para eleger um cardeal não-latino. Estavam convencidos que a universalidade da Igreja exigia uma inculturação maior nas diversas regiões, histórias e culturas. Mas o facto de eleger um polaco significou também uma opção por um modelo e uma atitude muito concretos. Na Polónia a secularização e a descristianização tinham sido impostas por decreto, mas quase não tinham chegado às massas católicas, ao contrário do que tinha ocorrido nos países ocidentais. A Igreja mantinha a solidez e a credibilidade da sua mensagem e a sua liderança era reconhecida inclusive entre o proletariado. Não esqueçamos o grito lançado por João Paulo II na sua primeira viagem como papa ao seu próprio país: «Ninguém tem o direito de expulsar Cristo da história.» Os cardeais consideraram que os católicos polacos tinham vencido o trauma da secularização e quiseram beneficiar desta experiência. Naturalmente, tratou-se de uma ilusão.
Frente a uma Igreja que parecia desmoronar-se optou-se por um pontificado forte, muito seguro de si mesmo, muito convencido de que a manutenção das próprias raízes cristãs fortalece a personalidade dos povos e a solidez do cristianismo. O papa polaco esteve marcado não só pelo seu carácter e a sua língua, mas sobretudo pela sua decisão de integrar o ambiente eslavo na história e na dinâmica do mundo ocidental. A sua actuação na Polónia, tão pessoal, directa e eficaz, não pode ser considerada unicamente como a tentativa de um polaco libertar a sua pátria, mas também como o desejo de um eslavo de libertar uma parte importante da Europa da sua opressão histórica, tanto ideológica como geopolítica. No seu pontificado conjugaram-se os interesses universais com os regionais do Leste Europeu. Poucos dias depois da sua eleição, recebendo bispos polacos, disse-lhes: «Considero-me um bispo da Polónia. Sou polaco: amo a Polónia.» Poucas vezes na história estas igrejas eslavas e em geral as do Leste da Europa se teriam encontrado mais integradas no tronco comum cristão.
Não sabemos se João Paulo II recebeu um mandato concreto do conclave a propósito das necessidades mais urgentes e de uma «modernização responsável» da Igreja, mas depois de mais de vinte e cinco anos de pontificado parece que podemos afirmar que Wojtyla se via a si mesmo como um novo Gregório VII, com a missão de reformar resolutamente a Igreja, considerada em situação de grande decadência. Isto levou-o a exercer o poder com vontade inflexível, actuando frequentemente com dureza, quando o considerava necessário, sem grande respeito pelas pessoas ou pelos seus itinerários eclesiais, exigindo aos teólogos uma estreita colaboração com o magistério o que, de facto, significou maior controlo da liberdade teológica da Igreja.
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Restringiu a possibilidade de secularização dos padres, impôs um delegado pessoal aos jesuítas e interpretou a evolução do atentado que sofreu como uma intervenção especial da Virgem de Fátima. Confiou nos movimentos e em algumas instituições, como a Opus Dei ou os Legionários de Cristo, sem ter em conta o parecer dos bispos nem, evidentemente, dos fiéis, convencido de que eles são chamados a regenerar o tecido eclesial, devolvendo à Igreja segurança em si mesma e uma consciência clara da sua função religiosa. Não há dúvida que era profundamente autoritário, mas, ao mesmo tempo, o mais popular da história.
João Paulo II foi fundamentalmente um papa viajante, escreveu muito, gostava do contacto directo com as pessoas e recebeu permanentemente em audiência grupos e pessoas individuais, visitou sem descanso as paróquias romanas, uma a uma, e, com frequência, as dioceses italianas, onde falou sem papas na língua sobre os pontos débeis da complicada situação nacional. Depois do Vaticano II as dioceses adquiriram mais consciência da sua autonomia, e as conferências episcopais nacionais tiveram, ao menos em aparência, capacidade e meios suficientes para orientar a marcha das suas respectivas igrejas. Por outro lado, durante o seu pontificado, Roma passou a dirigir mais do que nunca a vida imediata das dioceses, limitando as capacidades das conferências episcopais.
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O papa, ocupado nas suas viagens e preocupado com os grandes temas de carácter global, deixou nas mãos da Cúria boa parte do controlo habitual que, por exemplo, Paulo VI exercia em pessoa. Isto significa que a Cúria do papa Wojtyla se fortaleceu na sua burocracia e nos mecanismos de controlo sem que, por sua parte, tenha sido fiscalizada nem limitada. Nos últimos anos, de enfermidade e ancianidade, esta realidade foi-se agravando consideravelmente. (…)
Juan María Laboa Gallego, “História dos Papas”, A Esfera dos Livros, Lisboa 2010, p. 449-452