teologia para leigos

15 de setembro de 2011

ASSEMBLEIAS DOMINICAIS SEM PADRE

a propósito da Instrução…

«ALGUMAS QUESTÕES ACERCA DA COLABORAÇÃO DOS LEIGOS NO SAGRADO MINISTÉRIO DOS SACERDOTES»
[15 Agosto 1997]




Taizé



Pedem-me que comente, brevemente, a Instrução, que, assinada por oito dicastérios romanos [entre eles: «Congregação para a Doutrina da Fé», prefeito Joseph Ratzinger e seu secretário Tarcisio Bertone], versa sobre o papel dos leigos no ministério pastoral da Igreja. Faço-o com gosto.

Não me vou dedicar a reagir ao tom do documento, seu carácter reticente, rígido e receoso, aspectos já realçados por não poucos bispos [Monsenhor Karl Lehman, presidente da Conferência Episcopal Alemã; Cardeal Pierre Eyt, arcebispo de Bordéus; Monsenhor Gabriel Matagrin, bispo emérito de Grenoble], e que tanto faz sofrer os leigos comprometidos nesses ministérios. Já o fiz numa entrevista que concedi à revista Il Regno [editada a 15 Janeiro 1998; editada, também, na revista Choisir, Fevereiro 1998, e também em castelhano, como Anexo-1, no livro: «No tengáis miedo! – los ministérios en la Iglesia hoy», col. Presencia Teológica nº 92, Sal Terrae, Santander, pp.195-205]


(Abaixo, dois sites em oposição:)




A.Ponto de partida [«premissa»]

O ponto de partida do texto é positivo e, inclusivamente, prometedor, na medida em que sublinha «a urgência e a importância apostólica dos fiéis leigos no presente e no futuro da evangelização». O mesmo diz quando afirma que «esta iniciativa abre, de par em par, horizontes imensos aos fiéis leigos, que ainda estão por explorar». Esta perspectiva de futuro escasseará no restante da Instrução, devendo-o, eu, sublinhá-lo com toda a veemência na medida em que se trata do bem e do «maior bem» da Igreja para o já tão iminente século XXI. Este ponto de partida da Instrução menciona, simultaneamente, a propósito dos fiéis leigos, os ministérios propriamente baptismais e a sua participação «nas tarefas mais intimamente vinculadas aos deveres dos pastores». Reconhece, assim, que esta participação, na Igreja, é um facto e que, inclusivamente, é um facto de Igreja.

Depois, constata com viva satisfação que «em muitas Igrejas particulares, a colaboração dos fiéis não ordenados no ministério pastoral do clero desenvolve-se de maneira muito positiva» e que se estão praticando «soluções generosas e inteligentes para fazer face às situações de falta ou escassez de ministros sagrados». Somente em «algumas regiões» aconteceram algumas «práticas» que requerem «esclarecimentos».

Já que o tom do documento se irá tornar sombrio no que diz respeito a considerações e tomadas de posição, é particularmente importante reter este tom de entrada, o qual relativiza tudo o que vier a seguir. Não se trata de uma mudança de rumo: a Igreja não pretende renunciar a tudo o que está a acontecer quanto à participação dos leigos no ministério pastoral. A sua única preocupação é velar para evitar certos «abusos».

Nada disto vai contra tudo aquilo que eu disse no livro [no: «No tengáis miedo! – los ministérios en la Iglesia hoy», col. Presencia Teológica nº 92, Sal Terrae, Santander; edição em francês: ‘N’Ayez pas peur! Regards sur l’Église et les ministères aujourd’hui’, Desclée de Brouwer, 1996, Paris] – sublinho, apenas, que se trata de um «facto de Igreja», olhando à sua extensão geográfica e à sua duração temporal (mais de trinta anos, já).

Quanto às perspectivas sobre o futuro próximo, essas sim, são bastante distintas: a Instrução espera que seja um fenómeno «transitório», com um fim, tanto quanto possível, próximo, o qual está a produzir uma «prometedora floração de vocações que deixam entrever perspectivas de futuro muito positivas». No mais profundo de mim e da minha consciência, olhando a situação na Europa Ocidental – a situação na América Latina, parece, o confirma também – não posso partilhar dum diagnóstico tão optimista assim, e pergunto-me: como lêem, em Roma, as estatísticas que lhe chegam de todos os lados? Quanto ao futuro, o documento não é realista. Conjuntamente, ao lado de muitos especialistas deste tema, também acho que não se pode prever, com a mínima razoabilidade, uma mudança substancial de modo a mudar radicalmente a situação do número de ordenações presbiterais nos próximos vinte ou trinta anos. Por outro lado, a minha preocupação é saber o que o Espírito diz às Igrejas através deste fenómeno e se esta participação (bem entendida e bem gerida) dos leigos no ministério pastoral dos presbíteros não será um bem para a Igreja e para a sua imagem neste mundo.


B.Princípios teológicos

Nesta parte da Instrução, trata-se de fazer «memória» de coisas já claramente ditas pelo concílio Vaticano II e de documentos posteriores a ele. A própria Instrução reconhece que, no plano teológico e doutrinal, não acrescenta nada de novo.

O ponto que mais preocupa os redactores e que mais extensamente é referido, com fundamentação doutrinal, é o que diz respeito à distinção e «diferença essencial» entre sacerdócio comum dos fiéis e sacerdócio ministerial. O documento repete o que o Vaticano II afirmou com toda a clareza. Tal como o concílio, o documento reafirma que o sacerdócio ministerial tem a sua raiz no envio em missão dos discípulos por Jesus, que está na origem da «sucessão apostólica», e que inclui as três tarefas principais: a proclamação da Palavra de Deus, a santificação mediante a celebração dos sacramentos e o acompanhamento pastoral dos fiéis. Por mim, comentando o Vaticano II, também eu sublinho que estas três tarefas (e não só as próprias da celebração dos sacramentos) são sacerdotais.

No entanto, devemos perguntar: porquê semelhante repetição, sendo certo que os documentos referentes a este assunto são tão numerosos quanto recentes? Até parece que os autores deste documento sentem que existe, por parte dos fiéis leigos, uma ameaça ao sacerdócio ministerial, um desejo de «promoção» dentro da Igreja e até uma pretensão, mais ou menos confessada, de «substituí-los». Parecem, também, temer que se coloque em causa o «carácter insubstituível do ministério ordenado» e que as aberturas concedidas aos fiéis «favoreçam a diminuição do número de candidatos ao sacerdócio».

Não conheço todas as situações, e não posso excluir desvios deste tipo, aqui ou ali. Mas, seria injusto fazer crer que existe, a esse respeito, um perigo dominante e real. Posso afirmar que, na realidade francesa, isso não tem qualquer fundamento. Os muitos leigos que eu encontrei nesta situação possuem um sentido de Igreja que está bem para lá deste tipo de considerações. Não têm nada contra os presbíteros, bem pelo contrário, exigem a sua presença. Aquilo que se deveria fazer era admirar a qualidade espiritual do seu compromisso ao serviço da Igreja.

Quanto à acusação de que a participação dos leigos no ministério pastoral favoreceria a diminuição do número de vocações ao sacerdócio, não se deve confundir o efeito com a causa. Essa diminuição coloca outra questão, já abordada em numerosos outros recentes documentos: porque é que a Igreja, em inúmeros países, encontra uma dificuldade nova e persistente em renovar o corpo pastoral dos presbíteros e em ampliá-lo, aí onde são necessários? A Instrução parece ignorar as numerosas análises que já se fizeram a esse respeito.

O que mais deploro, neste documento, é o facto de não dizer nada sobre a nova identidade eclesial dos leigos associados de modo espacial ao ministério presbiteral. Este silêncio exprime a recusa em mencioná-lo e dar um nome a essa identidade, como se o fazê-lo fosse já uma concessão perigosa. Já agora, o mesmo a propósito de se tratar de uma realidade puramente «transitória». Mas, mesmo no imediato, o negar-se a reconhecer claramente o que se está a realizar no terreno e o negar-se a dar-lhe um nome é prejudicial, tanto para os interessados, como para o povo cristão. Seria absolutamente necessária uma reflexão teológica positiva, nem que fosse apenas para evitar a famosa confusão entre os dois sacerdócios, que a Instrução tanto teme.

No livro [«No tengáis miedo…»] procurei dar uma interpretação teológica e teologal do ‘envio dos leigos’ a tarefas e funções propriamente pastorais que pertencem ao bispo. Em nada a Instrução me contradiz, apenas se agarra unicamente às disposições da disciplina canónica, sem dúvida necessárias, mas que não podem ocupar o lugar da perspectiva teológica. (...)

Bernard Sesboüé