teologia para leigos

29 de setembro de 2011

HIERARQUIA RELIGIOSA PARA QUÊ?

«Eis o herdeiro! Matemo-lo!»
[Mt 21:38]


Jesus ao chegar à Sua Vinha... é apanhado na trama e capturado!



Não há dúvida que, com a chegada a Jerusalém (Mateus 21ss), Jesus manifesta-se um outro Jesus – a violência das palavras exprimem a turbulência espiritual interior. O cenário pinta-se de cores terríveis! Tudo aquilo que, até então, poderia ter sido suspeita, medo, desconfiança, imprevisibilidade, indagação, hesitação, explode em tensão decidida, em parábolas, gestos e ataques cheios de determinação e intencionalidade.

A chegada a Jerusalém é a chegada do definitivo, a prova dos nove.

Ao entrar nas cercanias do grande templo, Jesus pisa um território bem demarcado, vigiadíssimo, o resíduo (ainda por cima grandioso!) duma dificílima aventura espiritual que fora a do Povo Eleito de Israel. Lembremo-nos que, da tríade identitária de Israel (um rei, uma terra, um templo), sobrava apenas o Templo, e, ainda por cima, ameaçado por um ocupante estrangeiro, opressor. A situação era semelhante a de um pai de família que, depois de ver morrer o filho, a seguir a esposa e depois de ter perdido boa parte dos seus bens materiais, se vê, agora, em vias de ver penhorada a própria casa onde habita com os restantes filhos menores. Reconheçamos que a situação dos altos dirigentes religiosos, em Jerusalém, não era fácil! Era uma questão de vida ou de morte, havia que saber sobreviver.

Ao chegar a Jerusalém, Jesus vem pôr à prova «o resto» de fé daquele povo desnorteado. Diante da muito frágil situação política de Israel, Jesus parece-se com um anarquista radical, impetuoso, coração de pedra: «34Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. 35Porque vim separar o filho do seu pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra; 36de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares. 37Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem amar o filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim. 38Quem não tomar a sua cruz para me seguir, não é digno de mim. 39Aquele que conservar a vida para si, há-de perdê-la; aquele que perder a sua vida por causa de mim, há-de salvá-la.» [Mateus 10:34-39]





Não é fácil, sobretudo para quem, ao longo de gerações e gerações, foi paulatinamente erguendo os pilares duma nova relação com Deus, ainda por cima, com «um Deus diferente» dos outros deuses («santo»=diferente): «Porque Eu sou o Senhor, vosso Deus, deveis santificar-vos e permanecer santos, porque Eu sou santo.» [Lev 11:44] Convenhamos que não é fácil!

A situação é a seguinte: no tempo de Jesus, a vida do povo judeu era a do bago de azeitona entre duas pedras de moer! Por cima, a esmagadora carga de impostos (quer para Roma, quer para o tesouro do Templo de Jerusalém – hoje diríamos: IVA/IRS/IRC + ‘esmolas & peditórios para as obras da igreja’…); por baixo, a quase impossibilidade de poder cumprir com as centenas de prescrições cultuais do rito religioso! Ainda por cima, vivia psicologicamente esmagado pela «lavagem ao cérebro» que os fariseus, os doutores da Lei e os sacerdotes lhes fazia: era inevitável que assim fosse, se é que queria sobreviver como Povo Eleito! Tinha perdido a terra e o rei - só lhes faltava perder o lugar de ‘encontro com Yahvé’, de culto, o Templo! «Não há alternativa!!! Devemos negociar com o Governador Romano Pilatos.» (um similar, hoje: ‘não há alternativa ao memorandum da Troika…’) Ao fim de séculos de instabilidade, de deambulações e opressões várias, o seu futuro não podia, agora, estar mais fechado…





O problema é que a palavra «santidade», para Jesus, não queria dizer o mesmo que queria dizer para a hierarquia religiosa judaica. A aristocracia religiosa judaica havia-se apoderado de Deus. Os Sacerdotes, os Sumo-sacerdotes, os Teólogos e o Tribunal Religioso israelia (sinédrio) capturaram a Palavra de Deus. Deus estava cativo do poder terreno e da negociação política e diplomática. Os homens haviam construído uma casa para Deus contra as advertências da Sua vontade [2 Sam 7:5 vs 2 Sam 7:11b]. Com uma visão estreita e medrosa, enjaularam-n’O… Jesus chega a Jerusalém para libertar Deus! Para Jesus, o «sonho de Deus-Pai» era, portanto, anti-religioso, anti-cultual, anti-templo, anti-salomónico na forma como ele se apresentava a seu tempo! A teologia de Jesus «partia» da «igualdade, do direito e da justiça divinas» [Sl 99:4] – uma teologia profética. É por isso que a entrada de Jesus no Templo é um «alvoroço» [Mt 21:10] – a multidão apercebera-se disso, gritando: «é Jesus, o Profeta de Nazaré da Galileia!» [Mt 21:11]




Ora, Jerusalém era «a joia da coroa»! (Leiam, PF, 2 Sam 6:12-17 e todo o cap. 7. Depois, 1Rs 6.7.8:1-21). Mas, Jerusalém era uma faca de dois gumes, a materialização da pervesão humana: replicando a cena do Éden (Gn 3:4), Jerusalém plasma a irresistível tentação de todo o ser humano em querer ser Deus! Em querer ser dono de Deus!  O Evangelho deste Domingo corre a precipitar-se para o incrívelmente longo discurso acusatório contra os Doutores da Lei e os Fariseus (hoje diríamos, contra os Casuídicos da Teologia, os escrupulosos, a Opus Dei, os Arautos do Evangelho…).

A Parábola dos vinhateiros homicidas [Mt 21:33] é dirigida contra a Hierarquia religiosa, porque se havia «instalado na cátedra de Moisés» [Mt 23:2], por ter «trancado as portas que dão acesso ao Reino de Deus» [Mt 23:13]: «nem entram, nem deixam entrar aos que o querem fazer», diz Jesus. A igreja do tempo de Jesus agarrava-se como podia ao seu «último reduto» - ao Templo! Amuralhara-se no seu vaticano, entrincheirara-se, abastecera-se de armas e discursos como canhões, cavara um fosse de sacralidade  e mistério divinatório ao seu redor, contratara «polícia de choque», desconfiada controlava todos os movimentos no «pátio dos gentios», aferrava-se em dogmas e proibições, contabilizava a justeza da prática ritual, «inquisitorializara-se», passava a vida a julgar e a apontar o dedo aos de fora, puchava as orelhas [Mc 2:18], era perita em distinguir os bons dos menos bons (mesmo contra a vontade de Deus; Mt 22:10).

Quando Jesus se acerca do Templo, o relato informa-nos que, logo de imediato, precisamente aqueles que estavam proibidos de se encontrar com Yahvé (rezar no Templo e aí entrar), se escapuliram e entraram: «aproximaram-se d’Ele cegos e coxos» [Mt 21:14].





A santidade e a justiça de Deus é, antes de tudo, a libertação da humanidade, um cair de algemas!
A santidade e a justiça de Deus não é uma doutrina ou uma ética, mas «o fim da ética»! (JIG Faus)
A santidade e a justiça de Deus é a libertação integral da Humanidade!

E isso passa por «destruir o templo e descer o morro» e privilegiar os entroncamentos da vida (novas formas de fazer Comunidade).
E isso passa por nos interrogarmos acerca do modo como é exercida a autoridade pela hierarquia da Igreja (novo modelo do exercício dos ministérios).
E isso passa por analisarmos o estado actual da vida da Igreja (fala a fala do mundo ou fala-para-dentro?).
E isso passa por ‘tirar a temperatura’ àquilo que Jesus dizia ser essencial: o serviço ao Mundo! «Aproximaram-se de Jesus, dentro do Templo, cegos e coxos e Ele curou-os!» [Mt 21:14] (prioridade à Partilha Total, a única que liberta e cura)
E isso passa por colocar no centro das nossas reuniões - catecumenados, grupos de bíblia, espaços de oração, liturgias eucarísticas, grupos paroquiais vários, etc. - o drama do mundo actual! (prioridade às questões sociais e políticas sobre o «obreirismo», o espiritualismo e o escrúpulo dos ‘puristas’)
E isso passa por todos (padres, bispos, leigos) nos comprometermos, no coração do mundo, com gestos livres e desempoeirados: inclusivamente, em manifestações de rua políticas, reivindicativas ou de protesto! Por que não, se Jesus o fez e foi um «alvoroço»? (gestos indiscutíveis, «gestos novos para tempos novos» - papa João XXIII)

A chegada a Jerusalém é a chegada do definitivo, a prova dos nove.

A Comunidade cristã, que «escreveu» e «leu» este Evangelho (provavelmente, em Antioquia entre o anos 80 e 90), vivia uma tensão muito dura com aqueles que, imbuídos ainda de espírito farisaico, queriam «tomar conta do PREC cristão em curso». Para ela, Jesus, este «Jesus-à-mateus», revela-se um «Jesus para os de fora», para os pagãos (hoje diríamos, um «Jesus para descrentes curiosos», para homens de boa vontade). A ser assim, pergunta-se:





 Que andamos, todos, a fazer da e a deixar fazer a nossa Hierarquia religiosa?


Representação do poder sacro (excludente) ou uma voz profética aberta ao serviço do mundo, sobretudo dos marginalizados pelo sistema?

Uma voz condenatória, que gosta de apontar o dedo a todos ou uma voz acolhedora, que diz:

«Aí está o vosso Deus!(…)  Olhai, vem com o preço da sua vitória, e com a recompensa antecipada. É como um pastor que apascenta o rebanho, reúne-o com o cajado na mão, leva os cordeiros ao colo, e faz repousar as ovelhas que têm crias.» [Is 40:11ss]

Uma voz tíbia e ‘comprometida’ diante dos poderosos ou uma voz profética que denuncia:

«Levantar-me-ei contra os babilónios - oráculo do Senhor do universo - e suprimirei o nome da Babilónia, a sua posteridade e a sua descendência - oráculo do Senhor. Reduzi-la-ei a um ninho de ouriços e a um pântano, e varrê-la-ei com a vassoura da destruição - oráculo do Senhor do universo.» [Is 14:22ss]

Queremos que ela se apodere da Palavra de Deus, «mate o herdeiro» ou que liberte Deus e dê todo o fruto que deve dar?

A Parábola dos vinhateiros homicidas [Mt 21:33] é dirigida contra a Hierarquia religiosa, porque lamentavelmente se havia «instalado na cátedra de Moisés» [Mt 23:2], por ter usurpado e «trancado as portas que dão acesso ao Reino de Deus» [Mt 23:13]: «nem entram, nem deixam entrar aos que o querem fazer». A igreja do tempo de Jesus agarrava-se como podia ao seu «último reduto» - ao Templo, às cerimónias, ao incenso, aos holocaustos, à liturgia divorciada do sofrimento humano! Amuralhara-se no seu vaticano, entrincheirara-se na dogmática, abastecera-se de armas e discursos como canhões, cavara um fosse de sacralidade  e mistério divinatório ao seu redor, contratara «polícia de choque», aliara-se ao poder romano, desconfiada controlava todos os movimentos no «pátio dos gentios», aferrava-se em dogmas e proibições, contabilizava a justeza da prática ritual, «inquisitorializara-se», passava a vida a julgar e a apontar o dedo aos de fora, puxava as orelhas [Mc 2:18]; tornara-se, mesmo contra a vontade de Deus, perita em distinguir os bons dos menos bons [Mt 22:10]. Não admitia ser posta em causa, não negociava com e repulsava os irmãos distantes (samaritanos), perdera o espírito universalista e de misericórdia que outrora a fizera grande: «Os vossos olhos o hão-de ver e havereis de dizer: ‘O Senhor é grande, mesmo para além do território de Israel!’» [Malaquias 1:5]. Entrincheirara-se em si mesma! Deixara de depositar toda a sua confiança nos braços de Yahvé! Não dispensara o apoio dos poderosos, mas expulsara «os órfãos e as viúvas» das suas entranhas…






Era assim a hierarquia do tempo de Jesus: assassina do herdeiro!
E a nossa? Só agora – na resposta que dermos a esta pergunta – é que, verdadeiramente, começa a ser lido e escutado o Evangelho desta semana.

Cuidado com Jesus: não vá a Hierarquia cair em cima d’Ele («a pedra de tropeço») e… ficar despedaçada.

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