teologia para leigos

2 de setembro de 2011

O PONTIFICADO DE JOÃO PAULO II 2/2

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«O apóstolo S. Pedro era casado, vivia em Cafarnaum e era pescador…»


Carol Wojtyla...



Carol Wojtyla: «Cultura da Morte vs. Cultura da Vida»



Em 1596 uma parte do clero e do povo ortodoxo oriental escolheu unir-se a Roma, embora mantendo o rito litúrgico bizantino. Os uniatas − do latim uno e do russo uniatviveram submetidos a russos e polacos, em situação frequentemente difícil. Em 1946 Estaline suprimiu sem mais a Igreja uniata e incorporou-a na Igreja ortodoxa. Depois da queda do regime soviético, este acontecimento continuou a ser motivo de confronto entre a Igreja ortodoxa e a católica. Aquela não queria perder os fiéis adquiridos indevidamente e esta exigia a devolução dos bens confiscados e o reconhecimento pleno de uma realidade existente apesar da perseguição e das intolerâncias: ou seja, milhões de cidadãos continuaram a considerar-se católicos apesar da perseguição. Além disso, para os católicos, o facto de os uniatas manterem a liturgia, a língua, a tradição e a ordenação canónica próprias constitui a demonstração da possibilidade de distintas tradições conviverem em comunhão numa mesma Igreja.

Para João Paulo II a Igreja uniata deveria constituir a ponte entre católicos e ortodoxos, mas na realidade, dada a intransigente posição dos ortodoxos russos, converteu-se num muro que piorou ainda mais as relações mútuas. Além disso, os uniatas ucranianos, que são a maioria e contam com dois milhões de membros nos Estados Unidos, defendem a independência da Ucrânia de toda a ingerência russa, de forma que, uma vez mais, o nacionalismo influi e conforma uma Igreja oriental. João Paulo II, ao decidir a criação do patriarcado de Kiev, deu origem a uma rejeição de consequências imprevisíveis no patriarcado de Moscovo. Esta é a razão por que o papa não pôde visitar a Rússia, como era seu mais vivo desejo, e por que as relações entre ambas as Igrejas se encontram abaixo dos níveis mínimos.
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Numa das suas mais claras propostas, João Paulo II convidou todos os chefes religiosos do mundo a reunirem-se em Assis (1986) para rezarem juntos num momento em que as religiões pareciam viver um dos seus momentos mais baixos. A reunião constituiu um autêntico golpe nas consciências religiosas, embora nos ambientes mais conservadores tenha produzido o temor de um irenismo incontrolado, capaz de relativizar e igualar todas as doutrinas.


Um pontificado iminentemente peregrino

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João Paulo II fez das viagens um instrumento permanente de evangelização. Dedicou-se a visitar sistematicamente as diversas Igrejas dos cinco continentes, em mais de cento e quarenta viagens a Itália e mais de cem a outros países. (…) −  corria-se o risco de que as massas se entusiasmassem com a sua pessoa mas continuassem sem ser atraídas pela mensagem cristã; [podia acontecer] que tudo se convertesse numa imensa montagem na qual a substância religiosa fosse acidental.
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No entanto, estes encontros frequentes não tiveram como consequência uma maior co-responsabilidade dos bispos na caminhada da Igreja. João Paulo II manteve o controlo do episcopado próprio da época moderna, seguindo um estilo mais rígido e uniforme. Mudou hierarquias inteiras sem ter em conta o parecer do povo crente nem dos bispos do país, e nomeou bispos de uma linha, sempre a mesma, para mudar maiorias nas conferências episcopais. Em certo sentido, o papa itinerante converteu-se numa espécie de super-bispo, capaz de exercer de forma nova um primado mais sufocante. As conferências episcopais nacionais não conseguiram actuar autonomamente e aos sínodos episcopais não foi permitido que se convertessem num órgão participativo de conselho e de governo.
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Matrimónio e família

Estes dois valores, fundamentais para o cristianismo, parecem encontrar-se em profunda crise na sua concepção tradicional dentro da sociedade ocidental. O tema está a provocar uma polémica generalizada e azeda em numerosos países por causa das propostas que equiparam as uniões de facto às famílias institucionais. O papa, que dedicou a este tema mais tempo do que a nenhum outro, chegou a definir a união de facto como uma desordem, embora insistindo na protecção jurídica dos mais débeis, isto é, dos filhos frutos destas uniões. A experimentação da engenharia genética aplicada ao homem constitui nestes anos um tema extraordinariamente árduo, no qual o compromisso se torna sempre mais difícil.

No mesmo âmbito da moral, uma das principais preocupações de João Paulo II foi a batalha contra a legalização do aborto nas sociedades avançadas. Na sua encíclica Evangelium vitae, na qual convidava a uma nova cultura de amor e respeito pela vida, atacava a cultura da morte, que considerava característica das sociedades materialistas, e das quais o aborto e a eutanásia constituem as principais expressões. A instrução «Sobre o respeito da vida humana nascente» (1987) anunciava que a Igreja se propunha como objectivo imediato obter dos Estados a reforma de leis civis moralmente inaceitáveis, utilizando a opinião pública mundial e qualquer outro meio de pressão legal. Nas conferências e nas instituições internacionais, os representantes da Santa Sé mantiveram uma atitude crítica neste tema, frequentemente em colaboração com alguns países islâmicos.

Beatificações e canonizações

João Paulo II quase canonizou e beatificou mais pessoas do que o resto dos papas no seu conjunto, com o consequente perigo de desvalorização e de uma certa perda de estima do tema. O papa, no entanto, estava convencido de que as jovens gerações e as sociedades em geral necessitam mais do que nunca de modelos de vida cristã. Nas suas viagens a diferentes países beatificou filhos destas comunidades, conseguindo que os povos considerem como algo próprio pessoas que de outro modo teriam ficado no anonimato. Noutras ocasiões estas cerimónias provocaram reacções negativas que transtornaram algumas Igrejas, como em Espanha, por ocasião dos mártires da Guerra Civil ou da causa de José María Escrivá de Balaguer [Opus Dei].
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Provavelmente a página mais sugestiva e incisiva do jubileu do ano 2000 foi o pedido de perdão por parte do papa em nome da Igreja pelos «erros, infidelidades, incoerências e lentidões» e pelas formas de «anti-testemunho» e de «escândalos» de que se fizeram protagonistas «os seus filhos» ao longo dos últimos mil anos. (…) Numa sociedade na qual ninguém pede perdão, a actuação pontifícia representou uma interpelação, embora muitos cristãos tenham expressado que seria mais eficaz se a insistência incidisse mais nos pecados actuais. (…)


Pensamento social

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João Paulo II era moderno, protegeu os «movimentos», novos grupos de leigos presentes na Igreja com um verniz exterior mais progressista do que o seu interior oculta, mas não há dúvida que a sua teologia neste campo era profundamente tradicional. O papa engrandeceu o papel da mulher na Igreja mas não lhe reconheceu o acesso ao sacerdócio, argumentando que há muitas outras funções importantes na Igreja. Embora o documento Christifideles laici disponha que as mulheres devem participar na vida da Igreja no que se refere a consultas e à elaboração de decisões, essa participação é limitada, ao menos no que toca a cargos ligados ao sacerdócio.

Nos Estados Unidos e noutros países foi mal recebida esta decisão pontifícia. Não há dúvida que se falseia o problema se se reduz tudo a um problema de feminismo ou machismo, mas o debate existe. Cada dia há mais mulheres a estudar teologia, a dirigir instituições eclesiais, exercendo o apostolado, mas a sua participação continua limitada segundo a sua condição, mesmo num tempo em que as vocações sacerdotais escasseiam e a média de idade dos sacerdotes é muito alta.

Juan María Laboa Gallego, História dos Papas”, A Esfera dos Livros, Lisboa 2010, p. 452-459



Aconselha-se vivamente a leitura desta obra, que tem 548 páginas.