entre o Estado Penal
e o Estado Social
A escolha nunca inteiramente confessada do neoliberalismo é dirigir recursos para os mais ricos e repressão para os mais pobres A crise económica alimenta o espectro do aumento da criminalidade e reforça perigosas derivas securitárias no nosso país. Pode estar criado o caldo de cultura, feito da enésima reinvenção do tema das "classes perigosas", agora com uma dimensão espacial acentuada: "os bairros perigosos". Em sociedades desiguais como a portuguesa tudo se conjuga para transformar as fracturas socioeconómicas num problema de caridade, essa administração ineficiente de paliativos que fomenta todas as distorções, e sobretudo num problema de polícia.
A investigação empírica em economia política comparada confirma esta intuição e ajuda-nos a clarificar as escolhas sociais com que estamos confrontados. Sabemos que o incremento das desigualdades socioeconómicas e da exclusão social está associado à afectação de cada vez mais recursos públicos e privados às improdutivas áreas da segurança, vigilância e repressão.
Sabemos também que quanto maior é a desigualdade, maior é o peso da população prisional.
O reverso desta medalha também é claro: um Estado Social robusto e de acesso universal, e os correspondentes baixos níveis de desigualdade de rendimentos gerados, nutrem relações de confiança entre os cidadãos e são o melhor antídoto contra todas as formas de violência social - da criminalidade ao encarceramento.
Ao contrário do que pensam todos os que ainda se entretêm com romances de mercado, o debate público relevante nos países desenvolvidos não é sobre o peso do Estado, mas sim sobre aquilo que o Estado deve fazer. Simplificando um pouco, mas não demasiado, a escolha pode ser colocada nos termos descritos pelo sociólogo Loïc Wacquant: Estado Penal ou Estado Social. Os desiguais EUA com uma população prisional de 750 por cada cem mil habitantes, ou a igualitária Dinamarca com uma população prisional de 67 por cada cem mil habitantes?
A escolha nunca inteiramente confessada do neoliberalismo fica clara: estruturação política das instituições de forma a dirigir recursos para os mais ricos e repressão para os mais pobres.
Portugal, país semiperiférico, ainda hesita. No entanto, a fragilização deliberada do nosso Estado Social e das instituições que o suportam - caso dos sindicatos e da negociação colectiva - parece ter como contrapartida o aumento do número de polícias, já muito acima da média europeia, a prosperidade da indústria de segurança privada e a facilidade com que os problemas sociais são transformados em problemas de repressão. Seria bom que o debate eleitoral ajudasse a clarificar esta escolha implícita.
João Rodrigues
Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas